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Por causa da frase do Bolsonaro (“Eu sou, realmente, a Constituição”), ele foi chamado de absolutista e Luís XIV entrou nos Trending Topics Brasil, com todo mundo fazendo referência à frase que ele supostamente teria dito: “O Estado sou eu”. Mas o Rei-Sol não disse isso!
A primeira vez que a frase foi referida foi em 1818, 163 anos supostamente ter sido dita e 103 anos após a morte do rei. No contexto pós-revolução, era uma forma de afirmar a diferença da monarquia constitucional ao suposto “absolutismo” que lhe precedeu.
(Bély, 2005, p. 77)
Segundo um aristocrata que testemunhou os últimos momentos do rei, ele disse exatamente o contrário em seu leito de morte: “Eu me vou, mas o Estado continua”. Mas essa frase era menos útil aos historiadores liberais do XIX, então acabou esquecida.
Acabou o passeio dos cachorros, então acabou o thread também, mas fica esse thread que fiz ano passado sobre absolutismo. Era só pra externar minha luta de mais de 10 anos contra essa visão simplista da Época Moderna.
Mais um passeio com os cachorros, então vamos continuar a thread. Eu diria que a concepção de legitimidade e soberania inerente ao bolsonarismo é totalmente diferente da de Luís XIV: as monarquias do Antigo Regime baseavam-se acima de tudo na tradição/dinastia.
O rei era rei por ser descendente do rei anterior. Havia discussões sobre o papel de Deus e da aclamação popular, mas o aspecto central era a legitimidade dinástica. Isso evidentemente não se aplica ao bolsonarismo e seus homólogos ao redor do mundo, como Trump.
A base da legitimidade deles é outra: é o povo, de quem são os únicos representantes válidos. Assim, toda limitação ao seu poder é por princípio ilegítima. O antecedente mais antigo dessa visão plebiscitária também é francês, e esse sim disse “Eu sou o Estado”: Napoleão.
Napoleão tomou o poder num golpe, mas buscou garantir sua legitimidade através de plebiscitos (fraudados em maior ou menor grau). Outros adotaram a mesma estratégia, como seu sobrinho Luís Bonaparte (Napoleão III). Mas aí já fujo da minha área: precisamos ler o @DavidAvromBell!
Pouco depois de Napoleão, encontramos alguém similar ao Imperador da França no Imperador do Brasil, como notou @joaoescosteguy: apesar de ser o herdeiro do trono português, seu título era oriundo da aclamação popular no Brasil, e o povo tinha um papel central na sua legitimidade.
Era uma visão profundamente autoritária, porém: se estava enamorado da ideia de um governo constitucional, D. Pedro só aceitaria uma Constituição que considerasse digna de si próprio - e ele seria o juiz disso, claro. Isso era absurdo, como notaram liberais, a exemplo de Caneca.
Assim, D. Pedro I deu um golpe, dissolveu a Constituinte e prometeu uma nova Carta “duplamente mais liberal” - aprovada graças às manifestações de parte das Câmaras Municipais, sem convocação de outra Constituinte. Dá pra entender porque monarquistas apoiam Bolsonaro.
Por último, há um personagem fascinante que teria dito “I am the Constitution in these parts”: Huey Long, importantíssimo político da Louisiana no início da grande depressão, que também foi comparado a Napoleão. Mas aí não me atrevo!
jstor.org/stable/4234200
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