Thread by @marcosvlqueiroz

Clóvis Moura, estátuas e a memória oficial

10 de Junho é a data de nascimento do, ao meu ver, maior intelectual brasileiro do século XX: o piauiense Clóvis Moura. Conhecido por alguns como o intelectual quilombola, foi responsável por abrir as portas para o maior (...) 👇🏾

giro vivido pela historiografia brasileira até então. Em 1959, depois da recusa da editora do Partido Comunista, publicou, por conta própria, o livro Rebeliões da Senzala, que apontava a importância dos quilombos e insurgências escravas para a derrocada do sistema escravista. 👇🏾

Neste livro, rejeitava teses até então comuns sobre a passividade do negro brasileiro, bem como negava a ideia de que o protesto e a rebelião negra eram desprovidos de consciência política e de classe. Ademais, contrariando opinião hegemônica no meio marxista, 👇🏾

assinalava o escravismo como elemento sistêmico e dinâmico central na formação brasileira, evidenciando a escravidão e o trabalho escravo como fenômenos eminentemente modernos. Nessa toada, argumentava que a Abolição brasileira só podia ser entendia diante da práxis negra. 👇🏾

Dono de uma vastíssima obra, Clóvis não só rompeu com as teses culturalistas, como tensionou, por dentro, o eurocentrismo do marxismo branco no Brasil, que relegava ao negro um papel objetificado e secundarizava o racismo como elemento estruturante do capitalismo brasileiro. 👇🏾

Clóvis também pode ser considerado um dos pioneiros dos estudos culturais no Brasil, na medida em que possui diversos textos sobre como a literatura e a historiografia nacional contribuíram para a estereotipação, infantilização e bestialização da população negra nacional. 👇🏾

A importância de Clóvis é tamanha que ele pode ser colocado em uma constelação de intelectuais negros marxistas da diáspora que revolucionaram a história da escravidão e as interseções entre raça e classe, como C.L.R. James, Eric Williams, Walter Rodney e Angela Davis. 👇🏾

Se você não conhece Clóvis Moura, se você acha que marxismo é coisa de branco, se você acredita que para ler marxistas negros é necessário esperar a tradução de autores estrangeiros, se você quer conhecer melhor o Brasil, leia Clóvis Moura. Ele é referência obrigatória.

Neste link, vocês podem encontrar boa parte da produção de Clóvis e textos sobre ele: marxismo21.org/clovis-moura-m…

Por fim, um dos argumentos centrais na obra de Clóvis, o qual ele condensa no livro As Injustiças de Clio, é de que a história oficial do Brasil é um aparelho ideológico de dominação da elite branca, que tem como dispositivo principal o falseamento da história do negro. 👇🏾

Como ele aponta, esse falseamento não se dá apenas por meio de livros e narrativas, mas também pela escolha de ídolos, ícones e eventos históricos que privilegiam uma forma ainda escravista de enxergar o passado, o presente e o futuro do Brasil. Em síntese, história é poder. 👇🏾

No texto "Atritos entre história, o conhecimento e o poder", Clóvis é explícito: a história oficial continua selecionando heróis da pátria a partir de uma perspectiva elitista e conservadora e não entre aqueles que, em diversos momentos, buscaram transformar o Brasil. 👇🏾

Neste sentido, a obra de Clóvis aponta que se há alguma possibilidade de refundação do Brasil a partir de um pacto nacional que de fato inclua o povo brasileiro, isso necessariamente passa pela demolição da história oficial, que é branca, colonial e elitista. 👇🏾

Na sua opinião, esse ato de fazer história passa, necessariamente, por uma agência foram dos esquadros institucionais e pela construção de uma ética de desamor pelo Brasil oficial e de amor pelo Brasil real. Uma ética, portanto, de desapego à memória institucional. 👇🏾

Neste sentido, dentro de toda essa polêmica das estátuas, acredito que a desconstrução do lugar inconteste da nossa memória oficial, presente em livros e monumentos, é justamente aquele ato de coragem, referido por Clóvis, que o fazer da história deve ter em países como o Brasil.