Chegando aqui, onde morar?
Minha mãe tinha sido recém aprovada como professora da UFPA e deu entrada num pequeno apartamento.
Era um apartamento novinho, mas meu pai teimou fazer reformas que demoraram, demoraram...
E fomos passar essa chuva na casa da minha avó paterna, Daisy, uma casa grande e quieta.
Minha mãe chamava, LÍDIA, LÍDIA, e dez minutos depois aparecia Lídia perguntando: Dona Lila, a senhora me chamou?, com a cabeça escorada no punho da vassoura.
Lídia vivia contando histórias de visagens para minha mãe.
Pois bem, no dia seguinte, 11 de maio, a bolsa que me guardava estourou.
Dessa vez, não sei por qual desatino, mamãe gritou LÍDIA, LÍDIA, e Lídia veio rápido.
Clínica Dalmazia Pozzi, Rua João Balbi, 753. Belém.
Foi lá que nasci e chorei pela primeira de muitas vezes (sem nem saber que existiam outros choros tão sentidos).
Cansada, minha mãe resolveu ela mesma fazer algo, recém-operada.
Deu mal.
Uma dor enorme. Um grito. Sangue. Desmaio. Eu, no berço, fazendo bue bue, e Lídia, mais uma vez, vindo correndo de forma inesperada.
Lídia dizia que o velho Camilo Salgado estava por lá, ela sentia, sempre seguida das constatações:
- E a senhora nem pode correr, né Dona Lila?
Mas Edith também tinha seus estranhamentos...
Edith, sem qualquer explicação, ficou nervosa e chorou o caminho todo dentro do táxi. Minha mãe perguntou a razão do choro. Ela só disse que estava preocupada com algo.
Quem disse que eu, bebê, entendia?
Fui me aproximando, me aproximando, as pessoas gritando, minha mãe chorando, os guardas das Docas correndo para dar a volta para me pegar...
Minha mãe já me viu morto, afogadinho, dentro do caixão branco...
Mas, no último segundo, um raio passou pela perna de todos, num quase cair no chão.
Ninguém soube explicar.
Eu chorei, bue, bue, queria me soltar, bue, bue, e Edith no chão, sem conseguir me puxar, mas garantindo minha vida com suas garras.
Minha mãe ainda chorava, mas, agora, eram lágrimas de vida.
E só então perceberam Edith, toda rasgada, toda arranhada, sangrando do salvamento em se jogar em plena pedra.
Tudo isso faz 42 anos.
Meus avós todos morreram e faz 24 que não piso na casa onde “nasci”, no quarto onde 1º vivi. A casa ainda está de pé, alugada, mas passou a ser absolutamente estranha para mim.
O apartamento do Conj. Batista Campos foi vendido para um vizinho, que ampliou sua morada.
E da Edith, que me salvou com seu pulo certeiro de proteger a cria, ninguém sabe nada. Espero sempre que esteja viva e esteja bem. E que seja feliz.
Fim