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Fazia pouco tempo que eu morava em Belém, vindo do interior por conta de um emprego que consegui, em um escritório de representação.

O salário era excelente para meus padrões - jovem, solteiro, dedicado e morando num kit net - e ainda sabia que podia crescer muto na empresa.
De fato isso aconteceu.

Não tinha nem 5 meses de casa, comecei a ser destacado pelo dono para as missões mais complicadas.

Se alguma negociação travasse, era eu quem resolvia. Se alguém fizesse besteira, era eu quem desfazia.

Não demorou, recebi um belo aumento.
Com esse dinheiro a mais, pude realizar um sonho de faculdade: comprar um carro.

Lembro bem do dia em que cheguei na firma de carro novo, o comentário geral que foi. Só tive que ignorar os invejosos, nos sussurros de "protegido" "queridinho" e tal.
Aquilo não me abalava, de verdade.

Eu já era formado, ganhando bem, jovem e cheio de confiança, e não seriam aqueles caras que me deixariam mal.

Nada do que pudessem dizer me atingiria.

Só que, dias depois, as coisas começaram a ficar estranhas.
Foi perto do Natal que acordei com um pequeno incômodo no olho direito, como se tivesse um cisco ou cílio por baixo da pálpebra.

Fiquei um tempo diante do espelho, depois do banho, mas não encontrei nada. E como já estava atrasado, deixei para depois.
A dor não era tão forte, então acabei esquecendo aquilo e tive um dia normal.

Só voltei a sentir o incômodo de noite, já em casa, mas continuei sem encontrar a causa.

Fui dormir.

"Cedo ou tarde vai sair", pensei, mal sabendo que estava muito enganado.
No dia seguinte acordei com uma dor horrenda, como se meus olhos estivessem cheios de areia. Aquele pequeno incômodo, de talvez um cisco, se tornou um maremoto de dor.

Liguei para o escritório e avisei que estava com terçol - ao menos achava que era isso.
O patrão não ficou muito feliz, ainda disse que era frescura, que dava perfeitamente para trabalhar com um tersolzinho de nada, mas eu realmente não tinha condições.

Mal desliguei, comecei a procurar um médico que pudesse me atender o quanto antes.
Consegui um encaixe com uma médica perto de casa, e fui ao encontro dela achando que meus problemas estariam solucionados...

Só que a médica revirou meus olho quase do avesso, sem entender nada. Fora minha reclamação, aparentemente meus olhos não tinham nada.
Não havia secreção, nem inchaço ou vermelhidão, nada, mas era evidente meu incômodo e dor, e disso ela não duvidou.

Sai de lá completamente perdido, sem um diagnóstico e com uma receita enorme de remédios.

Voltei para casa quase sem conseguir enxergar e tratei de dormir.
Não sei que horas eram quando acordei, porque me descobri completamente cego. A dor era tanta que, involuntariamente, eu gemia baixinho.

Sem conseguir enxergar nada, pressupus que era de madrugada pelo barulho da rua, pelo silêncio da cidade.
A sensação de areia nos olhos era terrível, agora seguida de uma dor, como se alguém os espremesse.

Levantei tateando nos móveis em busca do meu celular, para tentar ligar a alguém, mas ele não estava no lugar de sempre.

Procurei por tudo e nada.

Meu desespero só aumentava.
Ainda tateando, chorando no meio da escuridão, fui até o banheiro lavar meu rosto e foi aí que escutei...

Havia uma respiração pesada no apartamento, como se alguém estivesse perto de mim, escondido pela minha cegueira.

E eu ouvia bem, muito bem, para achar ser um pesadelo.
Sempre tateando, tentando entender aquela presença estranha, fui até a cozinha e consegui pegar uma faca no balcão.

Armado, grudei as costas na parede e perguntei:

- Quem tá aí? QUEM TÁ AÍ?

E, como resposta, ouvi uma risada baixa e arranhada, assustadora.
Alguém brincava comigo. Alguém tinha entrado em casa e brincava comigo, se aproveitando da minha doença.

