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Sep 21, 2020 26 tweets 9 min read Read on X
O que pode ter acontecido em Manaus?

Um preprint do grupo que tem produzido muita ciência traz dados para o entendimento:

Usando sorologia em doadores de sangue e um modelo ajustando para sensibilidade/especificidade do teste, idade/sexo, decaimento

Prevalência acumulada: 66%
Os autores construíram o histórico de prevalências na cidade de Manaus e São Paulo de Fevereiro até Agosto de 2020.

Estudos com doadores de sangue são uma boa fonte, pois o sangue é coletado, armazenado uma parte para exames/sorologia, então temos toda a logística mais fácil.
No casos dos dois bancos de sangue, o material fica estocado por 6 meses após doação (mais sobre isso abaixo).

O teste foi feito o Abbott SARS-CoV-2 chemiluminescence microparticle assay (CMIA), para IgG contra a proteína do nucleopsídio (N). Assim, melhor que os testes rápidos.
Como já discutimos muito por aqui, os testes tem sua sensibilidade, especificidade, incertezas etc. Vale lembrar que em geral aprendemos que sensibilidade e especificidade não mudam com a prevalência ou espectro. Isso não é verdade.

Aqui falei de testes
Para quem já entende o de acima, a referência abaixo diz sobre o que cito de S/E não se manter constante como propriedade intrínseca do teste.

#Medtwitter

Para dar um passo na metodologia, os autores avaliaram a performance do teste, já validado comercialmente.

Como os primeiros casos eram casos graves, em geral com altos níveis de anticorpos, os testes podem ter um desempenho diferente do que em relação a população não grave.
Os autores reavaliaram a sensibilidade em alguns cenários: pacientes hospitalizados, doadores de plasma convalescente, etc.
Outro problema que temos é que o título de anticorpos também diminui com o tempo, com já aprendemos. Daí para corrigir para isso, os autores seguiram os doentes que doam plasma convalescente (esses são doentes confirmados para COVID-19 que produzem anticorpos e doam plasma).
Em geral tem altas quantidades de anticorpos e anticorpos neutralizantes. Então como eles doam sequencialmente, os autores conseguiram seguir e ir medindo a queda de anticorpos.

Também consideram outro valor de corte de IgG (análise de sensibilidade) para considerar positivo.
Tendo a prevalência em Manaus/São Paulo, se corrige para sensibilidade/especificidade, erro associado, o decaimento e, o principal ponto que seria transformar a população doadora representativa da população total. Junto um modelo para estimar a seroconversão (o total acumulado).
Dados da validação, queda no tempo, entre outros. Mais no suplemento.
Aqui o resultado principal. Número de doadores, positivos, prevalências ajustadas, seroconversão e sensibilidade.

O maior valor de prevalência em Manaus foi em Junho, com 52% (95% CI, 47-57), seroconversão de 65%. Metade agosto com acumulado de 66%. Enquanto São Paulo com 22%.
Os autores também estimaram a IFR, que variou de 0.2 a 0.3% em Manaus e 0.5% a 0.7% em São Paulo (por idade abaixo). Aqui, como já discutimos para o Maranhão, algo bem difícil é saber com exatidão o número de óbitos COVID-19 em Manaus, por exemplo. Sabemos que com o colapso
muitos óbitos não foram testados, porém nem todos serão COVID-19 direto, e óbitos que não entram no sistema SIVEP. Embora a diferença de idade possa explicar essa diferença, como falado pelos autores, o sistema de saúde de SP é bastante mais estruturado que o de Manaus e a IFR
quando estratificada ⬆️ bastante com a idade (ie, certa correção por idade), porém foi similar em ambas cidades. Também já sabemos que o cálculo da IFR pode ser modelada especificamente, levando em conta outros fatores. Ainda acho que a maior chance é que a IFR seja conservadora
E o IFR é alto de qualquer maneira, como sabíamos e ainda está dentro do intervalo estimado pelos modelos do início da pandemia. Aqui falo um pouquinho mais sobre o que pode ser levado em conta para IFR, mas a lista pode se estender.

