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O defeito de Moro é reduzir — propositalmente ou não — a política ao direito.

Mas ele certamente tem competência no campo do direito. Não acredito que ele afirmou nada que não possa provar nas suas declarações públicas.

Porém, as declarações públicas, pelo que vi até agora...
... consistem principalmente em dar ares de ilegalidade à desavenças políticas (a carta branca, possíveis motivos futuros para trocar o delegado, etc.). Por isso, considero que foi um ato político (e não “técnico”, como ele mesmo dá a entender).

Já em relação ao que ele disse..
... nesse depoimento, a história pode ser diferente. O direito brasileiro torna aquele ditado especialmente verdadeiro: procurando bem, sempre dá para encontrar motivos para mandar um homem honesto à forca.

Na política brasileira, então, como disse o Jefferson, as pessoas são...
... bem menos virginais. Quinze meses de depoimento é suficiente para coletar material de sobra.

Pelo perfil metódico, não me surpreenderia que ele tenha passado os últimos meses mantendo um verdadeiro diário, registrando tudo, pensando em preservar a tal “biografia”.
Porém, tem o elemento da prevaricação. Não sei se tem como ele entregar coisas pesadas sem se complicar demais no processo.

Por fim, tudo depende também do congresso e do apoio popular. A base legal é um ingrediente do impeachment, mas não é toda a história.
A verdade é que a situação de Bolsonaro já estava complicada desde antes, sendo pressionado de todos os lados — governadores, congresso, centrão, etc.

Ele estava tentando fazer algo praticamente impossível: resistir ao fato de que o “presidencialismo de coalização”, na...
... prática, é um tipo de semi-parlamentarismo. O congresso tem poder pra caramba e não sofre quase nenhuma sanção por parte dos eleitores. Para complicar, o STF tem adquirido um papel cada vez mais exagerado na política brasileiro, atuando como um poder moderador.
A aposta de Bolsonaro foi que o apoio popular servisse para reequilibrar a situação a seu favor — o que deu certo até certo ponto, mas foi muito desgastante e não avançou o suficiente nas reformas.

Creio que a conta do Guedes está certo: Bolso ainda tem um terço da população...
... que entende que os outros poderes têm uma parcela de culpa pela crise maior do que a mídia dá a entender, mas o outro terço que o apoiava se afastou. Esse terço pode voltar, mas não será fácil.

Até porque Bolsonaro fica com outro dilema: não pode se aproximar demais...
... do congresso sem irritar a base fiel, porém precisa fazê-lo para conseguir aprovar as reformas e continuar governando (o que precisava fazer para convencer parte do outro terço a voltar).

Dito isso, embora a situação seja ruim, acho que é mais estável do que parece.
Afinal, não vejo qual outra configuração daria mais equilíbrio. Mourão talvez tivesse mais trânsito com o establishment, mas perderia os bolsonaristas fiéis sem ganhar muita gente do grande público. Acabaria sendo um governo ainda mais frágil diante do centrão.
Creio que a situação de equilíbrio é ficar onde está. Bolsonaro não tem a personalidade de quem renuncia, nem sua base tem o espírito de quem aceitaria o impeachment tranquilamente. O desgaste contínuo é interessante para a oposição.
A verdade é que tudo isso é consequência de problemas profundos do sistema brasileiro — tanto institucionais quanto culturais.

Culturalmente, parte dos isentistas e da esquerda simplesmente não aceita a presença de um candidato conservador na política. Eles batem em Bolsonaro...
... dizendo que são as qualidades pessoais de Bolsonaro que os afastam, mas a verdade é que considerariam qualquer conservador “fascista, racista, etc.”. A base de Bolsonaro percebe isso e prefere ignorar os defeitos do líder em nome das suas qualidades: firmeza na defesa...
... dos princípios da base.

Eu sempre disse isso: não adianta você dizer que fulano é incompentente, grosso, etc., se fulano for o único que representa meus valores. Não é porque os atacantes do meu time são pernas-de-pau que vou torcer contra.
Além disso, tem também um problema institucional: o congresso e os partidos brasileiros foram praticamente construídos para impedir qualquer tipo de renovação da política. Não adianta muito criar novos partidos, movimentos, etc., porque tudo vai ser diluído no congresso.
Por isso, as esperanças do povo se voltam para os cargos majoritários — presidente, governador, prefeito. Como eles são eleitos diretamente, o povo sente uma proximidade maior com eles.

Porém, essas pessoas não podem fazer praticamente nada sem o legislativo.
Diante desse embate, o STF adquire um papel desproporcional — politização justamente a parte do sistema política que deveria ficar mais longe da política.

Resumo da história: a cultura política é ruim, as instituições são uma porcaria.

Por isso mesmo, é ridículo o formalismo...
... exagerado dos brasileiros que tratam a constituição como se fosse um texto sagrado. É verdade que o princípio de império da lei — a tal “rule of law” citada pelo Moro — é importantíssimo para organizar a sociedade.

Porém, império da lei não está no texto da constituição...
... mas nos princípios por trás da constituição. Afinal, se a constituição fosse o princípio mais elevado do mundo, como explicar que teve uma assembléia constitucional pré-constituição?

(Vai sem revisar que já tarde — descontem aí)
Diante dessa situação, eu entendo porque as pessoas ficam exasperadas. O ponto de estabilidade do sistema é muito desagradável.

Porém, eu acredito que a medida mais realista é manter a tranquilidade, evitar novos impeachments, e esperar que novas eleições esclareçam as coisas.
Obviamente, não tenho a menor ideia do que vai realmente acontecer.

Outra possibilidade seria ter logo uma nova constituinte. Obviamente, o problema aí é que o congresso ia querer assumir o protagonismo da coisa — e é justamente lá que está o principal nó.
(Depois dá uma olhadinha aí, @silviogrimaldo, e diz se eu estou louco.)
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