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O que D. Pedro viu em São Paulo em 1822 além das curvas da Domitila?
D. Pedro e sua comitiva entraram por São Paulo pelo melhor caminho que existia para apreciar devidamente a cidade. #saopaulo #Independencia #Historia #cultura #novomundo #dompedro #domitila #marquesadesantos
Depois de passar a colina da Penha, uma outra, mais ao longe, ostentava as torres de oito igrejas, dois conventos e três mosteiros. Passando pela Várzea do Carmo, um verdadeiro pântano onde hoje encontra-se o Parque D. Pedro II, Pedro I subiu a atual Rangel Pestana em direção ao
então núcleo urbano da cidade, desenvolvido ao redor do Colégio dos Jesuítas e confinado entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí.
Uma das primeiras coisas que D. Pedro deve ter notado foi a taipa paulista. Diferente dos nossos atuais arranha-céus, a morada paulista da época era
feita de barro, socado com o pilão ou espalmado em treliças de madeira. As casas eram pintadas com uma espécie de cal, tirado da região da ladeira da Tabatinguera, o “Barro Branco” que dava o nome indígena ao local. Raras eram as casas de pedra ou tijolos. As construções eram,
geralmente, de dois andares, dotadas de balcões onde os paulista “tomavam a fresca”, de manhã e de noite, onde assistiam às passagens das procissões, que não eram poucas. Aliás, o povo paulista era bastante devoto: a cidade inteira parava para rezar o terço à hora da Ave-Maria.
Em 1822 existiam três oratórios públicos, um deles nos famosos “Quatro Cantos”, a antiga encruzilhada formada pela Rua Direita e a Rua de São Bento. Alguém que conhece a Pauliceia consegue imaginar parte da população ajoelhada lá, às 18h, em pleno horário atual de “rush”?
Pois na época isso ocorria: a multidão tomava toda a calçada e parte da largura da rua, onde rezavam por 25 minutos. Atropelamentos não existiam, afinal, só havia um coche na cidade inteira em 1822, o do Bispo de São Paulo. Os outros meios de transporte eram as cadeirinhas,
carregadas por escravos, e os milenares carros de boi com seu gemer característico.
O povo paulista abastecia-se de água em fontes, geralmente próximas das igrejas, que, pela época da vinda de D. Pedro I, deviam estar, como aconteceria por mais cinquenta anos até a
implantação da Companhia Cantareira, secas.
Quando os paulistas não estavam rezando ou procurando água, poderiam ser encontrados matando tempo jogando em família a bisca, a douradinha e o “vive l´amour”; exercitando suas primeiras tacadas no bilhar do Antonio José Pereira dos
Santos, na rua do Comércio; trocando dedos de prosa na Botica do Lúcio ou na do Mota, tio do futuro poeta Alvares de Azevedo, que tão bem deixou ilustrado em “Macário” o hábito paulista de comer couves cozidas. Falando em comida, não podia faltar na mesa do paulista a excelente
mostarda que vinha da fazenda dos padres beneditinos em São Bernardo. Também o doce de figo, um dos maiores quitutes da cozinha paulista, estava sempre presente.
Jornal só existiria em 1823. Escrito a mão, servia cinco assinantes. Era confeccionado pelo “Mestrinho”,
apelido do genial Antonio Mariano de Azevedo Marques, que, com onze anos, lecionava latim na Igreja da Sé.
Além do proseado, o paulista também tinha outras diversões, como os bailes, sendo os mais concorridos o do Palácio do Governo, então localizado no Pátio do Colégio após a
desapropriação dos bens dos jesuítas. A vinte passos da sede do governo ficava o teatro em que D. Pedro, com a sociedade paulista, comemorou na noite de 7 de setembro de 1822 o “Grito” que deu no Ipiranga, sendo aclamado pelo padre Idelfonso Xavier o “Primeiro Rei do Brasil”.
Na época, a sociedade teatral começava a se organizar. Os escravos e prostitutas colocados no palco anteriormente, já davam lugar a artistas mais experientes. Sim, eu falei em prostitutas; se é a mais antiga das profissões, não podia deixar de falar sobre as que a praticavam na
São Paulo de Piratininga.

As prostitutas paulistas do começo dos 1800 só apareciam à noite atrás de tropeiros. Cobertas por amplos capotes de lã, ou baetas, que deixavam somente parte do rosto à mostra. Vindas, geralmente, de muito longe, davam um toque
oriental à noite paulista mal iluminada. O viajante francês Saint-Hilaire afirmava que elas passeavam lentamente pelos caminhos ermos da cidade, jamais abordando ninguém. Não conversavam nem entre elas, e Saint-Hilaire atestava que nada tinham do cinismo e descaramento das suas
colegas de profissão francesas.
A peça que foi apresentada à D. Pedro na noite de 7 de setembro de 1822 no teatro, e que ele não ficou até o fim para assistir, chamava-se “O Cavaleiro de Pedra”, uma história a respeito do célebre amante Don Juan. A peça foi imortalizada por
Mozart na ópera “Dom Giovani”, na qual Leporello, empregado de Giovanni, conta que seu mestre tinha, só na Espanha, “Mille e Tre” amantes. D. Pedro, que ficaria famoso pelas suas, sendo a mais famosa a Domitila, tinha bem mais o que fazer naquela noite além de ouvir sobre o
caso amoroso dos outros. Segundo alguns relatos, tinha pressa em ver a sua paulista, com quem já tinha “ficado” em 29 de agosto, dias depois de ter entrado na cidade.
Do Palácio, no Pátio do Colégio, D Pedro governou São Paulo por 15 dias, apaziguou os ânimos políticos dos
bernardistas x andradistas e convocou novas eleições. Mas o que levou mesmo daqui foi a fama com o "Grito" e seu caso com Domitila de Castro que durou 7 escandalosos anos. Como não assistiu a peça até o fim, não aprendeu o mais importante segredo de Don Juan: nunca se apaixonar.
Fontes:
Afonso A. de Freitas. Tradições e Reminiscências da Cidade de São Paulo.
Azevedo, Alvares de. Cartas.
Azevedo, Alvares de. Noites na Taverna
Rezzutti, Paulo. D. Pedro, a história não contada.
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