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Hoje é sábado, e quero falar de algo fofo, divertido e emocionante. Estou pesquisando sobre Marie Curie para continuar a thread da Tabela Periódica, e, como resultado, refresquei a memória com a história fofíssima do casamento dela com Pierre. ‘Bora? Foro de Pierre e Marie Curie. Ele é mais alto, de barba e bigode, ela é mais baixa, de coque.
Maria Skłodowska Curie. Química, física e matemática brilhante, duas vezes vencedora do prêmio Nobel (primeira mulher, e primeira vencedora dupla), ícone absoluto quando o assunto é mulheres na Ciência. E protagonista de uma história de amor absolutamente fofa.
A vida de Marie Curie é digna de novela. Ela nasceu em 1867, na Polônia, quando o país estava ocupado pelos russos e sonhava com sua independência. Era filha de um professor de matemática e tinha quatro irmãos mais velhos. Ela perdeu a mãe e uma irmã bem cedo. Władysław Skłodowski e suas filhas Maria, Bronya e Helena.
Mulheres não eram exatamente incentivadas a seguirem carreira acadêmica, e a Universidade de Varsóvia só aceitava homens, então Marie não só aprendeu muitas coisas sozinha, mas ela estudou em nada menos que uma “universidade secreta”.
Eram aulas que aconteciam em segredo, para pessoas curiosas, mulheres e outros que não conseguiam vaga nas universidades superelitistas. O sonho de Marie e de sua irmã Bronya era ir para Paris estudar, mas a família delas era muito pobre. Sendo assim, elas combinaram. Maria e Bronya
Bronya, por ser mais velha, foi primeiro estudar, enquanto Marie trabalhava de governanta para ajudar a sustentá-la. Quando Bronya estivesse estabelecida por lá, ajudaria Marie. Foram cinco anos até ela poder ir para a França.
Nesse meio tempo, nossa futura cientista teve seu primeiro caso de amor com o filho de um de seus empregadores, mas não puderam levar adiante, já que a família dele era muito rica e a dela era muito pobre.
Com um coração partido a mais e uma distração de menos, ela se dedicou a seus estudos nesses cinco anos até poder finalmente se juntar à irmã. Suas palavras na época: “Mantenho certa esperança de que não desaparecerei completamente na insignificância.”
Graças a um amigo dela, o Conde Józef Wierusz-Kowalski, que a ajudou em seus estudos quando estava na Polônia, ela foi admitida em Sorbonne. Mais tarde, ele seria o cara que a apresentaria a Pierre Curie, fazendo dele oficialmente o anjo da guarda de Marie Curie.
A ida a Paris não foi um mar de rosas, porque elas ainda tinham bem pouco dinheiro. Marie sobrevivia a base de pão com manteiga e chá, estudando em um sótão. Sua filosofia na época: “Devemos crer que temos talento para algo e esse algo deve a todo custo ser alcançado.”
Durante esse tempo, ela estava tão quebrada de grana, mas tão quebrada de grana que não tinha roupas de frio e, para se aquecer no inverno, usava todas as suas roupas ao mesmo tempo.
Universitários quebrados não são coisa recente, sabe? O legal é que ela não precisou fazer a faculdade de novo. Ela já foi direto para o mestrado na Sorbonne, e tirou logo dois (Ciências Físicas e Matemática), um em 1893 e outro em 1894 (26 e 27 anos).
Vocês já devem estar sentindo que Marie era esforçada, dedicada e tinha uma sede insaciável de conhecimento. Ela também era muito prática e pé no chão, e isso começou a chamar a atenção das pessoas em volta.
Vamos então conhecer a segunda metade dessa história de amor. Pierre Curie nasceu em 1859 (era 8 anos mais velho que Marie) e era de uma família de tradição científica. Ele e seu irmão trabalhavam com cristais e já haviam feito várias descobertas:
Juntos, Jacques e Pierre Curie descobriram o fenômeno da piezoeletricidade. É quando um cristal recebendo pancadinhas geral eletricidade. Se você já teve um relógio de quartzo, agradeça Pierre Curie.
