Bolsonaro e Trump fazem parte de uma internacional de extrema-direita, cujo grande ideólogo é Steve Bannon -- que julga Bolsonaro e, no entanto, o italiano Salvini como os melhores expoentes do "nacional-populismo". Nada é por acaso (1/10).
A construção bannoniana é a seguinte: o líder como figura pessoal que se confunde um conjunto de valores, uma ideologia de extrema-direita, e se torna o verbo encarnado desse projeto de mudar o mundo (2/10).
Tudo vira ideologia, o governo deixa de ser julgado pelos seus atos, mas pelos seus fins. Você concorda ou não com o grande projeto de Trump ou Bolsonaro? Essa é a questão feita a todo momento. Você não analisa mais os atos, mas age pelo temor ou esperança da sua efetuação (3/10)
Isso é testado até os limites. A crise pandêmica é um exemplo. Há um óbvio domínio de uma linguagem que assume a teologia estruturante da política: no lugar do Fim da História, da pós ou antipolítica, uma narrativa que anima o sujeito e o constitui em uma coisa nova (4/10).
Bannon, um católico americano de origem irlandesa, expressa no seu pensar uma lógica que perpasaa o catolicismo conservador, a recusa variada à modernidade e um desejo ao retorno a uma era de ouro, mas chega no limiar de um protestantismo quando substitui o ato pela graça (5/10).
Assim, Bannon pertence a uma ala diversa a de Carl Schmitt, jurista nazista e expoente do catolicismo cultural de extrema-direita, para quem a política é do sangue e da terra, elevando o ato e a obra aos seus referenciais mais elementares: a família, o local e a decisão (6/10).
A vantagem disso para Bolsonaro é que ele parece acima do julgamento e das circunstâncias: como disse um amigo, "ele aparece como ininputável, que conserva lá seus 30%". A força de Bolsonaro não está no que ele faz ou não faz, mas na capacidade dele gerar esperança (7/10).
A estratégia Bannon está preparada para revezes, mesmo como a pandemia, porque além de substituir o ato pelo projeto, deslocando o governo para um porvir, ela ainda tem anticorpos contra o liberalismo e a social-democracia (8/10).
Trump nos EUA tem um piso alto, mas um teto baixo, seja pelo poder do establishment liberal ou do renascente movimento socialista, então opera numa margem estreita. Bolsonaro, contudo, ainda não teve um teto bem estabelecido, por méritos seus, mas culpa dos seus rivais (9/10).
Contra o quê o nacional-populismo de Bannon não vence? O Marxismo. O Marxismo é o Covid-19 dele. Só a guerra e a sabotagem podem parar o que há de marxista em uma China, uma Cuba. Não o discurso. Pelo menos no Brasil, a atual práxis da esquerda não é capaz disso (10/10).
P.S.: embora diferentes, Bannon e Olavo transitam do catolicismo ultraconservador ao protestantismo quase neopentecostal. E nisso são comuns. Bannon, contudo, tem mais projeto e menos estratégia, porque Olavo é um ex-comunista.
PS do B: quando falo no Marxismo da periferia do mundo, não me refiro a eventuais derivas autoritárias que, na verdade, enfraquecem a China ou a Coreia, mas num outro aspecto, libertário e progressista, delas em termos de investir organizando e organizar investindo.
