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É penta! Os dois maiores finalistas de Copa finalmente se enfrentavam no jogo decisivo. Depois de uma campanha impecável, o Brasil venceu seu sétimo jogo na Copa e se sagrou campeão mais uma vez.

Vamos voltar no tempo mais uma vez.
Toda Copa é a mesma coisa: as pessoas dizem que aquela é a Copa das Zebras. Em 2002, a Holanda, semifinalista em 1998, não se classificou. Uruguai, França, Argentina e Portugal caíram na primeira fase.
Com isso, o Brasil precisou eliminar a Bélgica e a Inglaterra, enquanto a Alemanha despachou o Paraguai e os EUA. Na semifinal, Brasil 1x0 Turquia e Alemanha 1x0 Coréia do Sul. Copa é coisa de gente grande. As Zebras sempre chegam até um certo limite.
Felipão escalou seu time base na final. Edmilson havia conquistado a vaga de Anderson Polga e Kleberson já tinha barrado Juninho, então o 3-5-2 brasileiro tinha cara de 3-6-1 e apostava no trio ofensivo para vencer o pragmatismo alemão.
A Alemanha não tinha seu principal jogador. Ballack, vice-campeão da Champions League, do Campeonato Alemão e da Copa da Alemanha pelo Leverkusen, estava suspenso depois de fazer os gols decisivos nas quartas e nas semis. Jens Jeremies, mais cauteloso, foi o substituto.
A suspensão de Ballack, inclusive, iniciou um debate que foi culminar na mudança da regra a partir de 2010, com o objetivo de evitar que jogadores fiquem de fora da final por suspensão.
Olhando em perspectiva, já sabendo como a carreira de cada um se desenvolveu, é possível afirmar que a seleção brasileira era, pelo menos no papel, muito superior. Tirando Kahn, Klose e o próprio Ballack, os outros alemães nunca tiveram tanto destaque.
Para além disso, o olhar de 18 anos no futuro também revelou uma diferença brutal na ocupação de espaços no futebol de alto nível. Para muitos telespectadores no último domingo, foi um susto ver a quantidade de espaço entre os setores dos dois times.
Hoje, de fato, vivemos uma era obcecada pela compactação. Os movimentos coletivos entre os setores são muito mais coordenados. Mas, para os padrões de 2002, aquele foi um jogo bastante intenso.
Intenso e muito físico. Apenas Jeremies, Schneider, Neuville, Kleberson, Cafu e Roberto Carlos tinham menos de 1,80m. A Alemanha levava alguma vantagem. Os três jogadores mais altos em campo eram alemães. Hamman (1,89m), Bode (1,90m) e Metzelder (1,94m)
Assim, os dois times abusavam da bola longa. As defesas saíam chutando de trás em busca de uma casquinha no alto para ficar com a segunda bola. O primeiro lance do jogo, inclusive, é um bom exemplo. O Brasil saiu a bola e os dois zagueiros dispararam para brigar pelo lançamento.
Ronaldinho Gaúcho aparecia controlando no peito e colocando no chão para que o Brasil pudesse armar seus ataques com tranquilidade a partir da intermediária ofensiva. Nesse sentido, era claramente muito acima de todos. Cada domínio no peito já denunciava que ali havia um craque.
Com tantas bolas longas, a defesa brasileira afundava bastante, marcando perto do próprio gol. Sem compactação, Kleberson e Gilberto tinham um espaço gigantesco para cobrir. Não é a toa que os alemães tenham chutado tanto de fora da área.
A marcação do Brasil era toda por encaixes. Cada um marcava o seu, então sem a bola o time fazia uma compensação atrás da outra. O ala saía para morder, o volante ia cobrí-lo, o zagueiro saía para a posição do volante, o outro volante entrava na zaga…
Com isso, o time corria muito. O tempo todo, de um lado para o outro! A referência era sempre marcar o homem e a bola, não proteger o espaço como é mais comum hoje.

Era muito comum ver uma certa “bagunça”, com Lúcio (zagueiro pela direita) dando combate na esquerda, por exemplo.
Nesse sentido, a noção de posicionamento de Edmilson e o senso de cobertura de Gilberto Silva eram absolutamente fundamentais para o funcionamento do jogo brasileiro.
A marcação alemã, um pouco mais agressiva que a brasileira, também era obrigada a recuar pela preocupação com Ronaldo. O homem era realmente um fenômeno. A cada toque na bola ou mesmo movimentação para recebê-la, soavam os alertas alemães.
