Thread by @estacaobrasilfm

AS THREADS VOLTARAM! 🍾
THREAD DO EP 07: o bolsonarismo está tentando replicar o projeto lulista?

Com as últimas pesquisas Datafolha e o auxílio emergencial, muito se fala sobre esta possibilidade. Mas, há correspondência entre os 2 fenômenos? Quer entender melhor? Segue o 🧶

O 1º ponto: o que é lulismo? Lulismo é um fenômeno muito particular e definido pelo politólogo André Singer, e que tem início nas eleições de 2006. Ou seja, 89 foi uma derrota do lulismo? Não. 2002 uma vitória do lulismo? Tb não. Cuidado com os anacronismos. Mas pq 2006? (+)

Em 2006, Lula vence as eleições com margem semelhante de votos: 20 milhões. Mas, essa semelhança mascara um movimento muito importante; o de que não foram os mesmos 20 milhões de 2002. Um grupo que jamais havia votado em peso no presidente o reelegeu: os pobres e muito pobres (+)

Na imagem, temos o eleitorado da eleição de 2002 dividido por renda. Perceba como as intenções de voto em Lula são bem divididas em quase todos os grupos, e com grande margem de votos nos extratos com maiores rendimentos. Esta realidade mudará consideravelmente em 2006.

Agora, percebam o fator novo nas eleições de 2006: a grande popularidade de Lula perante o eleitorado que recebe menos de 2 salários mínimos, em contraponto a sua perda de votos nos setores com maior renda. Temos aqui um realinhamento eleitoral que é a base do lulismo. (+)

Grosso modo, este movimento no eleitorado está relacionado com 2 fatores do 1º governo Lula: 1) políticas públicas de combate à miséria e à fome, que atingem o eleitorado pobre e muito pobre; 2) o escândalo do mensalão de 2005 gera uma perda eleitoral perante a classe média (+)

Singer destaca que a Carta aos brasileiros e a política econômica mais conservadora do 1º mandato não teve impacto somente para a elite empresarial, mas entre os muito pobres, que temem crises políticas e econômicas, pois entendem que a corda sempre estoura do lado mais fraco (+)

Um exemplo dado pelo autor é o do 2º turno das eleições de 89. Lula venceu Collor em todas as faixas de renda, mas perdeu entre os mais pobres. A razão? A tônica de ruptura política e econômica sugerida pelo PT na época foi considerada pelos mais pobres como muito radical (+)

Portanto, o lulismo é um fenômeno com recorte social e histórico muito particular. É o encontro de Lula e do PT com a fração mais complexa da classe trabalhadora brasileira. Não o clássico proletariado urbano, mas os trabalhadores informais e sazonais do Norte e Nordeste (+)

Singer denomina este grupo de sub-proletariado. Com origem na escravidão, nunca foi incorporado às relações formais de trabalho. Trabalham de modo informal e/ou sazonal, em regiões sem opções de indústria e serviços. E assim, são permanentemente empobrecidos por gerações (+)

Por não terem como sair da extrema-pobreza de forma autônoma, este grupo necessita do auxílio dinâmico do Estado, e esta é a chave do projeto lulista. Com bolsa família + aumento constante do SM acima da inflação + entre outros projetos, o gov. Lula atinge este eleitorado (+)

Nos termos de Singer, o subproletariado teria reconhecido "na invenção lulista a plataforma com que sempre sonhara – um Estado capaz de ajudar os mais pobres sem confrontar a ordem". É esta a base da utopia lulista.

Singer enfatiza que o fenômeno do lulismo seria de média ou longa duração, pelo fato de ser ESTRUTURAL (guardem esse adjetivo). A tese parece ter sido confirmada pelo tempo e daremos alguns exemplos. O 1º, uma reestruturação interna do próprio PT que pode ser vista na imagem (+)

Nas eleições de 2010, o realinhamento eleitoral lulista segue firme e garante mais uma vitória ao PT com Dilma. O interessante desta eleição é a capacidade do lulismo não depender exclusivamente da figura de Lula. Certamente, ela é de SUMA importância, mas ñ é imprescindível. (+)

Nas eleições de 2014, Dilma venceu com apertada margem. Mas, como é possível ver na imagem, entre o eleitorado mais pobre, a sua popularidade era muitíssimo mais alta que a de Aécio Neves. O projeto lulista tinha mais uma vitória.

