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A história que vou contar hoje, faz algum tempo que aconteceu, mas jamais saiu da minha cabeça.

Faz uns 2 anos e era Carnaval.

Nós saímos da nossa cidade, Rio Grande da Serra, para uma cidade bem próxima, Paranapiacaba, onde haveria uma grande festa de rua. Cena aberta de Paranapiacaba, durante o dia, mostrando uma i
Paranapiacaba, para quem não conhece, é uma antiga vila ferroviária, em estilo inglês, que fica perto de São Paulo.

Ela pouco mudou com o tempo, e conserva todo um aspecto assustador.

Ela é famosa por suas lendas e por sua neblina, que cai sem avisar. Uma ferrovia com um vagão de trem e neblina.
Chegamos na vila por volta de 4 da tarde, tempo de ainda aproveitar bastante a festa, e assim fizemos.

Com várias bandinhas percorrendo as ruas do centro, cerveja barata e gente bonita, a alegria foi garantida até por volta de 23 horas, quando a tal neblina caiu com tudo. Uma cena noturna com pessoas na rua e neblina.
Com a neblina, muita gente se desanimou e a festa foi esvaziando, esvaziando, até sobrar somente uns gatos pingados.

E nós, que tínhamos vinda de outra cidade, e queríamos aproveitar ao máximo antes de voltar para casa.

Só que aquela neblina começou a me deixar tenso...
Era como se tivesse alguém ou alguma coisa me observando, como se algum mal pudesse me acontecer no meio daquela alegria toda.

Uma das mais animadas era minha prima, Joana, que já tinha bebido muito e parecia ter animação para muitas horas de festa ainda.
A gente tava lá, tentando se divertir, tentando se animar - e eu, meio de lado, tenso e nervoso, incomodado com a neblina, quando, do nada, Joana deu um grito que assustou a todos.

Logo depois, gargalhando, ela disse:

- Preciso mijar! - e saiu correndo no meio da escuridão.
Ninguém se mexeu para ir atrás dela, mas todos olharam para mim, o primo, e nem precisei me tocar que era eu quem devia ir atrás dela, pra garantir que voltasse bem, e assim fiz.

Controlando meu medo, fui andando pelas ruas antigas e desertas da cidade, chamando por ela.
Mas era impossível ver muita coisa, e ainda havia muito barulho ao redor, então me senti completamente perdido.

Vez ou outra, tateando quase cego, ia encontrando pontos de referência que me diziam onde eu estava, mas nada da minha prima. Foto de Paranapiacaba nublada, onde aparece a via férrea e
E quanto mais eu me metia na neblina, mais a sensação de angústia e medo me dominava...

Eu tinha a impressão de ver vultos ao meu redor, sempre na visão periférica, mas quando me virava não havia nada... e ninguém respondia quando eu chamava...
Até que entrei por um pórtico estranho, que nunca tinha visto, e acabei em uma rua onde, misteriosamente, não havia neblina.

Só havia um silêncio bizarro, cortado por uma música baixa e antiga, como se fosse um blues em mono, sem muita qualidade, de uma vitrola velha. Um pórtico em preto e branco, com uma rua nublada.
Eu fui andando por essa rua, sem coragem de chamar pela minha prima, e sem coragem de nada, na verdade.

As casa todas estavam às escuras, tirando um velho casarão com janelas pouco iluminadas, que tinha um senhor sentado à frente. Foto de um homem em preto e branco, vestindo terno e gravata
Ele vestia uma roupa antiga, estranha, mas era carnaval então não estranhei...

E ele me olhava firmemente, em silêncio, e fui eu quem quebrou o silêncio.

- Boa noite.

- Boa.

Depois, ele perguntou:

- A festa já acabou?

- Quase... a neblina afastou muita gente...
E sem que eu perguntasse, ele disse:

- O povo chama essa neblina de Véu de Noiva... eles dizem que é uma maldição da cidade... veja que, certa vez, uma noiva ia se casar e o noivo fugiu deixando ela no altar... desesperada, ela saiu correndo e se jogou em uma das ferrovias.
- Dizem que, depois disso, a neblina cai na cidade e esconde coisas estranhas. E por isso que a festa acabou, he he he, o povo acredita em tudo e fica com medo. Basta o véu da noiva boiva cair e eles se trancam em casa.

Eu tentava rir, mas não conseguia esquecer onde estava. Luzes e casa perdidos no meio da neblina.
E nessa hora, depois de falar isso, o homem começou a rir... e ri cada vez mais alto e cada vez mais afetado, como se tivessem lhe contado a coisa mais engraçada do mundo e ele não conseguisse parar de rir.

No meio da noite, da cidade escura e da neblina, aquilo me paralisou.
Era como se ele estivesse tendo uma crise, um ataque, sei lá, escondido naquele riso que se tornava meio monstruoso.

