Thread by @ThomasVConti

São Paulo planeja reabrir a partir da semana que vem e divulgou o plano de ação. Acho importante um diagnóstico realista da situação, pesar custos, benefícios e riscos à luz da experiência internacional. Segue o fio com minhas (talvez muitas) considerações 👇

Nos últimos 2 meses, apesar de uma série de esforços para tentar aumentar a força do isolamento, os 6 indicadores do Google praticamente não mudaram. É possível que o governo *não saiba* como reduzir mais a mobilidade. Guarde essa info, será importante. google.com/covid19/mobili…

Mais importante que a mobilidade é a estimativa do número reprodutivo efetivo da epidemia (Rt). A epidemia só está sob controle se o Rt estimado for menor que 1. São Paulo nunca conseguiu chegar nesse ponto, embora tenha chegado perto. perone.github.io/covid19analysi…

A consequência do Rt estar maior que 1 é que o número de casos novos por dia continua crescendo em relação ao mesmo dia da semana anterior. Isso significa que há sempre um número grande de infecções ativas circulando na população. perone.github.io/covid19analysi…

O Brasil soma hoje 440 mil infectados e aproximadamente 220 mil infecções ativas (worldometers.info/coronavirus). São Paulo tem ~100 mil infectados. Aproximando pela mesma proporção, teríamos pelo menos ~50 mil infecções ativas. Mais que isso em não-notificadas. covid.saude.gov.br

No protocolo de reabertura de SP é colocado como condição necessária indicadores estáveis de número de casos, o que não é claro se alguma região está atingindo dada a falta de testes. Capacidade de UTI é mais fácil de medir.
saopaulo.sp.gov.br/wp-content/upl…

Problema é que na atual trajetória há muitas infecções ativas não detectadas circulando. Houve aumento da capacidade de saúde, mas infecções ativas cresceram mais. A chance de ser infectado é maior hoje do que em março quando começamos a quarentena, tudo pq não conseguimos Rt<1.

Só existem duas barreiras entre esse número imenso de infecções ativas e um contágio acelerado por covid: distanciamento social e regras sanitárias mais rigorosas.

O distanciamento social será relaxado gradualmente, mas as regras são melhores hoje que em março. Será suficiente?

Nos moldes atuais, provavelmente não. Porque o que estamos observando hoje já é o efeito combinado de isolamento + regras.

Para que a reabertura não seja uma catástrofe, precisamos de regras sanitárias e de distanciamento voluntário criativas para compensar. Exemplos!

Prioridade é evitar oportunidades de eventos "super-espalhadores", quando 1 pessoa infecta dezenas. Pesquisas em um coral cdc.gov/mmwr/volumes/6… e aulas de dança wwwnc.cdc.gov/eid/article/26… sugerem que falar alto, cantar e respiração pesada em espaços fechados aumentam risco.

Como as grandes cidades do Brasil, São Paulo tem problemas com transporte público lotado. Ideia: Recomendação ampla de silêncio no transporte público. Caso do Japão mostra que é possível não ter clusters no transporte público. Silêncio é regra cultural.
sciencemag.org/news/2020/05/j…

Plano de Reabertura em fases coloca escritórios como 1ºs a reabrir. Espaço fechado, ar condicionado, pessoas falando dia todo, + deslocamento. Ideia: recomendação pública de manter teletrabalho até o fim do ano. Quem reabrir: janelas abertas, máscaras
saopaulo.sp.gov.br/wp-content/upl…

Bares e restaurantes estão na Fase 3. Ideia de sucesso vista na Áustria e Alemanha: Diferenciar bares e restaurantes que conseguem servir mesas em lugares abertos, onde o risco é muito menor. Recomendar servir fora, facilitar que coloquem mesas na calçada.
theguardian.com/world/2020/may…

Boa parte da população está praticando o isolamento há mais de 2 meses. É preciso atualizá-las quanto a riscos menores e aliviar a barra delas sobre coisas que já descobrimos não serem tão perigosas. Trazer boas notícias é importante para o psicológico, pode aumentar adesão.

Por ex, não tendo sintomas de covid, caminhadas e corridas sozinho ao ar livre mantendo metros de distância são muito seguras. Fazem bem para a saúde e não colocam outros em risco. Muita gente está neurótica com parques e corridas sem necessidade. cdc.gov/coronavirus/20…

Cada vez mais parece que o contágio ocorre mesmo na interação com outras pessoas e pouco por contato com superfícies. Enfatizar para lavar mãos e que não se deve levar mãos ao rosto, olhos e boca pode aliviar a pressão para desinfectar toda superfície. nytimes.com/2020/05/28/wel…

A estratégia mais eficiente é o teste-rastreio-isolamento. Brasil descartou isso por ter poucos testes. Mas o Japão mostrou que mesmo com poucos testes, ter *algum* nível de teste e rastreio já pode ser muito eficaz. Já passou da hora de adotarmos aqui. sciencemag.org/news/2020/05/j…

Há evidências de que talvez crianças e adolescentes não transmitam muito o covid. Mas há também ideias criativas de como limitar contágio em escolas e sobrecarga de transporte. Áustria adotou turmas divididas em dias alternados para ter salas mais vazias.
swissinfo.ch/eng/reuters/au…

Apesar de eu ter mencionado que a chance de ser infectado agora é muito maior, só falei de estratégias para uma reabertura mais segura e mais eficiente e não falei de lockdown. Por que? Porque (1) o isolamento está perdendo apoio e (2) não sabemos se haverá adesão ao lockdown.

Vejam o caso do Pará. Foi decretado Lockdown em Belém e várias outras cidades no começo de maio e encerrado nesta semana. Conseguem ver o impacto do lockdown nos gráficos de mobilidade abaixo? Pois é, praticamente não teve.

Embora o lockdown seja uma medida legal/coercitiva, é impossível garantir que ele será cumprido na base da polícia e multa. O efetivo policial não tem escala para isso. A população precisa fazer por si mesma 90%+ do esforço para a fiscalização garantir os poucos % que faltarem.

Lá no fim de março e começo de abril certamente seria muito mais fácil implementar o lockdown. A população estava mais descansada, havia maior apoio popular e mais reservas econômicas. Situação agora é de mais desgaste, menos apoio e situação econômica pior.

Ou seja, mesmo se o lockdown for necessário, há um risco significativo dele simplesmente não funcionar. Precisamos pensar um passo a frente. Se não funcionar, o que fazemos? Por isso destaquei as ideias acima. Não dá para supor que Lockdown será suficiente. Não hoje.

Nossa situação é MUITO crítica. Isso é o que mais queria ver autoridades dizendo. Povo tem direito de saber. Essa reabertura é por falta de opção, não por segurança. Avisem para cidadão se comportar de acordo. Copiem experiências de sucesso. Distribuam máscaras! E população, use!