Me guiando pelas paredes, fui caminhando em direção à porta, sempre seguido pela respiração misteriosa.

Precisava sair dali urgentemente.
E enquanto caminhava pelas sombras da minha própria visão, era seguido de perto pela respiração pesada e cheia de falhas, cheia de altos e baixos, que parecia estar em todos os lugares e em nenhum.

Vez ou outra também ouvia a risada baixinha, sem conseguir localizar a pessoa.
E com a faca levantada eu me tornava ameaçador:

- Para com isso! Não to gostando dessa brincadeira!

- Se se aproximar eu juro que te meto essa faca...

E assim eu avançava, cercado pelo ser misterioso que me cercava, até que cheguei na porta.

Mas, mal toquei na maçaneta...
...porque, nesse exato momento, duas mãos fortes me agarraram pelos ombros e me viraram, e imediatamente algo começou a me enforcar.

Tentei atingir aquela coisa com a faca, mas parecia não haver nada diante de mim, só o vazio, apesar das mãos que me matavam lentamente.
Eu não conseguia gritar, não conseguia respirar.

Ali, percebi que tinha de fazer algo, ou morreria logo. Num último esforço desesperado, consegui segurar na maçaneta e, com um golpe, abri a porta.

No momento seguinte eu estava no chão do corredor, ainda cego, mas vivo.
Desandei a gritar por socorro e logo chegaram os vizinhos, que me levantaram e revistaram todo meu apartamento, mas não havia ninguém lá.

Também não havia qualquer marca de esganadura no meu pescoço, apesar das mãos que quase tiraram meus pés do chão.
Naquela noite fui ajudado especialmente por uma vizinha chamada Eugênia. Ela escutou minha história em absoluto silêncio, e, mesmo assim, era a pessoa que eu mais sentia ali.

Quando todos se foram, ficamos só nós dois e ela falou:

- Filho, isso é trabalho que fizeram pra ti.
Segundo ela, alguém próximo a mim, de minha convivência diária, tinha feito algo para atrapalhar minha vida, ou até algo mais sério.

Ela pediu para dar uma olhada em casa, mas não encontrou nada. Não satisfeita, pediu para procurar no meu carro, e lá descemos nós.
Mal ela começou a procurar, encontrou um pequeno saco feito de tecido, onde havia um pouco de terra e algo arredondado, pequeno, cheio de terra grudada.

Ela colocou tudo nas minhas mãos e perguntou:

- Sabe o que é isso?

E, diante da minha negativa, ela explicou.
- Isso é terra de cemitério... e isso aqui é olho de algum bicho que colocaram aqui para fechar os teus olhos ou algo pior...

Eu não conseguia acreditar naquilo, mas, sem qualquer explicação, à medida que ela fazia aquela terra sumir numa torneira, meus olhos foram melhorando.
Eu estava curado, sem jamais ter sabido que minha doença não era de corpo, mas de espírito. Das coisas inexplicáveis que não são desse mundo.

Descobri, da pior forma, o mal que a inveja podia causar.

- Isso é alguém do teu trabalho - ela explicou, mas algo que já desconfiava.
Justamente aquele saco com terra de cemitério, colocado no meu carro que ficava sempre aberto no estacionamento do escritório.

Não foi um grande mistério descobrir quem havia feito aquilo. bastou reparar em quem se decepcionou com minha repentina volta ao trabalho.
Mas não demorei mais muito tempo naquele local.

Apesar de todas as proteções que sempre fiz, com auxílio da Eugênia, muitas outras coisas me aconteceram, ao ponto de não aguentar mais e pedir demissão.

Ninguém entenderia meus motivos, então sai calado.
Para mim, era melhor viver bem, ou mesmo viver, do que seguir em uma competição macabra, onde eu nem mesmo competia...

Preferia a paz do que precisar, constantemente, viver com medo da próxima ameaça, que certamente sempre chegaria...

Fim
Essa história foi contada por DM, e o autor pede anonimato, eis que há pessoas bem conhecidas em Belém envolvidas.
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