Entre a Beatriz Lebre e o George Floyd está difícil ter fé no mundo. Houve uma altura em que me queixava que os racistas e misóginos se tinham tornado bons a esconder-se atrás de ironia, que o preconceito escondido era mais difícil de combater. Mas vejo agora, outra vez, (1/13)
a ferida aberta da supremacia branca e do machismo que herdámos, que hiberna debaixo de águas rasas, pronto para nos devorar e nos roubar amigos, vizinhos, familiares. Ninguém deve morrer porque não cede à ganância dos que se acham no direito de corpos alheios. (2/13)
Vemos a fúria que toma homens (quase sempre homens), quando lhes é negado o poder que acham natural sobre os outros. Pode se chamar fúria sequer quando os actos parecem vingativos e premeditados? Quando têm oportunidades repetidas de parar e não o fazem? Ou de impedir os (3/13)
seus amigos de o fazer e não o fazem? Mas lembro-me do caso da Amy Cooper, a bem intencionada liberal (no sentido americano), que votou na Hillary e que, confrontada com pedir que seguisse as regras e atrelasse o seu cão, estava imediatamente pronta para usar a polícia (4/13)
como arma. Usar o racismo da polícia e o seu estatuto de mulher branca como arma. Ela podia ter causado a morte de um homem porque ele se atreveu a lembrá-la a seguir as regras. Um parque onde Christian Cooper, o homem negro que ela ameaçou, ia observar aves e sabia que (5/13)
cães soltos muitas vezes atacavam essas mesmas aves. E o que me custa nisto é ver pessoas a justificar os actos de Amy, do polícia Chauvin, do assassino de Beatriz. E é quase sempre o mesmo. “Se ele não tivesse resistido...” o maior crime para o racista, para o machista (6/13)
é mesmo um “inferior” achar que tem os mesmos direitos que o branco, que o homem. Que tem direito a falar-lhe de igual. A rejeitar pedidos e exigências. Ser tratado como igual é um insulto mortal para quem se acha superior. Um polícia, numa sociedade de bem, não é (7/13)
teu superior. Não é alguém que deves temer. É alguém que tem responsabilidades acrescidas. Que, por ter poder, deve estar sujeito à mais elevada exigência moral. É um servo do público. E um mau polícia é uma nódoa sobre toda a sociedade. Mas o que vemos não é um “mau” (8/13)
polícia. É o outro polícia que ficou a ver. É o departamento que não o despediu logo. São os procuradores gerais que não o acusaram logo ou da primeira vez que matou um “suspeito” desarmado. São os jornais que vêm tentar justificar um homicídio evitável com crimes menores (9/13)
cometidos há anos ou uso de substâncias. “Vêem? Não era anjo nenhum.”. E agora que, justamente, uma população se revolta porque nunca se cumpriu a promessa de justiça e igualdade, são eles também chamados de criminosos. É sempre igual. (10/13)
O problema é sempre quem diz “tu não viste o video todo.”. “Tu não sabes o difícil que é ser polícia.”. “Deviam protestar pacificamente.” porque me dizem de que lado estão. E essa é a grande pergunta no fim. De que lado estás? (11/13)
E a quantidade de pessoas que vejo que estão do lado da justiça, da igualdade, do direito a mulheres e minorias de existirem numa sociedade sem medo. De andarem na rua sem medo... somos muitos. Somos mais, quero acreditar. É isso que me dá fé. Mas fé sem luta cai (12/13)
em saco roto. Se têm fé num mundo melhor, um mundo em que a Beatriz e o George ainda estariam cá, chegou a hora de se fazerem vistos, ouvidos. De meterem o vosso corpo no caminho. Tenham fé. Lutem. Estejam seguros. Digam que amam quem amam. (13/13)
