A maneira como o atual sistema se justifica é igual para pessoas e países. Se acreditamos na meritocracia e acreditamos que os "bons", "os espertos", "os trabalhadores" ficam ricos, então temos de acreditar que os pobres assim o são por "preguiça" ou burrice (1/14)
genética inescapável. Isso é o lado nojento da "meritocracia", os "ineducáveis" e "normais estúpidos", que se traduz em racismo cultural ou biológico, necessários para justificar a grande maioria que vive na pobreza numa sociedade ou das dificuldades históricas do Sul (2/14)
Global. Vemos hoje que não há nada de excepcional nos EUA ou no RU, países riquíssimos às custas do resto do mundo, liderados por broncos que conseguiram convencer com celebridade ou sotaque de colégio privado, que eram mais espertos e que podiam resolver os problemas que (3/14)
os seus predecessores (eles também produtos de educação privilegiada e dos mesmos círculos sociais) criaram. O problema da teoria da meritocracia é que não começamos todos do mesmo. Necessita uma abstração quase total de factores externos e usa as mais raras excepções (4/14)
"ah, mas ele foi pobre e conseguiu e agora é um milionário self-made!" para "provar" que funciona e é justa. Mas como pode haver justiça quando se reconhece que "é possível, mas é preciso esforçar-se o dobro ou o triplo"? Vejo isto nas mil oportunidades que são dadas (5/14)
a Trump e Boris depois de cada erro trágico. As popularidades mantêm-se ou sobem e mesmo que fossem corridos do poder, viveriam vidas confortáveis de luxo. Nunca sofrerão as consequências das suas acções. Cometer um erro e ser punido é para pobres (6/14)
e prova de que não merecem nada de melhor. A "meritocracia" precisa de cegueira histórica. Não se pode olhar para séculos de exploração, colonização, escravatura, pilhagem de recursos pelo mundo para entender a pobreza de muitos países. Para o meritocrata, é uma falha (7/14)
de carácter, "há culturas melhores que as outras". A Arábia Saudita passou a ter uma cultura melhor porque encontraram petróleo? A Venezuela? Na Dakota do Norte eram rednecks, depois passaram a ser empreendedores e a bater punho, e depois voltaram a rednecks quando o preço (8/14)
do barril baixou? Para o racista, a explicação será sempre a mesma, claro. Falarão desinteressadamente de "QI" e que alguns povos "biologicamente" isto e aquilo. Nada disso me interessa. Temos um exemplo claro, só na Europa. Os paraísos fiscais são os disciplinados, (9/14)
os espertos, os que muito trabalham. Já no Sul da Europa, onde mais se trabalha para se receber menos, somos todos uns preguiçosos, só queremos saber de vinho e mulheres (como se isso fosse mau), nós merecemos austeridade. O Boris fala de boca cheia do sucesso que (10/14)
o RU teve na pandemia quando o RU tem mais vítimas em menos tempo que Espanha e Itália, apontados como exemplos trágicos da irresponsabilidade do Sul, a quem queriam recusar solidariedade europeia, não vamos cá criar o precedente de achar que a UE serve para alguma coisa.(11/14)
O genro do Trump, Jared Kushner (nepotismo do bom para os MAGAs) já veio dizer que 1 milhão de infectados e 60 mil mortos era um "Grande Sucesso"! Papalvos olham para estes ricos herdeiros cuja burrice e ego já custou literalmente milhares de vidas e ainda acreditam em (12/14)
meritocracia como? Olham para nós, que, em tantas métricas superámos as nossas expectativas e ainda assim nos ameaçam da europa com austeridade e acreditam em meritocracia? Temos de nos limpar destes conceitos se queremos ver as coisas pelo que elas são. Não há (13/14)
meritocracia sem solidariedade, igualdade ou com "mérito familiar". Temos de reconhecer quantas das nossas narrativas (de elevador social, de self-made men, de pobreza digna, de parasita do estado social) não servem só para esconder a crueldade e injustiça do nosso mundo. (14/14)