Com outros parceiros, Pierre também descobriu uma lei relacionando magnetismo e temperatura (Lei de Weiss-Curie). Ela diz que quanto maior a temperatura, menor a magnetização de materiais paramagnéticos.
Ou seja, Pierre Curie não era um cientistinha medíocre quando conheceu Maria Skłodowska, em 1894. Ela estava saindo de seu mestrado e era chefe do laboratório da Ecole de Physique et de Chimie Industrielle de Paris desde 1882 (quando tinha 21 anos).
O amigo conde da Marie então a apresentou a ele. Acho que ele só não esperava as faíscas voando pelo ar. Marie descreve sua primeira impressão de Pierre assim:
“Quando entrei no cômodo, Pierre Curie estava de pé no vão de uma janela francesa abrindo para uma sacada. Ele pareceu, para mim, muito jovem, apensar de ter 35 anos naquele momento.”
“Eu fiquei marcada pela expressão aberta de seu rosto e a leve sugestão de desprendimento em sua atitude geral. Sua fala, bem lenta e deliberada, sua simplicidade e seu sorriso, ao mesmo tempo grave e juvenil, inspiravam confiança.”
Ah, o amor! <3
Nesse ponto, a vida filmesca de Maria Skłodowska passou da história inspiradora de uma mulher conquistando seu sonho direto e sem escalas para uma comédia romântica. Por que pouco depois de conhecê-la, Pierre a pediu em casamento.
E ela recusou, claro.
Não porque Pierre tinha algum problema, mas porque ela acreditava que seu dever era voltar para a Polônia e ajudar a erguer sua terra natal, para tirá-la do jugo russo. Marie era uma grande patriota, e isso só fazia Pierre, que também era muito idealista, gostar dela ainda mais.
Sério, ele era daqueles caras que não tem paciência pra intriguinha e jogos de poder. Ele não ficava correndo atrás de prêmios e títulos, o que explicava por que não estava riquíssimo, apesar do prestígio de suas descobertas.
Ele ainda pediria a Marie em casamento várias vezes em cartas. Nesse meio tempo, Marie voltou para a Polônia e tentou se tornar uma professora universitária. Lembra que a universidade de Varsóvia não deixava garotas assistirem aulas? Então.
Eles não estavam interessados muito menos em uma professora, e, depois de insistir muito sem conseguir emprego, o Pierre me veio com essa carta:
“Seria algum muito bom, no qual eu mal ousaria acreditar passarmos nossa vida perto um do outro, hipnotizados pelos nossos sonhos, seu sonho patriótico, nosso sonho humanitário, e nosso sonho científico.”
O que eu acho legal é que, quando Marie escreveu a biografia de Pierre, ela elogia suas cartas por serem... curtas. De acordo com ela, ele era bem conciso ao escrever. Acho que isso revela tanto sobre ela do que sobre ele.
Se foi aquela carta que derreteu finalmente o coração da Marie, ou se foi o fato de que o Pierre era bonitão, fofo e extremamente idealista, não sabemos. Mas, pouco mais de um ano depois de se terem conhecido, os dois se casaram em 1895.
Foi uma cerimônia civil apenas, pois Pierre não vinha de família religiosa (seu pai era antirreligioso) e Marie meio que não ligava muito para o catolicismo depois das mortes na família dela.
Querem uma amostra da personalidade de Marie Curie? Quando um parecete se ofereceu para comprar para ela um vestido de casamento, ela pediu um vestido escuro, que pudesse usar para ir pro laboratório depois. Foto de casamento de Pierre e Marie Curie, com o vestido escuro dela.
Os dois ganharam um dinheirinho de presente de casamento, e usaram para comprar duas bicicletas. A lua-de-mel do casal foi pedalar pelos campos da França a fora, e, daí pra frente, eles fariam isso sempre aos fins de semana. Pierre e Marie Curie andando de bicicleta.
Marie também tratou de fazer o Pierre entregar logo a tese de doutorado dele (ele estava enrolando), em que ele descobre que existe uma temperatura em que os materiais perdem completamente o magnetismo (a Temperatura de Curie).
Eles viviam uma vida bem simples porque, apesar de Pierre ser um cientista famoso, ser um cientista famoso era meio como ser um artista famoso: nem sempre se traduz em grana. O laboratório dele também era muito simples, mas pelo menos ela podia usar.
