Desculpem, mas sempre me parece necessário republicar esta nota

LIBERALISMO POLÍTICO ANTIGO E MODERNO

Urge uma releitura – não historicista, nem economicista – do conceito de liberalismo

Siga o fio para ver do que se trata.
COMEÇO

Comecemos examinando as duas sentenças abaixo:

a) minha liberdade começa onde termina a do outro; ou

b) minha liberdade começa onde começa a do outro.
Claro que o conceito liberal clássico de liberdade (ausência de coerção) não é o mesmo conceito liberal democrático de liberdade dos atenienses (ninguém pode ser livre sozinho: a liberdade consiste em interagir na comunidade política).
É mais ou menos consenso que o liberalismo surgiu na Inglaterra na resistência política que culminou com a Revolução Gloriosa de 1688 contra Jaime II.
Defendia-se a tolerância religiosa e o governo constitucional. Esta foi a origem do liberalismo político moderno, dito clássico, surgido entre 1780 e 1860.
Nele se destacam os pensamentos de Locke (1632-1704) e de Montesquieu (1689-1755), além de Tocqueville (1805-1859), Constant (1767-1830) e Mill (1806-1873).
“Liberdade é o direito de fazer aquilo que a lei permite” (Montesquieu, Do espírito das leis) ou liberdade é a “fruição pacífica da independência individual ou privada” (Benjamin Constant, Liberdade antiga e moderna).
Em termos políticos pode-se dizer que esse liberalismo é a primazia da liberdade individual sobre a vontade excessiva do Estado.
No entanto, o liberalismo não começou aí. Há um liberalismo antigo, que corresponde à democracia ateniense e que define, de modo mais abrangente, o liberalismo político. Liberal é toda política que toma como sentido a liberdade.
A coisa política propriamente dita é a liberdade, mas não no sentido corrente, usual, da palavra – herdeiro da concepção liberal clássica – e sim no sentido que lhe atribuíram os democratas atenienses do século 5 a.C.
Tal liberdade só podia se materializar na polis – um ambiente social configurado de tal maneira que possibilitasse aos seres humanos permanecerem juntos (sem ser na família ou na guerra) por tempo suficiente para viverem a sua convivência, criando um mundo totalmente inédito.
Isso não tem nada a ver com prover bem-estar para a população. Não é dar ao povo “casa, comida e roupa lavada” (como da democracia muitos esperam atualmente e, por isso, se desiludem com os regimes democráticos). Isso também não tem a ver diretamente com a boa governança.
Precisamos revisitar o conceito de liberalismo. Um liberalismo contemporâneo deveria ser uma espécie de síntese – não historicista, nem economicista – do liberalismo moderno com o liberalismo antigo, ou seja, com a democracia.
Claro que não se cogitou aqui do liberalismo-econômico, que não é um comportamento político e sim um conjunto de doutrinas, muitas vezes i-liberais aos olhos do liberalismo antigo, quer dizer, da democracia.

FIM

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2 Nov
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1 Nov
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