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1/20. Segue um fio sobre tópicos importantes do relacionamento entre Tesouro e Banco Central (ou, no fim das contas, como funcionam as tais operações compromissadas?)
2/20. Desde 2 anos após a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal (aprovada em 2000), o Bacen ficou proibido de emitir títulos próprios. Mas, como fazer política monetária sem títulos públicos?
3/20. O cerne da política monetária é prover ou retirar liquidez da economia. Sob o regime de metas à inflação, essa atividade de mexer na quantidade de moeda visa cumprir uma determinada meta-Selic. Para retirar dinheiro das mãos dos bancos, tem de dar título e pagar juros.
4/20. Note que a Selic não é o juro praticado, mas uma meta. Para que os juros praticados fiquem ao redor dela, é essencial a atuação do Bacen. Fazer cumprir a meta-Selic é a forma pela qual se busca atingir determinada meta de inflação, encarecendo ou barateando o custo do $.
5/20. Se o banco A precisa de liquidez e o banco B lhe oferta o recurso a juros de 4% (com lastro em títulos públicos), mas a meta-Selic está fixada em 3%, o Bacen oferta o recurso ao juro mais baixo, de 3%, evitando que a operação saia a uma taxa superior à Selic.
6/20. Se o banco A, por outro lado, precisa do mesmo recurso, mas o banco B oferece a juros de 1%, o Bacen entra ofertando operações compromissadas a 3% para o banco B e evita que se sancionem juros aquém da meta-Selic.
7/20. Essa atuação do Bacen garante que a taxa média de juros praticada no interbancário fique muito próxima da própria meta-Selic. Assim, os juros básicos ficam onde o Copom entende que devam ficar p/ manter certo nível de liquidez e custo do crédito, dada a meta de inflação.
8/20. Antes da LRF, o Bacen fazia essas operações de provisão ou retirada de liquidez usando títulos próprios, as LBCs. Desde 2002, ele faz por meio das operações compromissadas. Mas essas compromissadas precisam de títulos públicos p/ serem realizadas. Quem os provê? O Tesouro.
9/20. O Tesouro pode fazer emissões diretas ao Banco Central. Mas até 2019, antes da lei 13.820, a carteira de títulos do Bacen engordou bastante por uma questão ligada às reservas internacionais. Explico.
10/20. Quando a taxa de câmbio subia e as reservas ficavam mais valiosas em reais, esse lucro, até 2018, era repassado para a Conta Única do Tesouro no Bacen. Quando o câmbio descia e as reservas perdiam valor em reais, até 2018, o Tesouro aportava títulos no Bacen.
11/20. Assim, dado que os movimentos no mercado de câmbio são voláteis, havia uma sistemática, ao longo do tempo, de aportes de títulos no Bacen e aumento da Conta Única. Depois da lei 13.820, isso mudou. Explico (sem juízo de valor).
12/20. A lei permite a cobertura de eventual prejuízo do Bacen com emissão de títulos, pelo Tesouro, apenas quando lucros apurados no passado não sejam suficientes para cobri-lo. A relação ficou mais transparente, de fato, e menos automática.
13/20. Como a carteira do Bacen atingiu nível muito alto, além da posição em compromissadas - isto é, da parcela desses títulos públicos lastreando operações com o mercado, na forma exemplificada acima -, não há risco de qualquer limitação ao poder de fogo da política monetária.
14/20. Além da gestão de liquidez explicada acima, há outros fatores que elevam a base monetária. Um deles, muito relevante, é a expansão de gastos ou redução de tributos (política expansionista).
15/20. Uma política fiscal expansionista financiada com emissão de títulos do Tesouro não afetará a liquidez. Mas se o aumento de gasto não for coberto, a liquidez aumentará e o BC terá de enxugá-la p/ evitar que os juros praticados no mercado caiam muito (ver exemplo anterior).
16/20. Quando isso ocorre? Ocorre quando o Tesouro resolve sacar recursos da Conta Única para gastar. Por exemplo, sacando recursos de emissões de dívida realizadas no passado além das necessidades de financiamento (déficit). Esse dinheiro chama-se colchão de liquidez.
17/20. Há outras fontes que podem ser usadas, na Conta Única, mas uma boa parte refere-se a recursos vínculos, frutos de uma arrecadação que só poderia ter sido gasta em finalidade específica e não foi. Fundos são o exemplo típico.
18/20. O lucro cambial do Banco Central, depois da lei 13.820, ainda pode ser transferido para a Conta Única, mas em condições específicas de grave crise de liquidez, com a benção do Conselho Monetário Nacional. Neste ano, há cerca de R$ 600 bi a transferir.
19/20. Na prática, o Tesouro utilizaria os recursos p/ pagar dívida vincenda (pois são vinculados esse fim) e liberaria fontes originalmente fixadas a pagamento da dívida vincenda para pagar despesas da covid, por exemplo. Há limite, como se vê, mas é um instrumento importante.
20/20. Como já deu para concluir, esse uso da Conta Única, incluindo o uso eventual do lucro cambial do Bacen, aumenta a liquidez e requerer enxugamento via operações compromissadas. A hipótese de não enxugar existe, mas implica o mercado operar com juros aquém da meta-Selic.
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