Os dois logo teriam duas filhas, Irène e Eve. Irène puxou os pais e virou física mais tarde, enquanto Eve não ligava muito pra esse trem todo de ciência e virou uma jornalista (foi inclusive correspondente de guerra). Eve Curie, Marie Curie e Irène Curie. As duas são crianças pequenas.
Pierre deixou seu trabalho mais ou menos de lado, e os dois trabalhavam o dia todo juntos e algumas noites na tese da Marie. No fim de semana, saíam para pedalar com as meninas, para que tivessem contato com o campo.
Ela descobriu o rádio e o polônio com a ajuda de um aparelho construído pelo Pierre e seu irmão, Jacques, em 1898, mas demorou um tempinho para isolar o elemento de seu minério. Foi um trabalho intenso de química para tanto.
Em 1903, ela terminou sua tese, em que não só apresentava os elementos que descobriu, mas deixava bem claro que a radiação do urânio era de um tipo diferente dos raios-X e de outras radiações mais comuns.
O trabalho da separação do rádio e do polônio foi feito em um galpão muito precário. Mais tarde, quando a imprensa foi mostrar esse galpão, Marie disparou que não se deve glamourizar pobreza e que ela teria conseguido muito mais em um laboratório melhor. Marie e Pierre em seu laboratório mais precário.
Quem percebeu que os raios que Becquerel descobrira eram radiação gama foi Marie. Quem fez todo o planejamento experimental de toda a pesquisa foi Marie. Por muito menos, cientistas homens foram considerados descobridores de algo.
Pierre, em seu amor e admiração incondicionais pela esposa, sugeriu para Becquerel (que aceitou, porque parecia ser um cara bem legal também) que Marie assinasse a carta relatando a descoberta dos elementos novos e da radiação à academia de Ciências sozinha.
Ela era apenas uma doutoranda na época, e assinar uma descoberta sem incluir o orientador e colaboradores como Pierre é algo bem atrevido até hoje. Mas ele sabia como a academia tratava mulheres. Ele sabia que aquela era a única forma de garantir reconhecimento para Marie.
E se vocês acham exagero, saibam que essa descoberta foi imediatamente comunicada ao comitê do Nobel, que decidiu premiar... Becquerel e Pierre Curie. SÓ MARIE ASSINOU A PORCARIA DA CARTA E ELA NÃO IA APARECER NO PRÊMIO.
Por quê? Pela mesma razão pela qual ela não foi imediatamente contratada pela Sorbonne. Porque ela era mulher. Mulher na época nem votava, quando mais descobria coisas, ora essa! A Academia de Ciências falou para o comitê do Nobel que era OK excluir Marie Curie.
Mas Pierre, esse divo, esse deuso, não aceitou esse acinte. Um amigo dele avisou da treta antes do Nobel sair e ele imediatamente protestou a injustiça e exigiu que Marie fosse incluída no prêmio. Mas o mais legal? Na ânsia de tirar a Marie da descoberta...
...a descoberta e purificação do rádio, que foram objeto da tese dela, não foram incluídas nesse Nobel de 1903. O que quer dizer que, mais tarde, quando o rádio explodiu na mídia, ela ganhou OUTRO Nobel, agora de Química, sendo a primeira pessoa com dois Nobéis.
Como o Nobel vem com um prêmio em dinheiro, os Curie saíram da pobreza pela primeira vez na vida e puderam respirar aliviados. Pierre também se tornou professor universitário, o que melhorou bem o salário.
Eles podiam ter patenteado o rádio, mas decidiram que não se pode patentear um elemento químico, ele é patrimônio da Humanidade. Os dois eram bem idealistas, e esse idealismo se complementava e se ampliava em momentos como esse.
Os dois continuaram trabalhando loucamente, porque aplicações médicas da radiação começaram a surgir. Vamos falar mais sobre isso depois. O que importa é que a vida dos Curie estava maravilhosa a essa altura.
Eles tinham uma posição mais confortável a essa altura, as meninas estavam crescendo, o trabalho ia de vento em popa (mas Marie continuava trabalhando de graça, porque nenhuma universidade aceitava uma mulher como professora).
