Thread by @lucasmafaldo

Adendo ao que escrevi nos últimos dias.

Um ponto que causa muita confusão é que as análises políticas geralmente misturam: o que as pessoas querem que ocorra, o que elas acham deveriam acontecer, o que elas acham vai, de fato, acontecer.

Só para separar um pouco as coisas:

Em termos do que VAI acontecer, acho possível que um processo de impeachment seja aberto. Porém, Bolsonaro tem como sobreviver a isso, desde que a militância continue energizada o suficiente para o congresso calcular ser mais vantajoso ficar do seu lado.

Mas vai ser apertado. Parte do congresso possa achar mais vantajoso costurar diretamente com Mourão. Seria uma oportunidade para se livrar de Guedes e voltar ao desenvolvimentismo, que gera mais cargos para os amigos.

O próprio Bolsonaro vai ter que fazer mais concessões ao congresso. Isso é parte da tragédia dos liberais e isentistas insatisfeitos com o governo. Quanto mais enfraquecem Bolsonaro, mas ele precisa ceder a um grupo que vai na direção contrária de quem está batendo.

Isso é o que acho que vai acontecer — mas nada disso é o que eu gostaria que acontecesse.

O que eu gostaria é que esse papo de impeachment fosse encerrado. Isso trava o país, pois a gente fica preso em uma eterna eleição.

O ideal era começar a fazer reformas, principalmente...

... do sistema eleitoral. Parte da bagunça atual é que o legislativo é pulverizado e distante da população. Voto distrital ou distrital misto resolveria isso, o que facilitaria a formação de maiorias e devolveria ao parlamento sua função legítima: formar consensos em...

... torno de valores e interesses divergentes.

Com o parlamento re-democratizado seria mais fácil reagir aos avanços indevidos do STF. O STF está, em muitos sentidos, ocupando um vácuo de poder deixado pela tensão legislativo-executivo.

Com maiorias parlamentares estáveis, seria fácil inclusive impeachmar ministros do supremo — uma ameaça que, por si só, já equilibraria o jogo de forças.

Reconheço, no entanto, que esse meu cenário ideal é quase utópico. O Brasil caminha de crise em crise, sempre na urgência.

Outra coisa que é diferente da previsão (o que vai acontecer) e de desejo (o que deveria acontecer) é a descrição (o que está acontecendo). A gente pode concordar na descrição e discordar em todas as outras.

A minha descrição é que essas decisões de Bolsonaro não são...

... uma ameaça às instituições, mas uma reação de sobrevivência ao fato de que as próprias instituições entraram na disputa política.

Obviamente, o cenário é extremamente instável, mas não vejo como colocar a culpa por isso em Bolsonaro, aliviando para Maia e STF.

Além de Bolsonaro não ser a causa da bagunça institucional, eu também não vejo como retirá-lo pode ser parte da solução já que ele representa boa dos desejos da população. Não pode ter sistema democrático funcional que derruba o candidato eleito pelo voto, enquanto...

... ele continua sendo o único líder que mobiliza o povo nas redes e na rua.

Mesmo que ocasionalmente a turma do zap espalhe notícias falsas, isso não é motivo para derrubar todo um governo — ainda mais quando o zap pegou fogo justamente porque havia muita falsidade e...

... manipulação nos veículos oficiais.

Aí volto à minha prescrição:

Os problemas institucionais precisam ser corrigidos por reformas amplas e profundas, seguidas de novas eleições para renovar progressivamente a classe política.

Nada do governo atual chega próximo da escala internacional de subversão montada pelo governo petista. Derrubar Bolsonaro para colocar Mourão no colo do congresso é o contrário de renovação: é entregar totalmente o poder para líderes impopulares e jogar o povo fora do processo.

Obviamente, o fato disso ser uma péssima ideia não quer dizer que isso não vai acontecer

O único cenário que eu vejo para evitar isso é se o governo conseguir sobreviver ao ataque calculado de Moro — provavelmente articulado com líderes da oposição e figuras do establishment.