Thread by @apyus

Um criminoso qualquer assassina uma criança. Você já parou para pensar em quão difícil é convencer um indivíduo de que não é certo juntar a vizinhança para linchar o assassino até a morte?

Para começo de conversa, talvez seja necessário que este indivíduo tenha ao menos 15 anos de estudo. Mais do que isso, ele precisa não só ter decorado respostas para a prova, mas prestado atenção às aulas de história...

...e se sensibilizado com a quantidade de injustiças que a humanidade cometeu nos últimos 10 mil anos. E tem que ter tido ótimos professores que conseguiram fazer com que os alunos se colocassem no lugar das vítimas de tamanhas injustiças.

E deixado claro o risco de a sociedade continuar cometendo injustiças. E, mais do que isso, que um dia o tal indivíduo pode ser a próxima vítima da sociedade.

Outro caminho é apelar a um ser mágico que tudo sabe, tudo vê e tudo pode. E convencer a pessoa de que esse ser a vigia. E quer o bem dela, mas está disposto a puni-la, se for o caso, até após a morte.

E esse ser precisa convencê-la de que todo nós erramos, todos nós somos pecadores. E que, por isso, precisamos lembrar dos nossos próprios pecados antes de atirarmos uma pedra num pecador.

E essa mensagem precisa ser revisitada semanalmente em reuniões presenciais, ou o indivíduo simplesmente a esquece.

Só assim, o indivíduo pode se convencer de que o certo não é juntar a vizinhança para chutar a cabeça do assassino da criança até a morte. Mas oferecer a ele um julgamento justo, com direito de defesa.

E, só após a apresentação de provas convincentes e em acordo com a lei vigente, estipular uma pena justa, mas que também ofereça ao assassino uma oportunidade para se recuperar e não mais cometer pecados graves como o que o encarcerou.

Lembrando que toda essa construção tem a solidez de um castelo de areia. Que pode se desfazer na primeira onda. Ou no primeiro chute de um outro indivíduo indignado — e motivo para indignação nunca falta.

Um amigo brinca que a crise é, antes de tudo, estética.

Eu falo sério que a crise é, antes de tudo, de valores.

Não conseguiremos sair do buraco em que nos metemos antes de trabalharmos valores que se perderam numa onda inescrupulosa potencializada por recursos tecnológicos.

Isso não vai ocorrer esse ano. Talvez nem nessa década. Mas nossa geração cometeu erros graves que não podem ser largados às futuras gerações. E é missão nossa organizarmos o que bagunçamos.