Thread by @teofb

Quando o cara que ficava lá no topo do Titanic avistou o iceberg, o navio já estava afundado. Era pesado demais para desviar. Não havia nada a ser feito, a colisão era inevitável.

Mesmo com os melhores esforços, o destino já guardava um pedacinho de areia no fundo do mar para abrigar o gigante.

Enquanto isso, a tripulação e os passageiros trabalhavam, se deliciavam com banquetes, dançavam, planejavam o futuro, reclamavam da vida ou simplesmente dormiam.

Era um bizarro período de transição: todos pensavam viver e construir seus destinos dentro do Titanic, quando na verdade já estavam a bordo um navio condenado.

Em sua obra-prima "Fundação", o genial Isaac Asimov fala sobre a queda do grande Império Galáctico, prevista por um cientista desacreditado. Ele acredita que o processo é inevitável e durará mil anos, mesmo sem saber o momento exato que será visto como "a queda definitiva"

Asimov apresenta ali um pensamento simples, mas elegante. Os historiadores do futuro têm um privilégio único. Podem olhar para trás, com o passado em mãos, e traçar uma linha arbitrária que diz: a partir daqui, a vaca já tinha atolado no brejo.

Além de marcar a data oficial do fim de um Império, podem definir o momento em que se iniciou o prolongado período de crises que culminaram na inevitável deposição do imperador. Há um "fim antes do fim". Assim como no Titanic, há um ponto sem volta.

Durante um período, o Império já tinha caído, mesmo que o ponto final ainda demorasse um tanto para chegar, mesmo que seus habitantes não soubessem ainda e seguissem trabalhando, se deliciando, dançando, planejando o futuro, reclamando da vida ou simplesmente dormindo.

Imaginar que só havia um caminho possível para construir uma história é um reducionismo atroz. Mesmo assim, devemos admitir que há momentos em que o barco não tem mais como virar. É pesado demais para isso.

É muito difícil para quem vive dentro dessa janela de tempo perceber o rumo das coisas numa escala maior. Até que o Titanic realmente afunde definitivamente, ninguém a bordo consegue prever com exatidão o que vai acontecer, muito menos como e quando.

É inútil, no entanto, acreditar que qualquer caminho é possível, que todas as alternativas estão sempre abertas, que dá pra desviar do iceberg no último segundo, com uma guinada que desafiaria as leis da física.

Quem vive esse processo faz parte, mesmo sem saber, de uma geração de transição que segue acreditando construir o Império, mas, na verdade, já trabalha nas bases do que virá depois dele.

Mesmo assim, podem tentar se afastar e olhar para o todo, entender o rumo do barco.

A crise brasileira é muito mais profunda, complexa e longa do que se costuma dizer. Não está apenas na alta do dólar ou no medo da inflação. É uma crise estrutural, que abarca em si diversas dimensões: social, econômica, política, ambiental, humanitária...

"Mar calmo nunca fez bom marinheiro", diz o ditado clichê.

É verdade, mas simplesmente se jogar de peito aberto, sem plano, para dentro de um furacão é a mais pura burrice. Arrastar os outros junto é maldade.

O barco brasileiro já é frágil para navegar em mares agitados há muito tempo. Falta uma tempestade perfeita para desmantelar. Agora, temos um capitão que simplesmente não acredita na existência de icebergs e tempestades. Acha que tudo é conspiração e não confia nem na tripulação.

Os historiadores brasileiros podem ter que fazer em um futuro não tão distante, a mesma pergunta que Asimov propôs em Fundação: "quando acabou o Brasil?"