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1/25 (Fio sobre dívida). Por que a dívida/PIB é um indicador relevante e por que ela vai aumentar em 2020? O que fazer para voltar à normalidade a partir de 2021? O que a Selic tem a ver com isso?
2/25. A dívida/PIB mostra a razão entre o passivo do governo e o produto interno. É o quanto o financiamento do Estado representa da renda produzida pelo país. Se essa razão cresce, os compradores de títulos públicos "precificam" o risco e cobram mais juros para entrar na dança.
3/25. Quando o Estado arrecada menos (tributos, multas e taxas) do que gasta e investe, toma emprestado de quem tem poupança, de quem está em busca de remuneração: bancos, indivíduos, fundos públicos e privados, investidores estrangeiros e nacionais etc.
4/25. Tomar emprestado significa emitir um título público e pagar juros por certo prazo. Os juros podem ser acordados antes ou podem variar conforme a Selic, a inflação ou o dólar. A relação de compra e venda se dá como um mercado qualquer, pelas leis da oferta e da demanda.
5/25. O montante de títulos a ser emitido pelo governo em um ano é = déficit (despesa menos receita) + pagamentos de juros sobre a dívida passada + volume de títulos emitidos no passado que estão vencendo no presente.
6/25. O governo, então, calcula suas necessidades de financiamento, pela fórmula acima, e programa as emissões, ao longo do ano, de acordo com a evolução do déficit, dos pagamentos de juros e dos vencimentos (pode haver mais títulos vencendo em um determinado mês, por exemplo).
7/25. O Tesouro faz leilões de títulos, oferecendo juros, prazos e montantes para cada tipo de papel público (LFT, LTN, NTN-B etc) de acordo com sua percepção a respeito da demanda do "mercado" (inclui todos os agentes mencionados acima) e buscando mínimo custo.
8/25. Assim, sempre que há déficit público primário (receitas menores do que as despesas, antes de considerar os juros a pagar), emitem-se títulos novos, arrecadando recursos do mercado e incorrendo em novas despesas (juros), a serem pagas ao longo do tempo.
9/25. Mas, por que o mercado acredita que o governo vai pagar o que deve? Qual a taxa de juros que um comprador de títulos vai requerer? Essas duas questões são muito importantes. Quanto maior o receio sobre a capacidade de o governo pagar a dívida, + juros o mercado vai desejar.
10/25. E esse receio depende fortemente da capacidade de crescimento do país. Quanto mais um país produz, gera renda, investe e consome, maior a receita arrecadada pelo governo por meio de tributos e maior sua capacidade para saldar seus compromissos com os detentores de títulos.
11/25. Numa crise c/ a atual, que começou na saúde e se espalhou para a produção, o consumo e a renda, a arrecadação tributária cai. O déficit primário aumentaria mesmo sem despesas novas. Mas, para combater a crise, as despesas têm de aumentar. Logo, o déficit fica ainda pior.
12/25. Sabendo disso, a estratégia ótima é ser eficiente e dar um norte. Eficiência para financiar bem e suficientemente as ações contra crise. Dar um norte significa mostrar que a expansão será temporária e a piora do déficit poderá ser equacionada com mais PIB no futuro.
13/25. Se há sucesso nisso, o governo consegue continuar a emitir títulos públicos para financiar as novas despesas e pagar a dívida que está vencendo, além de cuidar dos juros. A taxa de juros acordada é dada pela incerteza, pelo receio que mencionei, ao que damos nome de risco.
14/25. Se o mercado vislumbra dificuldades do governo para fazer gastos concentrados e que não transbordem para o futuro e se não enxerga um horizonte de recuperação econômica, ele calcula que o déficit será muito grande por muito tempo. Prefere comprar títulos com prazo curto.
15/25. Esse encurtamento da dívida não é o fim do mundo, mas complica sua gestão, porque uma parcela maior da dívida total precisa ser refinanciada com maior frequência.
16/25. Do ponto de vista do comprador do título, por que comprar um papel que vence em 2025 com juros pré-fixados de 7,5% ao ano, se não se sabe sequer o que vai acontecer amanhã? E se a recessão se aprofundar? E se a Selic subir a partir do ano que vem? (Riscos).
17/25. Nesse contexto, a preferência é pela liquidez e pelo máximo retorno. Os títulos pós-fixados (Letras Financeiras do Tesouro) pagam Selic + uma pequena taxa fixa. Como são pós-fixados, é possível livrar se livra do papel a qualquer tempo s/ perder dinheiro. É quase moeda!
18/25. Para ter claro, se eu comprar um título pré-fixado a 7,5% ao ano com vencimento em 2025 e a Selic subir, lembrando que os juros do meu papel estão dados, o valor do título diminuirá. Isso porque haverá títulos pagando juros maiores no mercado.
19/25. Isso leva ao que se chama de aumento dos juros longos. Isto é, para convencer o mercado a comprar títulos com vencimentos mais longos (quanto maior o tempo, maior a incerteza), os juros oferecidos acabam tendo que ser muito altos.
20/25. Assim, a melhor estratégia acaba sendo emitir LFTs, pagando a Selic mais uma pequena taxa fixa, e assumindo o encurtamento dos prazos. Se houver uma parte do déficit que o Tesouro não consiga financiar, o Banco Central recolhe com títulos (operações compromissadas).
21/25. Há, nesta crise, mais um complicador. A Selic nunca foi tão baixa, no país, porque a inflação está igualmente baixa, o que se explica por períodos de recessão (2015/16), baixo crescimento (2017-2019) e recessão (2020). Neste cenário, o BC vem reduzindo a meta-Selic.
22/25. A Selic passou de 14,25% (out/16) para os atuais 3% ao ano. Esta é uma meta p/ os juros praticados nas operações de compra/venda de títulos (Selic). É o instrumento do BC para controlar a inflação. Se ela está abaixo da meta fixada pelo Conselho Monetário, o juro cai.
23/25. Diminuir a meta-Selic é a forma pela qual o BC reduz o custo do crédito, estimulando o consumo e o investimento. É ainda a forma pela qual permite maior dinheiro em circulação. Em crise, não adianta muito, porque se represa essa liquidez.
24/25. O fato é que essa Selic historicamente baixa dificulta a vida do Tesouro para colocar LFTs (indexadas à Selic) no mercado. Por isso, o juro não pode ir a zero da noite para o dia. A não ser que o próprio Bacen compre títulos do Tesouro e banque a expansão de moeda.
25/25. Em resumo, não é um momento trivial e a gestão da dívida é complexa neste contexto. O que importa? Expectativas sobre a capacidade de recuperar a economia, gerar receitas e voltar a controlar os gastos, agindo de maneira eficiente para debelar o vírus, sem afetar o futuro.
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