Com a campeã da corrida das vacinas para COVID-19 Pfizer aprovada e começando a ser distribuída, e logo em seguida a esperada aprovação da Moderna, começa a surgir uma questão delicada nos testes das vacinas ainda em andamento. Fiz esse fio pra gente conversar um pouquinho sobre
Segundo o Conselho Nacional de Saúde, o Brasil tem mais de 370 pesquisas científicas sendo desenvolvidas no âmbito de tratamento e combate à COVID-19, conforme boletim publicado em maio, incluindo testes de fase 3 das vacinas candidatas da Pfizer, Astrazeneca, Sinovac e Jannsen Image
O Brasil tem uma cartilha que reúne os direitos das pessoas que se disponibilizam a serem voluntárias das pesquisas. Essa cartilha está em drive.google.com/file/d/1Wugz2p… e foi baseada nas resoluções CNS no 466/12 e CNS no 510/16, principais orientadoras sobre ética em pesquisa no país Image
Em testes de vacinas, os participantes são divididos em 2 grupos: um recebe a vacina e um recebe um composto sem função (placebo) e nem o participante e nem a equipe envolvida na administração da vacina sabem qual substância está sendo administrada em quem.
Os testes são feitos dessa forma para encontrar diferenças que ocorrem devido a outras questões que não são relacionadas ao composto administrado, por exemplo, efeitos psicológicos e sugestivos como sentir efeitos colaterais da vacina, quando na verdade tomou o placebo
Nos últimos dias, estamos acompanhando os desdobramentos da aprovação emergencial da vacina da Pfizer e polêmicas têm surgido a respeito dos participantes que recebem a vacina placebo nos testes: é antiético que eles estejam desprotegidos em relação aos que receberam a vacina?
Foi publicado no The New York Times nytimes.com/2020/12/02/hea… uma problemática com os participantes que receberam placebo ao invés da vacina da farmacêutica Janssen-Cilag. Os primeiros TCLEs garantiam que os vacinados com placebo seriam priorizados para receber a vacina
E agora, após receberem as duas doses do composto, os participantes teriam sido convidados a assinar um novo TCLE, se comprometendo a continuar participando do estudo sem a garantia do grupo placebo de receber a vacina da Janssen e a não tomar alguma vacina aprovada disponível
A decisão da Janssen vai de encontro com algumas declarações do início de dezembro: 18 especialistas em vacinas - incluindo um pesquisador da FDA, argumentaram que vacinar os participantes dos grupos placebo logo no início seria desastroso para a integridade dos testes.
Segundo eles, se todos os voluntários que receberam as injeções de placebo fossem subitamente vacinados, os cientistas não teriam mais uma métrica de comparação, ou seja, não seriam mais capazes de comparar a saúde daqueles que foram vacinados com os que não foram.
Essas preocupações foram expostas em um comentário no The New England Journal of Medicine, por Richard Peto, um estatístico médico da Universidade de Oxford. Segundo Peto, os participantes dos testes que receberam placebo devem ser o último grupo a receber o imunizante,
ao invés de terem prioridade como foi prometido em alguns testes. Ele também argumenta que, uma vez que um grupo de placebo desapareça dos testes, a chance de coletar mais dados livres de viés sobre as vacinas como a duração da imunidade adquirida pela vacina, desaparecerá.
Por outro lado, as duas empresas na frente da corrida de vacinas dos EUA, Pfizer e Moderna, relataram taxas de eficácia de cerca de 95%. É improvável que esperar que mais voluntários que venham a desenvolver a Covid-19 mudem muito esse número.
O Dr. Anthony S. Fauci, diretor do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, esboçou uma maneira possível de equilibrar a obrigação de manter os participantes que tomaram o placebo com a necessidade de mais dados dos ensaios.
Os fabricantes de vacinas poderiam dar a vacina a todos os que receberam o placebo - ao mesmo tempo que deram o placebo a todos os que receberam a vacina. Nenhum dos participantes do ensaio saberia em que ordem recebiam as doses. Dessa forma, o julgamento poderia continuar cego
A aprovação da Pfizer pode ter um impacto maior sobre os outros dois testes clínicos em estágio final em andamento: Janssen e AstraZeneca. A Janssen espera obter os primeiros resultados em janeiro ou fevereiro - mas isso dependerá de seu grupo de placebo permanecer não vacinado
Enquanto isso, os participantes maiores de 65 anos, por exemplo, já serão elegíveis e terão a vacina aprovada à disposição nos EUA e Reino Unido.
Para tentar superar essa possível evasão dos participantes dos testes, o grupo da Holly Janes, bioestatística do Fred Hutchinson Cancer Research Center, está trabalhando em métodos estatísticos para extrair o máximo de insights dos testes, não importa qual seja seu destino +
Apesar de não ser o ideal do ponto de vista puramente científico, pois se perde a comparação direta entre a vacina e o placebo, é uma tentativa de encontrar um equilíbrio entre fazer o melhor para os participantes e maximizar o valor para a saúde pública que resulta desses testes
outra avaliação que se torna essencial além da eficácia é a de não inferioridade. Ensaios de não inferioridade servem para demonstrar que as vacinas que serão aprovadas depois das primeiras (Pfizer e Moderna) não são inferiores às que já estarão sendo aplicadas na população.
