1) Cassinos, Previsões e os Retornos no Mercado

Será que é preciso acertar previsões de maneira consistente para ganhar dinheiro no mercado? Estariam os retornos de alguma maneira relacionados a habilidades de prever o futuro?
2) Luís Stuhlberger, gestor do famoso fundo Verde, a julgar pelo episódio #32 do @stockpickers_, acredita que sim:

“Eu parto do princípio que a gente deve prever o futuro...
3) “... Como a Gavekal diz, uma consultoria que eu gosto muito, falar do passar passado é fácil, explicar o presente é médio, e prever o futuro é difícil. Mas a gente vive de prever o futuro.

Quando perguntam o que você faz para viver? Eu prevejo o futuro.”
4) Se para o Stuhlberger a resposta para as indagações iniciais é um enérgico sim, Howard Marks, outro gestor famoso e autor do clássico “The Most Important Thing”, diria enfaticamente que não.

Um leitor mais distraído poderia até pensar que eles trabalham em ramos diferentes.
5) No memorando “You Bet!”, Marks, num 1º momento, classifica vários jogos sob 3 aspectos distintos: a informação disponível, a habilidade do jogador e o papel da sorte; depois, mostra as semelhanças entre jogos como pôquer e blackjack com o trabalho no mercado financeiro.
6) Nestes jogos, cabe mencionar, tal como no mercado, a informação não é completa, a sorte tem um papel não desprezível, e existe bastante espaço para a habilidade do jogador fazer a diferença.
7) “A presença da sorte não exclui a presença da habilidade. Na verdade, tomar decisões inteligentes quando os eventos futuros são incertos é uma das maiores formas de habilidade”.
8) A saber, o xadrez é classificado como um jogo de informação completa, aonde não há espaço para a sorte, e só “skill”. Já gamão e outros jogos de tabuleiro não possuem nenhuma informação escondida, porém, possuem bastante espaço para a sorte, tanto quanto para a habilidade.
9) Por fim, a roleta é um exemplo de jogo com informação completa, mas sem nenhum espaço para a habilidade, ou seja, é apenas sorte.
10) Falando em jogos e retornos, uma entidade que também não está no ramo de “acertar previsões” são os cassinos. Eles basicamente gerenciam riscos e deixam a sua vantagem (“edge”) correr livremente.
11) Alguns jogadores podem até ganhar muito dinheiro, e isso é até bom que ocorra para estimular outros jogadores, mas na média os jogadores vão perder. A Lei dos Grandes Números fará o seu serviço.
12) As probabilidades são implacáveis. Os ganhos para os cassinos são uma questão de tempo - a não ser que você se chame Edward Thorp -, mas essa é outra história, e também envolve o aproveitamento de vantagens, vale mencionar.
13) Robert Rubin, ex Goldman Sachs, de certo pensa parecido. Em seu livro, ele descreveu investimentos bem feitos como uma espécie de “cassino às avessas”, porque, ao contrário dos jogos disponíveis nos cassinos, as probabilidades estão a favor dos jogadores, e não da banca.
14) O mesmo vale para os bons jogadores de pôquer. Eles não estão no ramo das previsões, isto é, não precisam saber exatamente quais mãos vão ganhar e quais vão perder, muito menos “ver” a mão de seus adversários.
15) Eles apenas exploram bem as suas vantagens quando elas aparecem e gerenciam os riscos. Pode até parecer fácil, mas nunca é - tal como nos investimentos.
16) Annie Duke, ex jogadora de pôquer e autora do interessante “Thinking in Bets”, resumiu mais ou menos assim:

“O que bons jogadores de pôquer e bons tomadores de decisão tem em comum é o conforto que eles tem de viverem em um mundo incerto e imprevisível."
17) "Eles sabem que raramente vão poder ver exatamente o desenrolar das coisas. Eles abraçam a incerteza e em vez de focarem em estarem certos eles tentam mensurar o quão incertos eles estão, fazendo as melhores apostas entre as p(x)s de diferentes resultados que podem ocorrer."
18) Veja, aquele que prevê o futuro só pode acertar ou errar; e ninguém gosta de estar errado. Já aquele que considera o futuro incerto entende o mundo de maneira diferente, não há certo ou errado, o que existe são possibilidades;
19) ...e mesmo os cenários mais prováveis podem acabar não ocorrendo. Resultados positivos nem sempre são consequências de boas decisões, e vice-versa (o chamado viés de resultado).
20) Em síntese, utilizamos alguns jogos como uma analogia para o processo decisório presente no mundo dos investimentos. Nesses jogos, não é necessário ver o futuro.
21) Bons jogadores exploram vantagens (edge) tomando as melhores decisões possíveis dada a informação disponível. Tal como o cassino, a acumulação dessas vantagens levarão em média a bons resultados no futuro.
22) Resta ao leitor agora somente uma pergunta possível:

“como” encontrar tais “vantagens”?

A resposta do “como” extrapola os limites deste artigo, mas “o que” são tais vantagens é uma pergunta simples, a depender da filosofia de investimentos de cada um.
23) Em linhas gerais, o filósofo libanês Nassim Taleb diria que tudo é uma questão de achar “assimetrias” (termo já meio banalizado popularizado pelos seus livros), isto é, situações em que há muito a ganhar e pouco a perder – intituladas posteriormente como “antifrágeis”.
24) Sendo mais específico, Ben Graham, Warren Buffett e os adeptos do Value Investing diriam que as suas vantagens estão em comprar notas de $50 com notas $10, isto é, comprar ações baratas, negociadas a preços muito inferiores aos seus reais valores.
25) ... o que eles chamam de margem de segurança (ações com margem de segurança não seriam antifrágeis?).

Já traders experientes, como Peter Brandt e outros, encontram as suas vantagens analisando diligentemente certos tipos de gráficos.
26) No fim das contas, nenhum deles precisa prever o futuro, nem mesmo o Stuhlberger, embora os retornos do Verde nos últimos 20 anos me deixe na dúvida.

Talvez ele se tenha entregado no episódio #4 de “Os Pregões que Fizeram História”, sobre a desvalorização do Real em 1999.
27) ... que ocasionou a maior porrada que o Verde já deu (66% no mês, 135% no ano), confessando que só resolveu deixar o fundo todo comprado em Dólar por causa de uma viagem de férias para a Argentina e não queria se preocupar:
28) “Vou deixar hedgeado o fundo inteiro, porque (custa) 9% ao ano mas em 9 dias não vai custar tanto, né? Porque naquela época não tinha wifi, não tinha smartphone... o telefone celular fora do país pegava mal.”

Nesse momento, o Luís Stuhlberger concordou com o Howard Marks!

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