Pierre estava cada dia mais empolgado com as pesquisas sobre a radiação. Algumas pessoas dizem, em leve tom de crítica, que ele abandonou sua especialidade (magnetismo e cristais) para se juntar à esposa, mas quem não abandonaria? A pesquisa era quente, e ele amava Marie.
Então, em 19 de abril de 1906, só três anos após seu Nobel em conjunto, Pierre Curie estava atravessando a rua, quando foi atingido por uma carruagem e morreu na hora. O pai dele, quando ficou sabendo, disse: “Em que ele estava pensando na hora?”
Porque sim, como todo sonhador idealista, Pierre tinha fama de ser meio voado. Infelizmente, isso foi uma tragédia na vida de Marie Curie. Ela não falaria de Pierre para ninguém, nem para as filhas, por um tempo. Ela mantinha um diário, em que escrevia cartas para Pierre.
O pior de tudo, para ela, foi que a universidade de Sorbonne ficou desesperada com a perda de Pierre Curie, que era um de seus melhores professores. Quem entenderia tanto da pesquisa dele a ponto de poder substituí-lo? Bom, ADIVINHEM!
Pois é, o buraco deixado por Pierre Curie foi tão traumático que Sorbonne, pela primeira vez na história, deixou de lado sua política de não contratar mulheres e convidou Marie Curie para ocupar a posição de seu marido e tocar as responsabilidades dele.
Foi uma vitória fantástica para as mulheres no mundo, e uma vitória pessoa tremenda para Marie Curie, mas o preço... ah, o preço. Em seu diário, ela registra sua reação à contratação como “alguns tolos me deram parabéns”.
A partir daí, a pobrezinha sofreria de várias crises de depressão, mas se manteria firme em seu trabalho em honra ao marido. Em 1912, ela começou o esforço para fundar um instituto de pesquisas com o rádio (o elemento, não o aparelho) em memória dele.
Em 1911, um pouco antes, ela se candidatou a uma cadeira na Academia Francesa de Ciências, mas membros dela eram contra uma mulher ser aceita. Fanáticos religiosos e jornalistas fizeram uma campanha contra ela quando foi indicada ao Nobel.
Nessa época, estourou um escândalo de um jornalista que vazou para a imprensa cartas que Marie teria escrito a um outro físico, ex-aluno de Pierre, Paul Langevin, bem quando estavam atendendo ao lendário primeiro encontro do Conselho de Solvay. Foto das pessoas na primeira conferência de Solvay. Marie Curie na primeira fila.
Assim, o timing é meio suspeito, e a neta da Curie, Hélene, é casada com o neto de Langevin, e ela diz que é boato. Por um lado, ela pode estar defendendo a avó, mas, por outro, ela e o marido estão mais perto dos dois lados da fofoca, então devem conhecer melhor.
Independente do que aconteceu ou deixou de acontecer, o Instituto do Rádio ajudou muitas pessoas ao qualificar pessoas para o uso terapêutico dos raios-x, e Marie Curie usou todo o prestígio que conseguiu para ajudar a disseminação da radioterapia.
Esse esforço constante e humanitário, para mim, é o tipo de coisa que me faz ser um pouco mais tolerante com o suposto caso de Marie Curie e Langevin. Ela nunca mais foi a mesma depois da morte de Pierre Curie.
Após ela ganhar o Nobel de Química em 1911, ela caiu numa depressão ferrada, com complicações nos rins e precisou de uma operação, e foi uma viagem com uma amiga cientista que a ajudou a se recuperar.
Irène, sua filha, se casou com Frederic Joliot, um físico renomado e eles ganhariam um Nobel em 1935. Infelizmente, Marie Curie caiu de cama doente, em 1934. Irène a substituiu no front científico e Eve tomou conta dela, mas ela acabou morrendo de leucemia.
Sinceramente, espero que, onde quer que estejam, ela e Pierre tenham se encontrado no pós-vida e estejam muito felizes, sabe? Acho que mereceram. Bom fim-de-semana, amigos, e nos vemos na próxima thread!
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