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Sexta-feira, 29/09/2006.

Um Boing da Gol sai de Manaus com destino ao Rio de Janeiro, com uma escala em Brasília.

Um voo normal, corriqueiro, mas, daquela vez, o destino seria outro.

O Boing da Gol voava a 11 mil metro quando, perto das 17 horas, se chocou com outro avião.
O outro avião, um jato Legacy que voava em direção aos Estados Unidos, ficou avariado e conseguiu pousar numa base na serra do Cachimbo.

Já o Boing da Gol se desfez no ar.

Todas as 154 pessoas a bordo morreram na hora. Seus corpos se espalharam pela floresta abaixo.
O acidente, um dos mais graves do Brasil, abriu feridas gigantes: denúncias de falhas no controle de tráfego aéreo nacional, mais os pilotos do Legacy, que trafegavam com o sistema anticolisão desligado.

Isso, sem falar nas famílias dos mortos, eternamente afetadas.
E o que pouca gente mencionou foram as consequências do desastre para um grupo que ajudou ativamente nas buscas pelos destroços, e, como ocorre historicamente, acabou esquecido logo depois de tudo se "resolver": os indígenas que habitavam o local, da comunidade Kayapó.
Diversos indígenas das proximidades ouviram o barulho do acidente, e foram eles os primeiros contactados por jornalistas.

O cacique Megaron Txucarramae foi um dos que prestou auxílio ao exército na ocasião. Ele e mais 20 indígenas abriram caminho na selva...
...foram os primeiros e encontrar destroços e corpos e foram fundamentais para o resgate, que deu paz a muitas famílias.

Quando tudo acabou, em novembro de 2006, receberam certificados da Aeronáutica pela ajuda prestada.

Só que havia um problema muitíssimo maior.
Mekaron Nhyrunkwa - casa ou cidade dos espíritos.

Área considerada sagrada, que não deve ser frequentada, onde moram os mortos.

A queda do Boing atingiu 1.000 m2, uma circunferência com raio de 20 km, quase 1/6 de toda a terra indígena.

Tudo aquilo era, agora, terra de mortos.
Naquela área não se podia mais caçar ou pescar. Nem mesmo o mel de abelhas encontrado lá pode ser consumido. As roças nesse local foram inutilizadas e uma das aldeias teve que ser transferida de local.

Para piorar, além da enorme quantidade de mortos, haviam os destroços.
Somente em 2010 os indígenas procuraram a Gol solicitando a retirada dos destroços, para que a terra ficasse menos impura (os donos da aeronave são responsáveis pela sua retirada, seja inteira, seja os destroços).

Mas a Gol ignorou o pedido.
Os indígenas, então, pediram auxílio do Ministério Público Feral, que abriu um inquérito, mas a Gol demonstrou ser impossível retirar todos os destroços.

E ainda se corria o risco de prejudicar mais o local com o trânsito de máquinas e pessoas.

E sempre haveria destroços...
Surgiu então uma proposta inédito no direito brasileira - uma indenização por danos espirituais.

A Gol poderia concordar com aquilo, mas havia diversas questões ainda a serem acertadas:

- Como precificar o dano?
- A quem pagar os valores?
- Como pagar os valores?
Precificar o dano talvez não fosse tão complicado, mas a quem direcionar a indenização em uma terra indígena sem lideranças formalmente constituídas, no entender dos não indígenas?

E pagar individualmente, ou a um "grupo legalmente constituído"?
As soluções encontradas:

1 Realização de um laudo antropológico, capaz de ver quem eram as lideranças indígenas, para que essas lideranças pudessem dar quitação do valor devido.

2 Pagamento realizado ao Instituto Raoni, criado pelo cacique, conhecido e respeitado mundialmente.
Então se acertou o pagamento de R$ 4 milhões, pagos ao Instituto, a ser aplicado na melhoria das aldeias da região, além de reserva de parte do valor para acompanhar e combater causas contrárias aos indígenas no legislativo estadual e federal.

Tudo com fiscalização do MPF.
O valor foi pago, dando quitação integral do dano causado, e tivemos inovação com a 1ª indenização por dano espiritual do Brasil.

E a cidade dos mortos segue lá, " onde os índios não devem nem mesmo circular pela área, sobretudo à noite"
É o mekaron nhyrunkwa, cidade dos mortos, área interditada do espaço indígena que, segundo o cacique Megaron, é duradoura, "kayoikot", para sempre.

Fim
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