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18 de setembro de 1981

O navio Sobral Santos II, construído em 1957, percorria a hidrovia Solimões-Amazonas sem parar.

Apesar de antigo, em 1981 ele era considerado uma das embarcações mais seguras da região e, talvez por isso, sua tragédia tenha sido tão imensa. Image
Naquele 18 de setembro de 1981, o Sobral se preparava para sair de Santarém rumo Manaus, com paradas em diversas cidades da beira do rio.

Ainda no porto de Santarém, o Sobral estava absolutamente regular: 200 T de carga e 430 passageiros, tudo de acordo com sua documentação.
Mas as coisas não foram bem assim.

O barco Emerson, que tinha quebrado, ofereceu sua carga ao Sobral e o Comandante aceitou.

Depois, o barco Miranda Dias, também em pane, pediu que o Sobral transportasse seus passageiros e carga, e mais uma vez o Comandante do Sobral disse sim.
Resultado:

O Sobral Santos II, que inicialmente sairia com 200 T de carga (seu limite) e 430 passageiros (já perto do limite), acabou zarpando com 400 T de carga e 530 passageiros (todos sem registro).

Dizem, sem haver confirmação, que havia cerca de 600 passageiros, no total.
De Santarém, a primeira parada era em Óbidos, interior do Pará, onde o Sobral Santos II chegou às 03:05 do dia 19/09/1981.

Ali, pessoas desceriam, outras embarcariam, em um movimento que representava riqueza na região, ao menos até aquele dia. Image
Acontece que, na hora do desembarque, em menos de 5 minutos tudo mudou.

As pessoas estavam em fila, prontas para sair, ainda sonolentas, quando uma das cordas da amarração arrebentou fazendo um barulho gigantesco e causando um solavanco tremendo na embarcação. Image
Com isso, o caos se instalou de forma generalizada.

Os passageiros, sem saber o que estava acontecendo, correram para a ponte buscando, desesperados, sair do navio.

Acontece que, com o movimento brusco de pessoas, o navio balançou ainda mais e mais.
Com 200 T de carga extra, acima do limite, a desgraça estava feita.

Em grande parte eram grades de cerveja e refrigerante, que não estavam amarradas, e que se deslocaram no ritmo do navio, caindo por cima das pessoas que buscavam fuga. Image
O Sobral Santos II acabou virando e afundando, tudo isso em menos de 5 minutos, no porto de Óbidos.

E assim, é considerado o maior naufrágio fluvial do Brasil, sem que se consiga estimar com precisão o número de mortos.

O único dado confiável é que houve 178 sobreviventes. Image
No momento do naufrágio, muitas pessoas foram soterradas pelas grades de bebidas ou tiveram cortes em decorrência do vidro quebrado.

Com o tombamento do navio, vários sobreviventes ficaram presos em bolsões de ar, sem qualquer noção de saída no meio da escuridão do rio.
As pessoas que estavam nos camarotes não tiveram qualquer chance, eis que a pressão da água impedia a abertura das portas.

Depois, nos trabalhos de resgate, muitos corpos foram encontrados no porão, último bolsão de ar que restou. Image
No meio da madrugada de Óbidos, a população que dormia pulou de suas camas em plena solidariedade, tentando algo que fosse para salvar alguém, mas era um trabalho impossível.

Pela madrugada, batidas eram escutadas no casco, sem que tivesse equipamento adequado para o salvamento.
E os dias seguintes foram de completa apreensão.

Mergulhadores vieram de Belém para tentar recuperar os corpos, em um trabalho às cegas, pois o navio superlotado não permitia ter certeza sobre o número de mortos.
E também foram dias de pavor, pois cardumes de piranhas acabaram na beira de Óbidos, atraídos pelos corpos, o que fez com que muitos jamais fossem descobertos.

Muitos mortos foram encontrados rio abaixo, em cenas que ainda hoje povoam a memória da cidade.
E não demorou para que um cheiro de morte tomasse conta da zona do porto, afastando curiosos e pessoas que ainda tinham esperança.

E a bondade do povo de Óbidos acabou sobrestada ainda pela ganância de uns:
No meio da desgraça, denúncia de que mergulhadores furavam corpos, para que não viessem à tona e não ficasse ainda mais evidente o tamanho da desgraça.

No fim, a imprensa nacional pouco deu importância ao caso, que foi mais reverberado pela CNN lá fora. ImageImage
Aqui dentro, poucas e breves notas, num processo contínuo de esquecimento dos problemas da Região Norte.

A Amazônia é fluvial.

Não há estradas e nem existe amplo transporte aéreo. Tudo se faz pelos rios, em transporte que chega perto de 10 milhões de pessoas por ano.
Em 2017 fora registradas menos de 200 mortes nos rios amazônicos, o que demonstra a horrenda grandeza do naufrágio do Sobral Santos II.

Talvez 200, 400 ou 500 mortos. Uma cidade traumatizada. Um porto interditado pelo cheiro dos mortos insepultos. Image
Há, na cidade de Óbidos, uma vala comum em cemitério onde jazem os corpos e pedaços de corpos não identificados, em uma época antes do DNA.

E ainda há medo, muito medo, porque as práticas seguem as mesmas.

O Sobral, por exemplo, acabou içado dias depois... ImageImage
...e hoje ainda navega pelas águas da Amazônia com outro nome, o Cisne Branco.

E o medo que habita a mente de quem precisa de barcos todos os dias fica assim, como mostrou a @isabelacanto nessa postagem do dia 11/08, que motivou esse fio. ImageImage
E ainda ecoam as palavras do comandante do Sobral, naquele dia fatídico, quando se deparou com um navio sobrecarregado e cheio de infiltrações:

"Passageiro não me interessava, me interessa a carga. Carga que dá dinheiro”.

E assim sumiu o Sobral Santos II e talvez 400 vidas.
Ainda tem outra história, de outro naufrágio gigantesco aqui no Norte, no Amapá, coincidentemente também no ano de 1981, ano fatídico para os rios do Norte, mas ela vira outro dia, pois o impacto de escrever sobre isso é enorme.

E obrigado, @isabelacanto
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