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24 Nov, 27 tweets, 9 min read
Salários, sindicatos e Covid-19. Como a pandemia pressiona o poder dos trabalhadores
visao.sapo.pt/exame/analise/…
Os salários crescem lentamente e a fatia da riqueza do trabalho tem diminuído. O problema está na perda de poder negocial dos trabalhadores? Com os contributos de @annastansbury, @mcardosolopes e @renatocarmo
Depois de há uns dias termos olhado para o impacto da Peste Negra no poder negocial dos trabalhadores, saltamos alguns séculos para o mundo Covid-19
visao.sapo.pt/exame/analise/…
Se calhar muitos já viram uma versão deste gráfico. Algures a partir dos anos 70, o crescimento da produtividade passou a divergir do crescimento dos salários. Produzimos cada vez mais, mas isso não se tem refletido no dinheiro que levamos para casa
Os dados são dos EUA, mas se olharmos para a totalidade dos países da OCDE, os números mais recentes dizem o mesmo, embora com muitas diferenças entre países
Isto acontece num contexto de progressiva diminuição da fatia da riqueza que fica para o trabalho vs. capital, especialmente visível nas economias avançadas. Estas transformações têm preocupado os economistas.
Há muitas possíveis justificações: avanços tecnológicos, globalização, monopólios das empresas. Mas o que também tem acontecido desde essa altura é um progressivo recuo do poder negocial dos trabalhadores. É essa a hipótese de @annastansbury e @LHSummers
voxeu.org/article/declin…
O que significa isso na prática: menos influência dos sindicatos, diminuição do salário mínimo real, mais ativismo da parte dos acionistas das empresas (na exigência de lucro imediato) e mais práticas de gestão implacáveis
Uma tendência clara desde os anos 70 é a quebra dos níveis de sindicalização um pouco por todas as economias avançadas, com poucas exceções (Coreia e escandinavos, basicamente)
E há muito que se estabelecem relações entre esse declínio e outras transformações, como o crescimento da desigualdade.
voxeu.org/article/union-…
Maior sindicalização está relacionada com maior satisfação e bem-estar dos trabalhadores, tanto nos EUA como na Europa. Nem sempre foi assim. O que mudou?

voxeu.org/article/unions…
De forma muito resumida: embora haja muito menos trabalhadores sindicalizados, os sindicatos fazem o que sempre fizeram (o prémio salarial praticamente não mudou desde os anos 70). O mundo “não sindicalizado” é que parece ter piorado nos últimos anos.
Em Portugal, a realidade é mais complexa. Se é verdade que a % de trabalhadores sindicalizados também caiu muito (de 60%, no final da década de 70, para perto de 15%, em 2016), continuamos a ter uma grande abrangência de contratos coletivos
Só Lisboa não está muito perto ou acima dos 70%
Esta era a realidade pré-Covid. No início da pandemia ainda houve alguma especulação sobre os possíveis efeitos positivos para o trabalho ou, pelo menos, a redução da desigualdade. Esse otimismo está hoje praticamente morto
“Esta pandemia expõe a falta de poder dos trabalhadores nos EUA e em muitos outros países”, diz @annastansbury à @Visao_pt.
E refere em específico os muitos trabalhadores essenciais que tiveram de ir trabalhar sem condições de segurança e higiene e a falta de resultados que greves e protestos tiveram, com grande resistência dos empregadores
Mas @mcardosolopes não está tão certa de que fique tudo na mesma. Mesmo que os avanços não sejam conseguidos nos salários. É possível que o sejam em condições como a flexibilidade horária
Mas num mercado de trabalho tão polarizado como o português, a abrangência da contratação coletiva não conta toda a história. Restauração e hotelaria têm uma abrangência elevada, mas são um dos setores mais precários
E, já agora, onde os salários eram mais baixos.
Se a organização dos trabalhadores já era complicado nesse contexto de precariedade, a pandemia vem ainda dificultar mais qualquer esforço de reivindicação, como nota o @renatocarmo
Há jornalistas da Visão que eu não vejo há meses, novos trabalhadores que nunca vi. Imagino que seja semelhante noutras empresas que estão em teletrabalho ou regimes mistos. É muito difícil isso não ter um efeito na capacidade de organização
Stansbury concorda. “A nova organização de sindicatos pode ser mais difícil se o trabalho a partir de casa estiver para ficar para um grande número de pessoas, porque uma componente importante da organização sindical no passado envolvia interações cara a cara no local de trabalho
Isto é especialmente preocupante para os mais "jovens" ou abaixo dos 35 anos, que estão a apanhar a sua segunda crise *HISTÓRICA* seguida, agora numa posição de ainda maior fragilidade. As feridas abertas agora demorarão literalmente décadas a sarar

visao.sapo.pt/exame/analise/…
Isto num contexto de ascensão do trabalho de plataforma (as Ubers da vida, mas também os sites de microtarefas online), que ameaçam fazer recuar muitos anos os direitos dos trabalhadores
visao.sapo.pt/exame/analise/…
Não é difícil imaginar que os trabalhadores encontrem formas inovadoras para se organizarem. A história do movimento laboral foi feita de adversidades ultrapassadas. Mas, nesta altura, com ou sem vacina, partem em grande desvantagem
visao.sapo.pt/exame/analise/…
(e sim, esta thread vai para os fleets)

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