Neste que se inicia continuaremos escutando bastante que algo “está provado”. Mas o que é estar "provado"? O que é, afinal, uma “prova” em ciência?
Aviso, dividirei em mais de um🧵E fios longos, mas espero que sejam úteis! (PARTE 1) +
Certamente, esta é uma discussão que poderia ser bem mais formal e ir bem mais para trás no tempo, para 369 A.C., nos primórdios da epistemologia, quando, conforme nos legou Platão, Sócrates questiona Teeteto, “O que é o conhecimento?” +
Poderíamos também derivar uma ampla reflexão sobre a própria natureza da realidade, a partir das inquietudes trazidas por gigantes da humanidade, os grandes físicos teóricos do início do século XX, Planck, Einstein, Bohr e Schrödinger, apenas para citar uns poucos. +
Mas meu objetivo é bem mais humilde e pretendo fugir a tecnicidade para tentar dar uma ideia geral para um público mais amplo de quando podemos dizer que algo está provado pela ciência, com especial enfoque nas ciências médicas, particularmente, nas intervenções terapêuticas. +
Neste sentido, a primeira coisa a saber é que “prova” nas ciências em geral quase nunca existe. O que há, de fato, é um conjunto de evidências obtidas a partir de experimentos construídos com métodos muito sólidos, capazes de nos permitir observar o comportamento de um fenômeno +
diminuindo a interferência das nossas próprias percepções do fenômeno. A partir desse conjunto de evidências é possível qualificar a interpretação de um achado observado, minimizando ou reduzindo a zero a influência das nossas crenças sobre o que causaria o mesmo. +
Um exemplo, a terra é redonda? Se tivéssemos a capacidade de percorrer à pé toda a extensão do planeta, nossa percepção possivelmente diria que não. Mas, mesmo antes de lançarmos satélites ao espaço, conseguimos construir um conjunto de evidências a partir de experimentos +
que indicavam que sim. Aqui, o conjunto de evidências é tão substancioso e baseados em métodos tão robustos que podemos afirmar que está provado que a terra é redonda, de forma que não há nenhum fundamento para afirmar o contrário, fora uma crença sem fundamentação fática. +
Porém, nas ciências médicas, as chamadas provas muitas vezes são bem mais sutis. As nossas percepções de um fenômeno clínico não são suficientes para fundamentar a indicação de uma conduta, pois são facilmente afetadas por nossas crenças anteriores +
e por uma maneira mecanista de pensar o fenômeno. Um exemplo dessa forma de raciocínio seria: o infarto agudo do miocárdio (IAM) predispõe a arritmias cardíacas, algumas arritmias cardíacas são causas de paradas cardíacas que, se não revertidas, resultam em óbito. +
Parece simples a solução, não? Se dispomos de medicamentos antiarrítmicos deveríamos dar a todos os pacientes com IAM! Este raciocínio baseado no mecanismo da doença nem sempre se mostra verdadeiro quando confrontado com a experimentação adequada para responder esta questão. +
Nesse exemplo, a confrontação com a experimentação mostrou que pacientes com que recebiam preventivamente alguns antiarrítmicos tiveram maior mortalidade do que os que não recebiam. Outros estudos e o conhecimento sobre as drogas posteriormente explicaram este fenômeno. +
Pois bem, com isso queremos dizer que a simples lógica baseada em mecanismo de ação definitivamente não é prova de nada! Ela apenas vai nos permitir gerar uma hipótese que precisará ser testada. +
Outro argumento utilizado para afirmar que algo está provado é a conclusão sobre relações de causalidade entre uma intervenção e um efeito oriundas do que chamamos de estudos observacionais, cujos exemplos mais comuns são os chamados estudo de coorte e estudo de caso-controle. +
Em um estudo de coorte por exemplo você observa a incidência de um evento (por exemplo, óbito) durante um período específico em pessoas que receberam uma intervenção (uma medicação, por exemplo) e a incidência deste evento em um grupo que não recebeu esta intervenção. +
Através de testes estatísticos é possível calcular no caso de uma eventual diferença na incidência do evento entre os dois grupos ter sido observada, qual a chance desta diferença ter ocorrido por mero acaso. +
Convencionou-se nas ciências médicas dizer que quando uma diferença tem 5% ou menos de chance de ter ocorrido pelo acaso, ela é estatisticamente significativa”. Resultados de estudos “estatisticamente significativos” também são muito comumente confundidos com prova científica +
e isso simplesmente não tem sentido por várias razões, sobretudo, se estes resultados derivam de estudos observacionais. A primeira razão para isto é que, mesmo que remota, a possibilidade da diferença ter sido ao acaso não é nula: 5 em 100 ou 1 em 10.000 ainda não é zero. +
A segunda, e menos facilmente compreendida, é que o fato de uma diferença não ter sido observada pelo acaso não significa que ela se explique pela intervenção aplicada a um grupo, mesmo que, aparentemente, essa seja o único fator que distinga dois grupos de pessoas. +
