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Vamos passear pela incerteza da Medicina na forma de um caso real?

Dona Maria (nome fictício) tem 78 anos, uma dor crônica na boca do estômago, e poderia ser sua mãe ou avó.
Certo dia, por essa dor epigástrica de características claramente dispépticas (do sistema gastrointestinal), procurou o pronto atendimento. O médico, agindo defensivamente (como somos obrigados a trabalhar, infelizmente), solicita um ECG e uma “troponina”.
ECG dá diagnóstico de infartos agudos do tipo mais grave. Quando são negativos, a troponina pode ser feita. Este último é um exame ultrassensível mas pouco específico. Significa que dá muitos falsos positivos.
E deu: positivo.
Bip Cardio. O Cardio não acreditou que a dor pudesse ser cardíaca, mas viu a troponina positiva e indicou um cateterismo.
Troponina pode dar > 90% de falsos positivos (razão de verossimilhança).
Como Dona Maria tem 78 anos, MUITO provavelmente ela terá lesões na coronária (que podem ou não levar ao infarto). E o hemodinamicista colocou um stent em uma dessas lesões. Dois medicamentos pra afinar o sangue foram prescritos.
Dona Maria e família estão felizes.
Felizes porque estava prestes a ter um infarto (tinha uma coronária com obstrução parcial), mas o médico do PA foi muito bem em pedir aquela bendita troponina. Agora ainda dói, mas Dona Maria está feliz por ter evitado um infarto e tolera bem a dor.
Alguns dias depois, a paciente percebe que suas fezes estão escurecidas como borra de café. O médico do PA solicita uma endoscopia e encontra uma úlcera duodenal (causa da dor desde sempre?). Com os remédios que afinam o sangue, a úlcera ficou “sangrante”.
Então suspendamos os remédios! Fácil. Duas semanas depois, Dona Maria procurou o PA na madrugada por “dor torácica” intensa, diferente da dor de antes. Estava infartando: o stent fechou.
Como Dona Maria e família têm a ilusão de que o stent evitou um evento que hipoteticamente ocorreria (infarto), ela e família aceitam muito bem a úlcera sangrante mal tratada e até aceitam que agora teve um infarto (que poderia nunca ter ocorrido) - viés do gato de Schrodinger.
O que seria inaceitável para a família e para leigos em geral:
- não pedir todos os exames possíveis e não descobrir aquela lesão “inocente” na coronária;
- na hipótese de não colocar stent, Maria acabar tendo um infarto (mesmo que a chance com e sem stent seja a mesma).
O que poderia ocorrer caso a troponina não tivesse sido solicitada:
- talvez o diagnóstico de úlcera duodenal tivesse sido mais rápido.
- não iria estar tomando remédios para afinar o sangue.
- se um dia infartasse, o médico (agindo corretamente) poderia ser erroneamente acusado.
O que ocorreu já que a troponina foi solicitada:
- um diagnóstico errado que levou a uma intervenção desnecessária;
- essa intervenção trouxe dois problemas: hemorragia e infarto;
- Gratidão da família e da Dona Maria.
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