Thread by @igornatusch

Vendo de longe, minha impressão é de que Bolsonaro fareja essa profunda crise como risco e, ao mesmo tempo, uma oportunidade. Sente que pode perder - mas também crê que, se vencer, terá tudo que deseja nas mãos.

Vou tentar explicar minha opinião. Não será muito longo, espero.

Digo sempre: Bolsie não tem (nem integra) uma grande estratégia. É um animal de instinto, um avatar de uma legião que detesta tudo que é civilizado e tolerante - e também um líder de seita. Ele é a ação antes da reflexão, a verdade que se revela - e essa é a sua arma política.

Bolsonaro está cercado. Os filhos estão na berlinda, sua sustentação parlamentar é pífia (sequer tem partido!), ser ejetado da cadeira não é mais impossível. E o coronavírus, claro.

O que faz ele? Demite Mandetta, anula Guedes, força Moro para fora. Amplia o leque de inimigos.

E pq Bolsonaro faz isso? Pq é louco, um suicida político?

Eu acho que não. Ele faz isso pq sente não ter opção. Pq não tem mesmo, na verdade. E pq, diante de uma derrota muito possível, faz um cálculo primário, mas correto: se sobreviver, será invencível por muito tempo.

O governo já perdeu muito do seu papel de parede liberal-democrático. Como um reptiliano, vai revelando as feições do que sempre foi: um projeto de sequestro do poder. Bolsonaro falou a verdade: ele realmente não quer negociar nada. O butim é dele. Todo o resto é ferramenta, só.

Politicamente, a situação de Bolsonaro é terrível. Saindo Moro, nem o lavajatismo terá mais. Em resumo: se balançar, ele cai.

Mas ninguém quer balançar. Todos se agarram em conveniências menores, temem o confronto direto.

Bolsonaro, é claro, sente o cheiro desse medo. E age.

A Covid-19, para Bolsonaro, está na mesma mistura de risco e oportunidade. Verdade que o genocídio é também uma entrega, uma realização mórbida. Mas é útil, acima de tudo, porque paralisa ações. E apenas Bolsonaro é vil o suficiente para se mover em meio aos cadáveres.

Temos então essa conjunção inacreditável, da maior crise política do governo acontecer enquanto o Brasil enfrenta um vírus mortal. Nesse ambiente de horror, mover-se é uma ousadia fundamental.

Se apenas Bolsonaro se mover, ele vencerá.

Instintivamente, é essa a sua aposta.

Não diria que Bolsonaro está vencendo. Acho que é o único que, inequivocamente, está lutando. E conta com sua matilha grotesca não para a guerra, mas para manter seus inimigos com medo de entrar na luta.

Tudo muda se ele for enfrentado. Mas aí é preciso sair do cálculo e agir.

(a gente aqui, de dentro de casa, precisa lutar também. Mas como? empurrando as instituições, claro - mas eu agiria, acima de tudo, para deixar a horda menos ameaçadora. constrangê-la, fazer com que seja vergonhoso e até perigoso ser bolsonarista. mas aí é outro papo. fim.)

(um amigo perguntou: e se Moro fica? bom, daí Bolsonaro também vence: afasta o risco na PF, submete Moro de vez, coloca o lavajatismo no bolso como um souvenir. sua vitória final fica bem mais provável. do ponto de vista de Bolsie, Moro não será aliado, mas uma conquista.)

Bolsonaro (ok, provavelmente o Carluxo, mas tanto faz) cuspindo publicamente na cara de Moro, menos de 1h antes da coletiva.

O recado é óbvio. "Sou eu quem manda nessa merda".

O homem que prendeu Lula, tratado como capacho.

All in.