Alguns amigos me pediram para falar sobre a famosa cloroquina. Eu estava esperando para ter informações mais sólidas, mas de repente me passa na timeline um maluco prometendo hidroxicloroquina debaixo dos panos para pacientes e achei melhor dividir o que já sabemos. 
Primeiro, vamos falar sobre o remédio em si. O que é cloroquina (e sua derivada, hidroxicloroquina)? Tem um artigo muito bom (e bem recente) aqui, de um químico que já trabalhou para indústrias farmacêuticas: blogs.sciencemag.org/pipeline/archi…
Para quem não entende inglês, ele traça uma breve história das drogas antimaláricas. Tudo começou quando os Incas (e vários outros povos da América do Sul) perceberam que a casca da quina (uma árvore) ajuda a diminuir a tremedeira causada pela malária. A quina é rica em quinina:
A quinina é antitérmica, analgésica e era bastante eficaz contra o parasita da malária. A famosa água tônica era originalmente um medicamento para tropas inglesas com malária, depois de se embrenhar em selvas na sanha colonialista. Hoje, água tônica é só um refrigerante.
O problema da quinina é que a indústria farmacêutica nunca conseguiu sintetizar em laboratório de uma maneira que valha a pena. A melhor forma de se produzir quinina ainda é extrair da árvore, o que dificulta a fabricação em massa.
Sendo assim, começou a corrida para a produção de antimaláricos artificiais que pudessem ser industrializados. A primeira tentativa foi o azul de metileno (sim, aquele spray azul de desinfetar machucado), que é antimalárico de fato, mas... te deixa azul.
Pois é, você cura da malária, mas vira o Fera pro resto da vida.
Sem esmorecer, os químicos continuaram brincando com a estrutura do azul de metileno, até chegarem na mepacrina abaixo. Além de te tingir de amarelo (primeiro o Fera, agora o Homer), ela causa depressão, psicose, problemas de equilíbrio e zunido no ouvido permanente e mais.
Percebam que ela ainda é antimalárica, mas dá pra entender que os pacientes ficariam meio cabreiros de se curar de malária, mas ser parte do elenco dos Simpsons pra sempre. Nessa é que surgiu a cloroquina, que é praticamente a mepacrina com um pedaço a menos:
A hidroxicloroquina é quase igual, mas tem OH em uma ponta daquele “garfinho” no alto. Esse anelzinho que a cloroquina tem a menos resolve o problema das pessoas ficarem amarelas. E... não muito mais. Aqueles outros efeitos colaterais? Continuam firmes e fortes.
Adicione a eles outros efeitos da cloroquina: uma forma de perda de visão chamada retinopatia da cloroquina (que pode continuar progredindo mesmo se a pessoa parar com o remédio), problemas auditivos (surdez ou zunido constante), náusea, vômito, diarreia, cólica abdominal...
...dor de cabeça, coceiras, descoloração da pele, queda de cabelo, irritação na pele, problemas cardíacos irreversíveis, problemas sanguíneos (diminuindo suas defesas quando você mais precisa delas) e problemas renais.
Claro, alguns desses efeitos são menos comuns, mas dá pra ver que cloroquina não é o tipo de droga que você quer tomar antes de ter certeza absoluta de que vai fazer bem. Um paciente idoso no Brasil morreu de problemas renais depois de tomar cloroquina: saude.estadao.com.br/noticias/geral…
Foi o vírus? Foi o remédio? Não foi nenhum dos dois? Ainda é cedo para saber. Na verdade, a cloroquina tem um agravante seriíssimo que é... ninguém faz ideia de como ela funciona. Como assim?, você se pergunta. Ideia nenhuma? Nenhuma.
Como ela trata a malária? Não se sabe. Como trata o lúpus? Nenhuma ideia. Como mexe na artrite? Mistério. Como ela poderia agir em vírus, se é que está agindo mesmo e não só combatendo os sintomas? Taí uma boa pergunta.
Claro que nesse caos, alguns apressadinhos já estão fazendo cruzadas a favor da cloroquina baseados em estudos preliminares, mas quem já trabalhou na área, como o Derek Lowe, daquele artigo e outros cientistas que conheço ainda acham cedo.
Se a cloroquina fosse uma droga de baixo impacto no corpo, talvez os médicos não estivessem tão ressabiados em testar nos doentes de Covid-19, mas essa danada é barra-pesada. Ela pode te deixar cego e surdo. Ela pode te matar antes do vírus. Não é uma poção mágica.
Agora sobre os “benefícios potenciais” e os testes já feitos, assim que eu postar essa thread, já estou começando outra sobre testes clínicos, sua estrutura, sua validade, para que vocês mesmos possam formar sua opinião e coloco o link aqui.
Mas já adianto que: não se pode confiar em nenhum estudo clínico com menos de 300 pacientes, e mesmo assim, um estudo sem potenciais efeitos danosos de longo prazo é incompleto. A cloroquina se acumula no corpo, os malefícios acima não param quando o remédio é suspenso.
Como prometido, aqui está a thread sobre os testes clínicos:
