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O @MPF_PGR entrou com ação de improbidade administrativa contra o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A ação de 128 páginas é assinada por 12 Procuradores(as) da República e pede o afastamento cautelar do cargo. O fio resume os fatos e fundamentos da ação 👇 /1
Ato de improbidade é a conduta inadequada de quem ocupa cargo público que resulta em 1. dano ao erário público, 2. enriquecimento ilícito ou 3) quebra do dever de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Pode ser ação ou omissão, dolosa ou culposa. /2
O MPF afirma que Salles atua sob uma "lógica completamente contrária à proteção ambiental", promovendo a desestruturação de políticas e a fragilização das instituições ambientais. Os efeitos seriam visíveis e imediatos, como o aumento do desmatamento o desmonte da fiscalização./3
A ação apresenta ações, omissões, discursos e práticas do ministro de uma forma 'contextualizada'. Busca-se afastar eventual argumento de que haveria "discricionariedade administrativa". Para inserir os atos com aparência de legalidade, usa-se o conceito de desvio de finalidade/4
São quatro os tipos de atos de improbidade apresentados na inicial, e compreendem a desestruturação 1) das normas ambientais, 2) dos órgãos de transparência e participação, 3) do orçamento e 4) da fiscalização. /5
1. Desestruturação Normativa: São abordadas as medidas de reorganização administrativa e as normas que diminuíram a proteção ambiental, como a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Min. da Agricultura e a tentativa de enfraquecer a proteção da Mata Atlântica. /6
Nesse bloco também está a extinção de órgãos dedicados à mudanças climáticas, como a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas. A ação diz que "houve o desfazimento de uma estrutura organizacional, sem
qualquer redimensionamento de um tema tão estratégico para o país"./7
2. Desestruturação dos órgãos de transparência e participação: Destaca-se a reformulação drástica do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com perda da participação da sociedade civil e mesmo de outros órgãos ambientais (!), como ICMBio e ANA. /8
Além disso, a ação menciona o desaparecimento de informações sobre espécies ameaçadas de extinção do site do MMA, a interferência no Inpe (órgão que mede o desmatamento) e a proibição de que órgãos como Ibama se comuniquem diretamente com imprensa ou o público /9
3. Desestruturação orçamentária: A ação relaciona a redução do orçamento do Ibama com o aumento do desmatamento (+34% entre 2018-2019). Sem capacidade de exercer suas funções, o órgão hoje atuaria no "assessoramento" do Exército, cuja operação na Amazônia custa muito caro./10
A ação diz que enquanto que um mês da operação do Exército na Amazônia custa cerca de 60 milhões, o orçamento anual do Ibama de 2019 foi 78 milhões. O Exército não estaria conseguindo diminuir o desmatamento, segundo dados de maio. Seria então, uma medida ineficaz. /11
A improbidade, neste caso, estaria caracterizada pelo uso ineficiente dos recursos públicos, pela destinação deliberadamente insuficiente de recursos para o Ibama e sua subordinação à operação do Exército, duas vezes mais custosa e com resultados piores./12
Ainda na parte orçamentária, a ação tratada da inativação do Fundo Amazônia, que dava recursos vitais para operações de fiscalização do desmatamento. A ação de renunciar aos recursos do Fundo seria "equivocada", "ímproba" e "danosa". O fundo tem R$ 1,6 bi parados atualmente. /13
4. Desestruturação fiscalizatória: A ação diz que o ministro estaria esvaziando as capacidades técnicas e institucionais dos órgãos de fiscalização, inviabilizando o trabalho de servidores de carreira, praticando atos de perseguição e nomeando pessoas sem critérios técnicos. /14
A ação traz dados impressionantes. Em algumas terras indígenas, houve aumento de 754% e 434% do desmatamento (Ituna-Itatá e Apyterewa). Algumas áreas haviam zerado o desmatamento, que disparou nos meses recentes. A perda da 'inteligência fiscalizatória' é uma das causas. /15
A ação relembra que após uma ação exitosa de fiscalização em abril de 2020 - amplamente noticiada, inclusive com matéria no Fantástico - Salles exonerou a cúpula da fiscalização do Ibama. Essa atitude seria "injustificável". /16
A orientação de que máquinas e equipamentos utilizados na prática de crimes ambientais não sejam destruídos tem levado os agentes de fiscalização a atuar com receio de represálias. Essa medida é prevista em lei e é fundamental para evitar a repetição de ilícitos. /17
A ação aborda a cruzada do ministro contra as multas ambientais. Menciona as acusações - não comprovadas - de que as multas têm caráter ideológico e a criação de núcleos de conciliação que teriam poder de anular as multas, e nunca chegaram a operar. /18
A ação diz que, enquanto as multas caíam em cerca de um terço, os focos de incêndio e os números de desmatamento explodiam em 2019. Em agosto de 2019, o país tinha 83% mais focos de incêndios que no ano anterior. /19
Quanto à nomeação de pessoas sem capacidade técnica, a ação relembra a exoneração de 21 superintendências do Ibama. Em alguns estados ficaram vagas por mais de um ano, e em outros até hoje não houve nomeação. Os órgãos ficaram mais ineficientes e burocráticos. /20
Muitos dos nomeados sequer preenchem os requisitos mínimos para a investidura no cargo, como formação acadêmica e experiência prévia. Além disso, houve uma militarização ampla dos órgãos (com pessoas sem ligação com o tema ambiental). /21
O resultado: "Até o momento, as instâncias decisórias pertinentes do IBAMA – justamente as ocupadas por servidores sem perfil técnico necessário – não apresentaram resultados relacionados à efetiva redução de ilícitos". /22
"A nomeação sistemática de pessoas desprovidas de perfil profissional compatível" para cargos de chefia relevantes no IBAMA e no ICMBio constitui ato de improbidade administrativa, e atenta contra os princípios da eficiência, da moralidade, da impessoalidade e da legalidade". /23
Sobre as declarações do ministro depreciativas do trabalho dos agentes ambientais, a ação diz que elas aumentam o risco que eles vivenciam e representam uma "nítida violação ao princípio da lealdade às instituições (e ao corpo técnico das instituições)"./24
A ação diz que as condutas são dolosas porque ele "intencionalmente enfraqueceu estruturas de
Estado voltadas à preservação do meio ambiente". Fazem parte, ainda, as declarações de descrédito dos dados oficiais de desmatamento e a questão da anulação das multas ambientais. /25
Claro, as declarações gravadas no vídeo da reunião ministerial sobre "passar a boiada" são mencionadas como demonstrando "má-fé" e intenção de fugir "ao debate
público com a sociedade e com a imprensa, bem como ao debate legislativo no Parlamento". /26
"Atos e medidas aparentemente corriqueiros foram utilizados com o propósito de favorecer, em seu conjunto, uma fragilização das políticas de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, biodiversidade e florestas". /27
A ação pede, em conformidade com a Lei de Improbidade Administrativa: o afastamento cautelar do cargo, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por cinco anos; ressarcimento dos danos e pagamento de multa cível. /28.
Importante lembrar que a omissão governamental na política ambiental e climática está sendo atualmente intensamente questionada no judiciário. Há diversas ações civis públicas e mesmo uma ação no Supremo Tribunal Federal (Spoiler: artigo meu no JOTA amanhã sobre isso!). /29
Essa ação do MPF torna ainda mais importante o papel do Poder Judiciário na contenção de medidas que enfraquecem o meio ambiente no Brasil. Os investidores internacionais e a opinião pública global estarão de olho nos desdobramentos dessas ações. /30
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