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As novelas brasileiras são famosas no mundo todo. Outro dia fui tomar um chope com amigas russas que eram loucas por Escrava Isaura e O Clone.

Com episódios diários ao longo de oito ou nove meses, as novelas têm uma característica quase universal: nada acontece.
Você pode ir ao banheiro no meio do capítulo, perder um ou outro episódio ou até ir tirar férias com a CVC. Quando volta, a trama se moveu pouquíssimo. Nada que aquele resuminho no jornal em menos de 140 caracteres não resolva, mesmo nas semanas mais críticas.
O ano de 2003 trouxe uma virada significativa na sociedade brasileira.

De repente, uma novela trouxe uma proposta completamente diferente: Kubanacan se passava em uma ilha tropical e contava a história do Pescador Parrudo, que era o Marcos Pasquim sem camisa.
É possível que você nunca tenha ouvido falar em Kubanacan e não conheça nada do "misterioso pais del amor"

Basicamente, era um lugar muito louco no caribe, comandado por um ditador ambicioso e cheio de fenômenos sobrenaturais. Uma mistura de Uga Uga e Lost com um tempero latino.
Ao contrário das novelas tradicionais, tudo acontecia ao mesmo tempo em Kubanacan! Você olhava para o lado e um gêmeo malvado tinha aparecido na história. Piscava o olho e o gêmeo já tinha sido assassinado. Uma bomba ia explodir a qualquer momento, mas desaparecia sem explicação.
A novela era tão doida que só Marcos Pasquim interpretou 3 personagens diferentes - um deles ainda tinha uma segunda personalidade chamada Dark Esteban.

O roteiro não fazia o menor sentido. Aliás, em alguns momentos pairava a dúvida se havia roteiro ou se era tudo improviso.
Mas, debaixo de toda essa loucura, havia um segredo enterrado em Kubanacan: na verdade, nada acontecia.

As coisas se mexiam, explodiam, mas a história não saía do lugar.

Se você fosse no banheiro, perdia muito... Se ficasse um mês sem assistir, na verdade não perdia nada.
Ao contrário das novelas tradicionais, com looongos arcos e evoluções lentas que eventualmente levam a algum lugar (geralmente casamento ou queda de penhasco), Kubanacan se baseava em histórias curtas e inesperadas, mas que não acrescentavam nada para a trama geral.
A política nacional, que sempre foi uma novela do Manoel Carlos passada no Leblon, daquelas bem lentas e articuladas, se tornou um Kubanacan do caralho.
Todo dia o noticiário mostra um novo escândalo. Todo dia uma surpresa. Do 7x1 pra cá, a cada semana paira a dúvida se há roteiro ou é tudo improviso.

A gente já nem lembra das notícias da semana passada...

No meio desse roteiro doido, aparece até uma pandemia.
Agora o presidente vai na TV pra dizer que o filho passou o rodo no Vivendas, que a sogra é traficante, que ele chamou uma mulher de gorda, que desligou o aquecedor que já era solar, que não deixou trocarem o taxímetro...

Foi tanta coisa que até me perdi. Um suco de Kubanacan.
São tantas histórias, tantos personagens e tão pouca lógica que a cabeça gira. Mas, na verdade, se a gente se afastar um pouco, percebe que não dá pra ficar surpreso com nada que está acontecendo. Nada. É só uma longa história se desdobrando.
Se você perde um capítulo, acaba perdendo muita coisa - e o capítulo de hoje foi brabo.

Se fica sem assistir por mais tempo, no entanto, parece que nada mudou. Uma nota de repúdio aqui, uma briga acolá... Mas o barco segue - e segue sem rumo - num ciclo aparentemente perpétuo.
Resta saber o que vai sobrar do Brasil para contar a história.

Enquanto isso, a gente segue tomando no Kubanacan.
PS: esse texto foi escrito há quase três anos. Só precisei adaptar meia dúzia de frases. O fato de ele conversar tanto com o momento atual só mostra que vivemos mesmo na ilha do Pescador Parrudo.
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