São ensaios que demandam muitos recursos, visto que são necessários até 100 vezes mais participantes do que os ensaios de eficácia, se tornando inviáveis. O que se espera a médio prazo pra contornar isso é o surgimento de correlatos pela Organização Mundial da Saúde +
demonstrando proteção das vacinas por presença de células T ou detecção de anticorpos, por exemplo. A partir do mês de junho os ensaios precisam ser finalizados para evitar essa situação. E no BRASIL?
Aqui no Brasil ainda não temos ideia de como essa questão vai se desenrolar. Apesar de ter saído o Plano Nacional de Imunização hoje (@mellziland nos conta dele aqui/; ) ainda tem muita coisa desencontrada e em aberto.
Estamos vendo uma politização desnecessária das vacinas, incluindo até mesmo debates sobre a origem da vacina que beiram a xenofobia. No momento em que as vacinas forem sendo aprovadas no Brasil, teremos mais essa questão sobre os grupos placebo para discutir +
que se juntará a todos os outros debates que não precisam nem estar ocorrendo. Com isso, corremos o risco de uma questão importante como esta ficar perdida em meio a discussões sem relevância. @mellziland @schrarstzhaupt @TaschnerNatalia @dogarrett @izabellapena1 @oatila

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20 Dec
Material que fiz pra divulgar nas Redes da @analise_covid19 baseado nesse material da @mellziland aqui: encurtador.com.br/hqy01
Que tal uma atualização e apanhado geral das 12 vacinas pra COVID-19 em fase 3, na forma de imagens?🤩
A @pfizer iniciou a campanha de vacinação no Reino Unido em 07/12, tornando-se a primeira empresa a liberar o relatório de aprovação da vacina pelo FDA e iniciar a vacinação! Além disso, esse é o primeiro produto com tecnologia de RNA aprovado para uso em humanos 🥳👫🏻👬🏼👭🏽 Image
A vacina da Moderna não fica para trás e recebeu ontem a aprovação para uso emergencial pelo FDA também! Existe possibilidade de acordo pra essa vacina chegar no Brasil😁 Image
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23 Nov
ox.ac.uk/news/2020-11-2… Vamos de #segundou com #noticia boa? Hoje pela manhã, a Universidade de Oxford anunciou a análise provisória de fase 3 da vacina ChAdOx1 nCoV-2019 ! Segue o fio pra entender melhor:
O anúncio ocorreu após 131 eventos (infecções por Covid-19) num conjunto de 24 mil participantes divididos entre grupo vacinado pra covid e grupo vacinado com MenACWY (vacina segura pra meningite tipo B), indicando eficácia de 70,4% em esquema de 2 doses de vacinação +
Chamou atenção da comunidade científica a questão de terem alcançado 90% de eficácia num esquema alternativo de vacinação, com metade da 1ª dose e a 2ª dose inteira. Ainda sem maiores detalhes, essa opção de metade de dose pode ser uma ótima estratégia na diminuição de gastos +
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21 Nov
1) Que o brasileiro não tem um dia de paz não é novidade pra ninguém. Acordamos hoje com as manchetes escancarando a crueldade humana, daquelas que trazem à tona o rompimento do limite que nos difere “animais racionais” Trago reflexões! Segue o fio
2) O rapaz que foi morto representava um estigma. Não há como fugir disso. Além da cor da pele, o estilo de vestimentas e de características físicas o “enquadravam" como “um sujeito mau caráter” por parte de grande parte das pessoas. Incluindo os assassinos +
3) É tão inacreditável ter que escrever sobre isso em plena véspera de 2021, mas vamos lá... Trago hoje uma inspiração que tenho comigo há um tempo e sempre que releio é uma lição a mais +
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27 Oct
Para "esquentar os tamborins" antes da live da Rede
@analise_covid19 que vai ocorrer amanhã, às 20h no instagram da Rede, que tal conversarmos um pouquinho sobre movimentos anti-vacina e anti-ciência? Quem são? De onde vieram? Do que se alimentam? Hoje, no meu primeiro fio :)
Sobre a história da imunologia, muitos já sabem: ela nasce da coragem do médico naturalista Edward Jenner, que por volta de 1796 conviveu com a varíola, doença que perdurou por 1000 anos na Ásia, dizimando populações locais inteiras e na Europa chegou a matar 400 mil/ano
Jenner ouviu sua intuição e formulou a hipótese de que feridas de pessoas infectadas com uma forma mais branda da varíola, poderiam servir de imunizante em pessoas saudáveis. Após uma série de experimentos, incluindo o próprio filho, ele estabeleu os pilares da vacinação
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