Thread by @ThomasVConti

Esse gráfico que tem sido compartilhado pelas redes, espalhado por ninguém menos que Osmar Terra, contém diversos problemas e não deve servir de base para tomada de decisão de nenhum agente público ou privado.

Segue o fio 👇

Primeiro, é importante ler o que *os próprios autores* dizem sobre o modelo e os gráficos. São explícitos que o uso é <apenas para fins educacionais e de pesquisa>. O modelo pode conter erros e ter excesso de otimismo com as previsões pode ser perigoso. ddi.sutd.edu.sg

Segundo, estão divulgando aqui como "Projeto da Universidade de Singapura". Falso. De novo, está no cabeçalho do site. O projeto é um projeto individual e voluntário de um grupo específico da universidade.

Terceiro, segundo eles mesmos, o código é inteiro de outro autor, Milan Batista. Vamos ver o que o Milan diz sobre o código.

Quarto, segundo Milan Batista, o autor do código que fez essas estimações, o código dele deve ser usado apenas para fins educacionais e não para fins comerciais ou de saúde. O modelo pode falhar nas fases iniciais da epidemia e caso ela tenha mais de um estágio.

Quinto, se você abre o "paper" deles que eles disponibilizam falando sobre motivação, teoria e método, você encontra basicamente... nada. Só querem dar uma data para as pessoas. Fizeram os gráficos com código pronto e o atualizam diariamente. Link:
people.sutd.edu.sg/jianxi_luo/pub…

Esse site viralizou pelo mundo todo, contando já com mais de 130 mil compartilhamentos só no facebook, e todos os autores envolvidos disseram que os modelos *não* devem ser usados para tomada de decisão ou previsão. São apenas para fins educacionais. Imaginem se quisessem mentir!

Além de ser muito simples, o modelo foi construído para uma epidemia de 1 estágio e filtrado buscando o maior ajuste à curva de casos infectados. No começo de uma epidemia, muitos comportamentos diferentes de R0 conseguem ajuste significativo. Isso pode facilmente levar a erro.

Um exemplo explícito desse erro acontecendo na prática é o ajuste do modelo para a Índia. Devido à pobreza, demografia e outros problemas, a Índia não está conseguindo fazer quarentenas. Mas, segundo esse modelo simplão, o pior já passou lá e quase ninguém será infectado por lá!

Há grupos de pesquisa sérios envolvidos não com projetos com fins educacionais, mas com projetos realmente comprometidos com fazer a melhor avaliação possível. Um jeito bom de filtrá-los é buscar se os autores tentaram fazer *mais de um modelo* para calibrar os resultados.

Para quem tiver interesse, um bom exemplo é a divulgação de previsões de curto prazo pela equipe do Imperial College COVID-19 response. Não é um projeto individual, estão modelando junto com especialistas da OMS e com apoio oficial da universidade.
mrc-ide.github.io/covid19-short-…

Vejam no relatório as previsões do número reprodutivo da epidemia (R0 ou Rt) em diferentes países da Europa. Há o resultado de três modelos e um intervalo de erro nos achados. A maioria das pessoas não vai entender esse gráfico, mas eles querem dialogar com tomadores de decisão.

Outro projeto nessa linha de seriedade e informação para previsão e tomada de decisão é o da equipe do Coronavirus Government Response Tracker, de Oxford. Eles criaram um modelo e indicador para medir a força das medidas dos governos.
bsg.ox.ac.uk/research/resea…

Os dados, códigos, papers e metodologia desses estudos estão disponíveis publicamente para serem criticados pela comunidade científica. Esse é outro bom indicador da seriedade dos estudos.

Isso quer dizer que eles são incapazes de errar? Claro que não! Modelos devem ser vistos com cuidado, à luz do método, pressupostos e também DOS OBJETIVOS. Um modelo com fins de ensino é muito diferente de um modelo para fundamentar intervenções. O objetivo dos autores importa.

É muito triste que tantos nomes importantes estejam passando adiante esse modelo voltado para fins didáticos, divulgado por um grupo de pesquisa sem método próprio, como se realmente dissesse a data de fim da epidemia no Brasil, Índia, etc. Mais responsabilidade, por favor!