Eu decidi virar as costas e ir embora, mas, enquanto fiz isso, percebi que o homem imediatamente parou de rir e gritou comigo enquanto eu me afastava.
- NÃO TE METE NA NEBLINA, RAPAZ! FICA AQUI COMIGO QUE É MAIS SEGURO! A NOIVA AINDA TÁ POR AÍ, OS PAIS DELA TAMBÉM ESTÃO, PROCURANDO A FILha morta... volta aqui rapaz....

E a voz dele foi sumindo, a medida que eu corria dali.
Desesperado, comecei a gritar pela minha prima com toda a força possível!

JOANA!

JOANA!

Mas ela não respondia, ninguém me respondia, e eu percorria as ruas vazias ainda sentindo vultos ao meu redor, sentindo um frio absurdo que deixava mais nervoso. Foto em preto e branco de Uma casa antiga, com um vulto na f
E os vultos se multiplicavam à medida que eu corria, até que dei de cara com um casal de idosos que vinha, calmamente, andando pelo meio fio.

- Gente, por favor, me ajuda. Eu to perdido, não to encontrando ninguém nem o caminho... me ajudem - eu dizia, quase chorando. Um rua escura, iluminada somente por uma lâmpada.
Eu que o homem idoso, trajando roupas antigas, me respondeu:

- Eu!? Te ajudar!? Depois de tudo que fez!? Seu bandido.

O olhar antes calmo dos dois foi dando lugar a um olhar cheio de ódio.

E quanto mais ele brigava comigo, mais seu rosto se deformava.
E eu, completamente zonzo, sem entender nada... no meio da névoa e do escuro, com aquele casal me culpando de algo que não tinha feito.

- VOCÊ MATOU A ELA!

- MINHA FILHA, VOCÊ MATOU MINHA FILHA

E eu só pedia calma e chorava, com os gritos que ficavam mais e mais altos.
Até que eu também, de olhos fechados, chorando de medo e frio, gritei!

- EU NÃO FIZ NADA. NÃO SOU QUEM VOCÊS PENSAM. EU NÃO FIZ NAAAADA.

E aí fez-se silêncio...

E, quando abri os olhos, eu vi...
O casal de velhos me olhava de forma calma e séria...

E, atrás deles, flutuando no meio da neblina, uma terceira pessoa que não estava lá antes, branca como a morte, que somente sussurrava:

- Não é ele... continuem... Foto em preto e branco, com um casal de idosos e, atrás del
E, como se nunca tivessem falado comigo, o casal de velhos saiu andando pela rua, passando ao meu lado, seguidos agora daquele espírito da noiva morta que exalava ódio...

Eles passaram e foram indo embora, quando uma mão me agarrou pelos braços com força.
Eu dei um grito no meio da noite e senti, naquele momento, que quase morri, e as lágrimas de medo e pavor já voltavam aos meus olhos quando ouvi a voz da minha prima:

- Porra, onde tu tavas? To te procurando faz uma hora!

Junto dela, vários dos nossos amigos.
- Porra, Joana, eu que tava te procurando. Saiu correndo e sumiu.

- Sumi nada, eu tava ali nos banheiros químicos da praça. Tás porre!

E todos me olhavam com reprovação, afirmando que fiquei sumido por mais de 50 minutos nas ruas de Paranapiacaba. Um prédio com neblina.
Eu voltei para casa assustado, passando mal e sem entender nada.

Enquanto todos ainda seguiam na festa, brincando no carro, eu estava morto por dentro.

No dia seguinte ainda contei tudo a meu pai, que se preocupou ao me ver completamente abatido.
Durante o dia ainda tive febre e vomitei muito, mas, com o chegar da noite, minha situação foi melhorando.

Mas eu fiquei tão impressionado com tudo, que meu pai resolveu voltar comigo em Paranapiacaba para ver o local onde tinha encontrado o velho, ver as ruas, e assim fizemos. Uma estação de trem vazia, com algumas poucas pessoas.
Eu não consegui localizar a rua onde encontrei os idosos e a morta, mas encontrei o pórtico onde entrei e onde havia a casa onde vi o velho...

Só que não havia mais casa.

Só havia uma ruína de casa consumida pelo tempo. Uma casa em ruínas.
Naquele momento, comecei a achar que podia estar louco.

Falei a meu pai que a casa era ali, que estava de pé, que eu não era doido...

E, felizmente, um homem que passava na rua ouviu nossa conversa, chegou do nosso lado e disse.
- Você o viu, né?

...

- Tudo bem, você não tá maluco. Muita gente já viu o homem aqui. Dizem que era o pai do noivo que fugiu, e que quem sai daqui acaba encontrando a morte percorre a neblina de Paranapiacaba procurando vingança.

Pelo visto, escapei.

Fim
Essa história é baseada nos fatos que a @trizhev me contou por DM.

Paranapiacaba é, de fato, uma cidade cheia de histórias de visagens e assombrações. Agora, se tornou meu sonho de consumo conhecê-la.
Para quem quiser mais, tem aqui:

Em podcast, no: umcontoetanto.com.br

No Telegram, um canal: t.me/tantotupiassu

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No Instagram, fotos fofas de pimpolhos: instagram.com/tantotupiassu/
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