Thread by @lucasmafaldo

Minha impressão atual -- ênfase no "impressão" (isto é, algo em elaboração) -- é que o eixo do poder brasileiro se deslocou definitivamente para o STF ao mesmo tempo que o STF se deslocou para o progressismo.

Essa tendência já vinha ocorrendo há alguns anos, mas ela...

... sofria dois limites: (i) o STF era mais patrimonialista e fisiológico, o que causava atritos com os movimentos de esquerda e com as forças mais "legalistas" (Ministério Público, lavajatistas); (ii) a própria esquerda brasileira era mais socialista do que progressista.

Nos últimos anos, o progressismo (uma espécie de "esquerdismo 2.0", baseado em pautas minoritárias, intervenção indireta na economia e internacionalismo) desembarcou com força no Brasil, ganhando quase unanimidade na porção chique das classes falantes.

Inclusive...

... o progressismo cooptou parte do movimento liberal brasileiro (em parte, por causa de uma ambiguidade no próprio liberalismo; em parte, por fatores contextuais).

No entanto, o progressismo é ruim de voto no Brasil. Os eleitores brasileiros de esquerda ainda preferem o ...

... o velho socialismo, trabalhismo e/ou possuem uma ligação pessoal com antigos líderes e estruturas de poder (sindicatos, Lula, etc.).

Ou seja, o progressismo se tornou majoritário na elite, mas minoritário nas massas. Por isso, não consegue vencer eleições, apesar...

... de ter bastante poder no restante da sociedade.

Alguns ministros (Barroso, Alexandre) passaram a sinalizar maior proximidade com o progressismo, ganhando boa vontade da grande imprensa e ajudando a dar uma nova cara ao STF (diminuindo o peso de figuras como Gilmar Mendes).

A emergência da Nova Direita, de certo modo, acelerou o processo.

O último entrave ao poder do STF era a suspeita de aliança com os fisiologistas da política tradicional. O próprio Moro, em seu artigo de 2005 que anteviu a estratégia lavajatista, comenta que o grande empecilho..

... para uma limpeza da política nacional estava no STF.

A Nova Direita (um agrupamento de grupos ideológicos distintos e contraditórios unificados apenas pelo anti-petismo) energizou o projeto lavajatista que implodiu o poder da Velha Política.

A Nova Direita, no entanto, sofre de dois problemas graves: falta de consistência interna e amadorismo. Além disso, o sistema eleitoral impediu que ela ganhasse força no parlamento.

O resultado: a Nova Direita elegeu um presidente, mas o deixou sem base de apoio no legislativo.

O presidente tentou governar na base do apoio popular difuso -- uma estratégia arriscada, já que esse apoio tende a diminuir naturalmente com o tempo.

Ele ainda conseguiu algumas grandes vitórias desse modo (pressionar Maia, colocar gente na rua para defender reforma da prev.).

Porém, enquanto isso acontecia, a combinação entre a guinada progressista da imprensa e o desgaste da pandemia criou um ambiente favorável para atacar o bolsonarismo.

Embora a direita ainda fosse a maior pluralidade, os progressistas ficaram muito energizados.

Os governadores forem os primeiros a tentar aproveitar o momento para a oposição -- o que é, em certa medida, natural, já que são atores políticos convencionais.

Porém, eles logo fracassaram, por motivos diversos -- incluindo o contra-ataque do bolsonarismo.

Foi aí que a situação ficou mais confusa: Alexandre partiu para o ataque e Moro, símbolo maior do lavajatismo, virou a casaca.

Essa fusão entre lavajatismo, progressismo e suprema corte criou um novo eixo de poder que vai paralisar ou derrubar o governo.

O governo, por sua vez, não soube o que fazer para rechaçar esse segundo ataque. Creio que o espírito excessivamente formalista e a timidez dos militares gerou essa paralisia.

Alexandre, por outro lado, demonstrou bastante inteligência política (apesar do mau-caráter), pois...

... escolheu um momento de fragilidade para mirar alvos específicos, destruir o capital político do presidente e desarticular a militância conservadora.

Nesse cenário, creio que o STF é o grande vencedor do jogo, porque ele não tem porque recuar dessa nova posição.

Os parlamentares estão acuados até o final do mandato, correndo o risco de não serem mais re-eleitos (inclusive, basta uma acusação pontual, seguida de um entendimento do STF para impedir um deputado popular de se candidatar).

Enquanto isso, os ministros sentiram o...

... gostinho do poder absoluto: eles podem investigar, prender e julgar quem eles quiserem. Por que parar?

Obviamente, a opinião pública poderia servir como contra-ponto, mas enquanto a grande mídia estiver em peso ao lado do progressismo, não vejo grande risco de abalo.

Obviamente, há um certo incômodo entre as forças lavajatistas (um movimento mais legalista, mais estreito) e progressistas. Porém, a segunda tende a engolir a primeira facilmente. O único líder relevante da primeira era Moro e ele já foi inteiramente absorvido.

Se esse cenário se confirmar, os conservadores e liberais clássicos irão voltar para o exílio político. Afinal, mesmo se preservarem alguns cargos, o STF irá simplesmente reverter qualquer decisão deles.

Ou seja, as eleições futuras se tornaram um mero teatro sem relevância.

Obviamente, isso não é o fim dos liberais e conservadores. Eles estavam no exílio até ontem. Não será muito diferente do cenário de alguns anos atrás.

(É muito ruim, no entanto, para os brasileiros médios, que verão reformas importantíssimas serem adiadas a perder de vista).