O camisa 5 Ramelow comandava o posicionamento dessa linha e muitas vezes se via no mano-a-mano com Ronaldo. Era um típico líbero alemão, se movendo por trás da defesa sem a bola e com liberdade para se juntar ao meio-campo com ela.
Apesar de pouco lembrado por aqui, o loirinho discreto, que também jogava no Leverkusen, foi possivelmente o melhor alemão da final. Fez tudo que se espera de um bom líbero — justamente no momento que os líberos já entravam em extinção quase absoluta.
Pelo lado brasileiro, Ronaldo é o destaque óbvio pelos dois gols, mas o melhor desempenho em campo talvez tenha sido de Kleberson. Sua movimentação, sempre fazendo a diagonal do centro para fora, confundia a marcação e abria espaço para os meias brasileiros.
Com apenas 23 anos, o volante do campeão brasileiro pelo Athletico-PR atraiu os olhos do mundo e garantiu sua transferência para o Manchester United um ano depois, chegando ao lado de uma jovem promessa de Portugal.
Ronaldo muitas vezes vinha buscar o jogo e o Brasil ficava sem ninguém empurrando a defesa, dando a tal profundidade. Isso abria algum espaço nas costas e algumas boas tabelas pelo meio quase resultaram em escapadas cara-a-cara com o goleiro.
De fato, a marcação alemã tinha dificuldade com essas corridas de quem vinha de trás. O problema aparecia inclusive quando um dos zagueiros saía carregando a bola para o ataque. Os alemães não sabiam quem deveria se deslocar para a marcação e o Brasil chegava.
As corridas de Roque Júnior e, especialmente, Lúcio, tinham propósito e atrapalhavam a marcação alemã, abrindo espaço importantes. Mas causavam pequenos infartos no torcedor brasileiro pelo estilo doidão e desorganizado.
Assim, um primeiro tempo equilibrado acabou tendo apenas chances para o Brasil. Aos pouquinhos a seleção canarinho ia dando o bote lá na frente. Ronaldo chutou uma para fora, Kleberson colocou no travessão e Kahn fez uma grande defesa no final.
No segundo tempo, uma mudança sutil, mas importante. Rivaldo não funcionou do lado esquerdo, tentando aproveitar a fragilidade de Linke. Passou a jogar como atacante, ao lado de Ronaldo, mais pelo lado direito. Ali, construiu os dois gols.
O Brasil abriu o placar depois do frango de Kahn e, como era costume do futebol brasileiro na virada do século, mudou de postura. Recuou completamente e passou a querer apenas o contra-ataque. Um 5-3-2 bem mais estruturado e com a defesa afundada dentro da área.
Aí, se aprofundou o padrão: lançamento da Alemanha para frente ou chuveirinho na área, rebatida da defesa brasileira. Foram SESSENTA rebatidas do Brasil nos 90 minutos, sendo QUARENTA do trio de zaga!! Não passava nada!
O jogo teve mais ou menos 60 minutos de bola rolando e a Alemanha teve pouco menos da metade da posse. Isso significa que o time brasileiro fazia uma rebatida a cada 30 segundos que os europeus tinham a bola.
Com 1x0 no placar, Rudi Völler precisou ousar. Tirou o volante Jeremies, passou o ala direito Frings para o meio e colocou o atacante Asamoah aberto pela direita. Dois minutos depois, o Brasil puniu cada detalhe da substituição.
Cafu toca para Kleberson e dispara pela direita. Marco Bode, um ano mais velho que o lateral brasileiro, já está extenuado e não é páreo para a saúde do capitão.
Bode fica para trás e Frings, tendo acabado de se tornar volante vindo da ala direita, demora dois anos e meio para fechar o espaço. Metzelder precisa sair para fechar o espaço de Kleberson e resto da zaga acompanha, se deslocando para a esquerda. São 4 contra 3.
O corta-luz genial de Rivaldo escancara, além do talento do brasileiro, a dificuldade que é colocar na lateral um jogador sem costume de fechar a linha de defesa. Quando Asamoah percebe o perigo, já é tarde demais. Ele até tenta, mas nunca vai chegar. Ronaldo mata a final.
O Brasil, com seu trio de ataque formado por três ganhadores da Bola de Ouro, é penta! A volta por cima de Ronaldo é o símbolo da Copa. Dezoito anos depois, dá pra dizer: nossa geração deu muita sorte de viver tudo aquilo!
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