A diferença entre os grupos pode, e isso é muito frequente em estudos observacionais, se dever a um outro fator que está associado aquele grupo de pessoas que recebeu a determinada intervenção e que também está relacionado ao evento que estamos medindo. +
Como em estudos observacionais os pesquisadores simplesmente observam o que ocorreu e não controlam em quem foi administrada determinada intervenção, é comum a interferência de inúmeros outros fatores na decisão de administrar ou não aquela intervenção. +
Além disso, vários componentes do desenho da pesquisa, da condução, da observação, da forma de medir as variáveis podem ser os determinantes para que aquele resultado tenha sido observado. Esses componentes capazes de interferir no efeito são os vieses ou erros sistemáticos. +
Existem alguns procedimentos estatísticos capazes de reduzir o efeito de alguns tipos de vieses de uma pesquisa observacional, como os chamados modelos de análise multivariada, +
porém, vários outros vieses não são afetados por ajustes destes modelos ou, ainda, o viés é tão marcado que mesmo os ajustes com procedimentos estatísticos não são capazes de eliminar o seu efeito no resultado. +
Portanto, estudos observacionais não são “provas científicas” de que o fenômeno X ocorre devido a Y. Estudos observacionais nos ajudam a avaliar a ocorrência de um fenômeno em uma população e podem ser muito úteis como geradores de hipóteses, mas não servem para “provar” nada. +
PARTE 3. Quanto mais evidências de diferenças não esperadas por mero acaso forem sendo encontradas, mas consistência de que aquele efeito é encontrado por aquela causa. +
Mas então é preciso ficar testando indefinidamente para cada vez mais diminuirmos esta probabilidade de ter sido ao acaso o efeito observado? Certamente, não. Aí entrem outros conceitos de probabilidades esperadas a partir do que já se sabe de outros estudos, que vão +
determinar se são necessários novos estudos para comprovar aquelas conclusões ou não. +
PARTE 2. Como são mais fáceis e rápidos de serem realizados, os estudos observacionais muitas vezes frente a uma situação inédita ou inesperada são a primeira base do nosso conhecimento sobre o novo ocorrido e a partir dos seus resultados direcionamos as nossas ações. +
Além disso que foi explicado, um estudo científico precisa ser minuciosamente descrito em todos os seus aspectos. Muitas vezes como ocorreu agora na pandemia, muitos estudos observacionais careciam de descrições às vezes muito básica, +
como por exemplo, quando a intervenção foi administrada de forma que fica impossível sequer averiguar se a administração da intervenção guarda alguma relação temporal com o evento (desfecho) que estava sendo medido. +
Alguns comentários sobre o DC do RS: objetivo do modelo é evitar que os hospitais esgotem sua capacidade de receber doentes. Isso é insuficiente para evitar mortes e por isso observamos a progressão da óbitos no RS nos últimos meses. Uma intro, depois vamos aos exemplos. 1/
1o. ponto que precisa ficar claro e é A premissa falha do modelo: O leito livre não é garantia de sobrevivência. Hospitais sem sobrecarga, maior chance de sobrevivência à covid, conforme bem demonstrado em um estudo americano em 955 hospitais. 2/
Não sou matemático nem estatístico, mas alguns itens são bastante intuitivos ao analisar o que está na metodologia do modelo. Vejamos: 50% da pontuação do modelo depende da capacidade hospitalar, e metade desta vem da variação em relação à semana anterior. 3/
Como acabar com a pandemia? Pergunte ao @GovernodoRS , que criou uma fórmula absurda que é capaz de sair da “bandeira preta” para a “laranja”em 2 semanas. E o melhor, com mais pacientes com covid confirmado em UTI na região Sul hoje (48) do que há 2 semanas (44). 1/3
Também maior ocupação de UTI com pacientes com covid hoje (977) do que há 2 semanas (899). E mais, óbitos em ascensão! Média móvel 56 há 14 dias e 65 hoje! 2/3
O modelo é fracassado. É inacreditável que com tudo que aprendemos nesses últimos meses as decisões dependam de um formulismo arbitrário e sem sentido.
Imagino o q passa na cabeça das pessoas! Assim fica bem difícil. Então, como tenho dito, muito ajuda quem não atrapalha! 3/3
Vacina Pfizer, agora c uma calculadora👉 43.538 participantes, sendo que 38.955 (89.5%) receberam a segunda dose. Desfecho primário: ocorrência de covid 7 dias após a segunda dose. 94 eventos. Incidência cumulativa de 0,21%. Deve-se ter aproximadamente 21.769 em cada grupo. 1/
Foi anunciado q dos 94 eventos mais de 90% eram do grupo placebo. calculo q algo como 85 participantes do placebo desenvolveram covid (incidência de 0,39% IC95% 0,31-0,48) e 9 (incidência 0,04% IC95% 0,02-0,07 no grupo vacina). A razão de incidências (0,04/0,39) = 0,10. 2/
Tendo uma razão de incidências (ou risco relativo) de 0,10, pode-se dizer que em 28 dias a incidência de covid na vacina foi 90% menor que no placebo. O que é muito bom!!! Mas, o 90% de efetividade pode parecer que 90% dos indivíduos vacinados estarão imunes à covid. 3/