Os autores fizeram um excelente trabalho, tentando reconstruir a epidemia com uso de bando de sangue.

Ponto crucial (além das assumptions dos modelos e testes e suas incertezas): doadores de sangue, em geral, não são representativos da população geral.
Em geral tendem a ser mais jovens ou pessoas mais saudáveis e com comportamento de voluntários. Além disso depende se os doadores eram espontâneos ou se foram doar para parentes (aqui como é uma doença infecciosa, maior chance dos parentes terem COVID19).
Também temos doadores que vem em grupos (eg. militares), em geral doadores mais ou menos frequentes. Abaixo a distribuição espacial dos casos que foram geocodificados (possível 50% em Manaus). Para corrigir alguns dos items acima, os autores fizeram
um weighting por idade e sexo. Por exemplo: se no grupo de doadores tinha mais homem de 20-30 anos que a população em geral daquela cidade, você dá menos "peso" para a prevalência naquele grupo de testados, e vice versa. Isso já ajuda muito, mas ainda assim não temos como saber
com certeza se os doadores representam toda a cidade ou não. Outros fatores também colocam que a prevalência poderia estar subestimada.

Poderíamos discutir bastante aqui, mas deixamos para outro fio e outros momentos e digerir melhor os dados.
Em resumo:

o total da população de Manaus que possa ter sido infectada por Sars-CoV-2 varia de 44% no mínimo (sem correções) a 66% (correções como expliquei acima), caso as prerrogativas tomadas seja verdadeiras.

Lembrando que no caso da imunidade coletiva clássica, em Manaus
estaríamos falando de uma imunidade de 60% (clássica aqui pelo HIT e R0, população homogênea). Com o overshooting, chegaria a um total de 89% e observamos 66%.

Junto com as medidas não farmacológicas 👇, a população não sendo heterogênea, e um fator de imunidade coletiva,
chegaram a 66% de infectados como melhor estimativa.

Associado, tem o fator estocástico, que falamos pouco, que pode ajudar na queda de casos em epidemias.

Isso tudo só reafirma que imunidade coletiva não é e nunca foi um meio viável de controle da pandemia.
Parabéns a todos e todas envolvidas. Mais um ótimo trabalho com os dados disponíveis.

@estercsabino @nmrfaria @UrbanDemog @LewisBuss4 @MOUGK @AgenciaFAPESP
O link para o artigo em preprint

medrxiv.org/content/10.110…

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Aug 25
O Brasil está queimando!
Você sabia que os efeitos da queima de biomassa desta magnitude na saúde das pessoas é imenso?

Aqui reuno evidência científica produzida no Brasil:
⬆️ Mortalidade
⬆️ Hospitalizações
⬇️ Desempenho escolar
⬆️ Eventos na gravidez e ⬇️Saúde do bebê Image
Um dos principais poluentes derivados de queimadas é o material particulado <2.5 (PM2.5). Não é o único, obviamente. Porque a queima gera vários produtos. Por essa razão, inclusive, estamos investigando se a "fumaça" ou poluição gerada em queimadas assim não é inclusive pior para
a saúde humana que a poluição gerada por outras fontes (carros, etc). Inclusive o próprio PM2.5, que dentro dele tem vários componentes, acredita-se que o PM2.5 de queimadas seja mais danoso que um PM2.5 não proveniente de queimadas (veja alguns estudos da Califórnia).
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Oct 6, 2021
A OMS acaba de publicar a definição da Condição Pós-COVID

- Uso do método Delphi para consenso
- Definição clínica de caso

#LongCovid
@WHO @pahowho
Aqui o texto da definição (em tradução livre):

- Ter tido COVID provável ou confirmado
- Sintomas após 90 dias do COVID
- Sintomas que durem pelo menos 2 meses
- Não ter uma explicação alternativa
- Comumente afeta vida diária
Os sintomas podem ser vários, mas comumente fadiga, diminuição da capacidade para respirar, alguma disfunção cognitiva entre outros. São sintomas novos (que aparecem após o COVID) ou que são persistem, ie, continuam.