Conhecemos os eventos entre 2014 e 2018. Não me estenderei aqui. Mas, quero enfatizar uma questão: não foi somente a classe média que se demonstrou descontente com o 2º gov Dilma. Os mais pobres tb. Na imagem, o ápice da popularidade de Dilma (13) x seu pior momento (15) (+)

Em agosto de 2015, 69% dos mais pobres consideram o gov. Dilma péssimo ou ruim. Isso é mto significativo. As razões para tal podem ser inúmeras e não me estenderei nisso, pois este debate não cabe em tweets. Mas, fato é que o projeto lulista se enfraquece, porém, não morre. (+)

Em 2018, o lulismo levou Haddad ao 2º turno, mas não à vitória. A votação entre os mais pobres de Haddad é substancial, mas inferior aos outros pleitos. Bolsonaro coopta o antigo eleitorado tucano, frustrado com as derrotas do PSDB para o PT e escândalos de corrupção (+)

Outro aspecto importante é a intensificação da regionalização do eleitorado lulista. O PT se demonstrou dependente em larga medida do seu eleitorado no Nordeste - onde o sub-proletariado é mais presente -, sendo derrotado com ampla margem no seu reduto de origem, o Sudeste. (+)

E chegamos ao momento atual: estaria Bolsonaro se popularizando aos moldes lulistas entre o eleitorado mais pobre, situado principalmente no Nordeste? Estaria ele realizando o seu realinhamento eleitoral? Minha resposta: provavelmente, não. Discorrerei a respeito. (+)

Contrastar os dados atuais com os de antes da pandemia é importante. Entre os que recebem + de 10SM, sua aprovação caiu 4% e a rejeição aumentou em 19%. Entre os mais pobres, sua aprovação subiu 13% e a rejeição caiu 12%. E o que isso significa? (+)

1) O impacto do auxílio emergencial é indiscutível; 2) Talvez, os mais pobres tendam a ser + críticos às medidas de isolamento, pois não podem fazer home-office ou ñ trabalhar; 3) A saída de Moro + Queiroz + a postura anti-isolamento do presid. tenha impactado a classe média (+)

Mas, uma questão é fundamental. Ao se comparar as duas últimas pesquisas, Bolsonaro cresceu a sua aprovação em todas as faixas de renda, não somente entre os mais pobres. Inclusive, entre todos os grupos, a sua aprovação é mais baixa entre os mais pobres (+)

E por qual razão acredito que, provavelmente (seria pretencioso e inapropriado realizar afirmações na atual conjuntura), não há um realinhamento eleitoral de Bolsonaro, tal como nos moldes lulistas? Vamos por partes... (+)

1) Para Singer, as políticas públicas dos govs. do PT impactaram de forma ESTRUTURAL a vida dos mais pobres. Por ora, Bolsonaro promove políticas públicas TÓPICAS de combate à miséria. A variável é o projeto Renda Brasil, mas será ele o suficiente? Nada se sabe a respeito (+)

2) Os índices de aprovação de Bolsonaro perante o eleitorado mais pobre é ainda muito baixo (35%) se comparado aos índices do projeto lulista. Logo, no momento, não há base material para se constatar um realinhamento eleitoral, muito menos sob moldes lulistas (+)

3) Uma dura resseção econômica se avizinha. Estaria Guedes disposto a abandonar os seus preceitos ultra-liberais durante uma crise? Parece pouco provável. Guedes ñ deve se adaptar a um projeto econômico sequer próximo dos moldes lulistas, o que afastará os mais pobres. (+)

Portanto, pouco sabemos sobre o futuro, mas é necessário se pontuar as consideráveis diferenças entre estes dois projetos. Li pessoas da imprensa falando em "neo-lulismo" por parte de Bolsonaro. Algo que, por ora, não faz o mínimo sentido.

Eis o final dessa thread! Obrigado por ler até aqui. Se quiser saber mais a respeito do fenômeno do lulismo, ouça o último episódio do nosso podcast! Ele está disponível em todas as plataformas e no link abaixo: leituraobrigahistoria.com/2020/08/17/lul…