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O Liverpool de Rafa Benítez chegou à final da Champions League em 2007 após vencer o Chelsea de José Mourinho na disputa de pênaltis.

O lendário Jorge Valdano escreveu, então, um texto inesquecível alertando sobre os rumos do futebol: “um pedaço de merda pendurado num graveto”
Valdano nasceu na argentina, mas se mudou para a Espanha com 19 anos de idade. Jogou no Alavés, Zaragoza e Real Madrid. Venceu a Copa do Mundo em 86 ao lado de Maradona. Teve uma breve carreira como treinador e venceu o campeonato espanhol com o Real em 1994/95.
Ainda jogador, Valdano era conhecido como “o filósofo”. Gostava de pensar e falar sobre o jogo. Seu caminho natural foi se tornar escritor e comentarista. Publicou diversos livros, participou de uma infinidade de programas de TV e escreveu muito para jornais e revistas.
Acima de tudo, Valdano sempre defendeu uma visão: um futebol ofensivo, bem jogado, de técnica e criatividade. Era, e ainda é, obcecado com isso. Coincidência ou não, se tornou o diretor esportivo do Real Madrid na Era dos Galácticos.
Quando o Liverpool eliminou o Chelsea em dois jogos chatíssimos, havia um ar de déjà vu.

Dois anos antes, o mesmo Liverpool de Benítez havia eliminado o mesmo Chelsea de Mourinho nas semifinais com 1x0 no placar agregado. Nas duas ocasiões, a final seria jogada contra o Milan.
Valdano, então, escreveu no Marca: “o futebol é feito de sentimentos subjetivos. (...) Coloque um pedaço de merda pendurado num graveto no meio de um estádio apaixonado e os torcedores dirão que é uma obra de arte. Não é: é um pedaço de merda pendurado num graveto.”
“Chelsea e Liverpool são os exemplos mais claros e exagerados dos rumos que o futebol vem tomando: muito intenso, coletivo, tático, físico e direto. Mas um passe curto? Nããão. Uma finta? Nããão. Uma mudança de direção? Nããão. Um-dois? Caneta? Calcanhar? Não seja ridículo”
Valdano nunca foi uma unanimidade. Seus críticos o chamam de Valdano, o vândalo. O próprio Rafa Benítez respondeu: “Conheço Valdano há 20 anos. Trabalhamos juntos no Real Madrid e ele não é alguém que eu respeite como profissional.”

Mesmo assim, seu ponto era claro.
“Se Drogba foi o melhor jogador na primeira partida, foi puramente porque ele correu mais rápido, pulou mais alto e se chocou com os outros mais forte. (...) Um jogador da classe de Joe Cole fica desorientado.”

De fato, essa não era uma constatação nova.
Pep Guardiola deixou o Barcelona rumo ao Brescia com apenas 30 anos de idade, depois de 17 anos servindo o clube catalão.

Em 2004, disse em entrevista ao The Times: “jogadores como eu foram extintos porque o jogo se tornou mais físico e tático.”
Seu maior pupilo, Xavi, usou a mesma palavra em uma entrevista ao The Guardian em 2011:

“Seis anos atrás, eu estava extinto. Jogadores como eu estavam morrendo. Todos tinham dois metros. Força, jogo aéreo, segundo bola, rebote…”
O argumento de Valdano não era apenas estético. Não era apenas sobre o tipo de futebol que agradava seus olhos.

Fazia sentido. Ele só foi um pouco mais radical. Ou muito mais radical. Afinal, seu artigo continuou com um ataque frontal aos treinadores.
“Aqueles que não tiveram talento para se tornarem grandes jogadores não acreditam no talento. Não acreditam na habilidade de improvisar para vencer partidas. Benítez e Mourinho são exatamente o tipo de treinadores que Benítez e Mourinho precisariam para se tornarem jogadores.”
É claro que, no fim das contas, discordo de Valdano nesse ponto. Prefiro a visão de Arrigo Sacchi, outro grande filósofo da bola, que dizia que para ser um bom jóquei, ninguém precisava antes ter sido cavalo.

São coisas separadas.
O mundo dá voltas. Quando Mourinho Chegou ao Real, em 2010, Valdano estava de volta ao clube, agora como diretor geral.

O treinador português não esquece uma mágoa. Comprou briga e venceu a queda de braço. Valdano foi banido dos voos e concentrações. Depois foi demitido.
Em seu grande livro, “A pirâmide invertida”, Jonathan Wilson diz que toda a evolução do jogo se deu em cima de duas tensões: estética versus resultado, técnica versus fisicalidade.

Mais do que isso, cada escola aprendeu rápido quais eram suas forças, mas nunca esteve satisfeita.
O futebol brasileiro era sobre habilidade e velocidade, mas invejava capacidade de organização italiana. A Itália era sobre flexibilidade e profundidade tática, mas admirava e temia a energia dos ingleses. A Inglaterra era sobre resistência e força, mas queria a alegria do Brasil
Quando o medo de perder se sobrepõe à vontade de ganhar, como diz Vanderlei Luxemburgo, aflora esse futebol que não se expõe, que apenas espera e reage. O futebol que Valdano demoniza.

Mas o mundo da bola mudou muito depois de “um pedaço de merda pendurado num graveto”.
Fomos apresentados ao Barcelona de Guardiola, à Revolução Espanhola e nasceram outras formas de jogar.

A ousadia voltou a florescer e os 341 gols marcados nos 145 jogos de mata-mata na Champions League entre 2003/04 e 2007/08 se tornaram 436 gols entre 2014/15 e 2018/19
Mas não é apenas o aumento na média de gols que determina essa mudança. Havia uma transformação palpável na forma como os grandes times se comportavam em campo.

Pragmatismo, ou jogar pelo resultado, não era mais sinônimo de jogar apenas para se defender.
Iniesta disse ao The Guardian em 2012: “Jogamos assim porque encaixa pra gente. Não temos os jogadores para jogar de outra forma. Fala-se em pragmatismo, mas, para nós, isso é pragmático. É a forma como gostamos de jogar e acreditamos que, assim, temos a maior chances de vencer”
Não existe uma forma certa de jogar.

Mesmo assim, é válida a reflexão sobre o futebol que vinha sendo praticado no Brasil nos últimos anos. Cabe a cada um julgar o que estava pendurado em cada graveto, mas é inegável que havia um crescimento de um futebol reacionário por aqui.
Crescia a ideia de que, para ganhar, era preciso jogar fechado, não arriscar, esperar o erro… Às vezes, essa ideia suprimia completamente o talento, como Valdano reclamava. Outras vezes, preparava o time para "saber sofrer" e rezava para o talento decidir sozinho lá na frente.
Coincidência ou não, Renato Gaúcho, talvez o único grande craque da bola treinando hoje um time da Primeira Divisão, abria espaço para um futebol mais envolvente e inventivo. Quando vencia, um sopro revigorante atingia nosso futebol. Quando perdia...
A balança estava totalmente desequilibrada.

Jogar bem é, sim, diferente de jogar bonito. Tem a ver com dominar o adversário, impor sua forma de jogar - independente de qual for - com e sem a bola.

No entanto, por aqui, seguimos numa falsa dicotomia...
"Prefiro vencer do que jogar bem", nos diziam.

Mas dominar não deveria ser oposto a ser competitivo. Pelo contrário, deveria ser justamente um passo para a vitória.

Valdano, apesar dos pesares, tinha um ponto.
Qual futebol queremos por aqui?
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