Definição que deve ser adaptada para crianças.
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Jul 15, 2021
Informações sobre a VoC Delta👇

Se confirmadas, explica bastante porque ela está dominando o mundo e causando estragos

- Maior carga viral na primeira detecção (muito maior)
- Vírus pode se reproduzir mais rapidamente
- Capacidade de transmitir mais precoce
Nesse report, pesquisadores avaliaram um surto epidêmico na China e investigaram bem de perto contatos. Basicamente testaram diariamente. Eles então compararam tempo entre exposição com um positivo e detectar PCR pos, carga viral, entre outros.

virological.org/t/viral-infect…
Comparado com um outro surto lá do comecinho também investigado exaustivamente, eles acharam:

O tempo entre alguém ter contato com alguém transmitindo até ter um PCR positivo encurtou de 6 (IQR 5-8) dias para 4 (IQR 3-5). Assim, uma redução importante no intervalo serial,
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Jun 15, 2021
Dados 🇧🇷 sobre Condição após COVID-19 (COVID Longo) - preprint

➡️602 pacientes após COVID19 na Bahia, com quadro leve (não hospitalizado), moderado (hosp não UTI), grave (UTI)
➡️52 anos idade média, avaliação ~2.5 meses após

▶️mediana de 8 sintomas 👇
▶️Mulheres mais acometidas
Impacto na qualidade de vida. Abaixo fatores associados com alterações nos 5 dominíos da qualidade de vida avaliados pela escala EuroQoL (logística ordinal)

-Sexo feminino associado com alteração em todos os domínios (dor, mobilidade, ansiedade/depressão), exceto auto-cuidado.
-Gravidade associada a alguns domínios, condizente com o que se sabe antes de COVID.

Outro achado interessante foi alteração num marcador de inflação - Proteína C Reativa - que é um marcador geral, mas que se mostrou alterado em (40%) acima de >5mg/L.
Read 9 tweets
May 14, 2021
Voltei a calcular a taxa de mortalidade padronizada por idade comparando Brasil e Itália e Brasil e Espanha:

- Mortes por 100 mil no Brasil: 184
- Mortes por 100 mil na Itália: 102
- Mortes por 100 mil da Itália se tivesse a mesma estrutura etária por sexo do Brasil: 39
Brasil x Espanha (período de Maio 2020 até agora)

- Mortes por 100 mil no Brasil: 157
- Mortes por 100 mil na Espanha: 98
- Mortes por 100 mil da Espanha se tivesse a mesma estrutura etária do Brasil: 46
Se os países tivessem a população padrão da OMS:

Brasil início até Abril/2021: 159/100 mil
Itália início até Abril/2021: 33/100 mil

Brasil de Maio/2020 a Maio/2021: 133/100 mil
Espanha de Maio/2020 a Maio/2021: 36/100 mil

No Brasil, morreu-se 4.8x que Itália e 3.7x que Espanha
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May 14, 2021
Isso ainda me deixa muito perplexo.
Já comparamos a taxa de morte padronizada por idade entre Brasil e Itália para COVID-19. O Brasil foi muito pior até então. E em números absolutos a diferença é gritante entre crianças e adultos jovens.

Abaixo Espanha, veja mortes por idade.
Estes dados são do último ano, de Maio 2020 a Maio 2021. Vejam de novo...
- Morreram 214 pessoas abaixo de 40 anos no último ano
- Morreram 2255 pessoas entre 40 e 59 anos no último ano

Ah, Otavio, mas no Brasil tem muito mais jovem. Sim, claro, mas a diferença não precisa
nem de cálculo. Leia de novo, num país com a população próxima do estado de São Paulo, morreram 214 pessoas <40 anos no último ano por COVID. Pelo Seade, considerando todo o período, óbitos abaixo de 40 anos corresponderam a 12.7% dos óbitos. Na Espanha, 0.44%. Isso se repete
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