O papel dos militares brasileiros, na crise de Bolsonaro, merece análise. Para entender como ainda não eles não saíram, e como, quando e se sairão, é preciso levar em consideração o como e o porquê dos militares terem entrado nessa aventura, vamos lá (1/10):
Antes, o gato subiu no telhado no fim dos anos 70, quando o então general-presidente Geisel e seu ideólogo-estrategista Golbery pressentiram que era ora de passar a bucha e deixar o poder para os civis (2/10).
Geisel e Golbery sabiam que para os militares continuarem, eles teriam de sujar a mão de sangue numa escala muito maior do que já tinham feito nos anos 1960-70, uma vez que perderam o controle dos trabalhadores e não compensaria o risco (3/10).
Melhor seria recuar no momento certo, tentar deixar a direita civil o mais fortalecida possível e depois converterem as FFAA em um partido secreto, um eminência parda que tutelaria a democracia, justamente por ter cedido o poder sem dar um tiro (4/10).
Não há qualquer bondade nisso. É saber estratégico. O mesmo que os ditadores argentinos não tiveram ao se lançarem na louca Guerra das Malvinas. Mas houve quem discordasse por interesses maiores ou menores. As nossas Malvinas é a Pandemia (5/10).
Pois bem, nossos generais atuais são filhos ingratos dessa ordem, na qual eles cresceram como tutores da República graças a Geisel -- contra quem vociferam por o reputarem covarde por um recuo que nunca houve, mas uma batida em retirada sagaz e ardilosa (6/10).
Os atuas generais, que voltaram ao poder depois da terra arrasada da Nova República via Lava Jato e graças ao uso de um clown como Bolsonaro, cultivado por eles, partem de uma premissa errada: que a ditadura não caiu sobretudo por fracassar, mas uma trapaça civil (7/10).
Sim, colocar Bolsonaro no poder é fazer o jogo americano, e do atual presidente americano no Brasil, mas também era para os militares protegerem velhos privilégios e conquistarem novos, mas sobretudo era fazer revisionismo histórico (8/10).
Sair do poder agora seria perder tudo isso, mas também seria sofrer uma humilhante derrota histórica, sobretudo na visão de anciões mais exaltados como Heleno ou jovens ambiciosos como Braga Netto. Saber recuar, entretanto, é tão importante quanto saber avançar (9/10).
Os militares, hoje, teriam a saída de deixar Bolsonaro e fazer um governo de união nacional, como ensaia timidamente Mourão, mas isso contraria a narrativa inaugural ao mesmo tempo que a convicção na premissa ("na verdade, a ação política militar deu certo") não é real (10/10).
P.S.: a operação Bolsonaro sempre foi, no fundo, a operação anti-Geisel. A gênese de Bolsonaro é um levante anti-Geisel, sobretudo vocalizando generais que sonhavam em ser um Pinochet ou do médio-oficialato que perdeu cargos.
P.S.2: A saída estrategicamente correta é, ao mesmo tempo, uma retomada de Geisel. O que para os militares seria ótimo e até indevido, em termos republicanos. A Insistência em não fazer isso, na verdade, nos conduz todos para as Malvinas em forma de praga. Um desastre.
