Lendo o The Discarded Image de C. S. Lewis, me chamou a atenção a passagem na qual ele afirma que o universo medieval não era escuro, mas iluminado pelo Sol, e não era silencioso.

Ele tinha ali em mente a noção de musica universalis, a harmonia das esferas.
A ideia remonta, segundo as fontes antigas, a Pitágoras.

Plínio, o velho dizia que ele chamava a distância da Terra à Lua de tom, da Lua à Mercúrio de semitom (também a de Mercúrio a Vênus), de Vênus ao Sol de um tom e meio.
Ainda, do Sol à Marte de tom, de Marte à Júpiter de meio tom, de Ainda, de Júpiter à Saturno de meio tom e de Saturno ao Zodíaco de um tom e meio.

No total, sete tons inteiros, que os pitagóricos consideravam ser a harmonia universal.
Plínio não sabia dizer se o som de tal massa em incessante rotação seria alto a ponto de exceder a capacidade de nossos ouvidos, nem se, de fato, existe tal doce música de incrível beleza.

Para nós que vivemos dentro dele, escrevia, o mundo desliza silencioso.
Mas a ideia fez bastante sucesso, especialmente na Antiguidade tardia, aparecendo em autores platonizantes como Nicômaco de Gerasa, Téon de Esmirna, Ptolomeu, Calcídio, Macróbio, Proclo e Boécio.
Daí, passou à Idade Média, tornando-se parte integrante da visão de mundo da época.

Na Idade Moderna, teve grande popularidade, adotada por autores Marsilio Ficino, Pico della Mirandola, Johannes Kepler e Athanasius Kircher.
Por fim, foi deixado de lado pelo racionalismo moderno e sua nova visão de mundo, que havia passado, para usar a expressão de Koyré, de um mundo fechado a um universo infinito.

A Europa platônica, com a leitura do De Rerum Natura de Lucrécio, se tornara epicurista.
É diante dessa negação da sonoridade do cosmos que surge o silêncio eterno dos espaços infinitos que assustava Pascal e que ainda nos assola e nos deixa saudosos dos tempos em que, longe das luzes da cidade, quase podíamos ouvi-la.
(a partir do breve ensaio que publiquei na R. Nott Magazine, n. 21, de outubro de 2015 e que acabo postar no Noites Áticas)

noitesaticas3.wordpress.com/2021/01/13/mus…

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14 Jan
Diante dos debates desta última semana, é oportuno relembrarmos dos dissidentes tchecos do séc. XX e de sua noção de pólis paralela.

Tudo começou em janeiro de 1977, com a prisão de integrantes da banda Plastic People of the Universe. Image
Por causa dela, dissidentes publicaram um manifesto, a Carta 77, que acabaria por dar origem a um grupo de resistência com o mesmo nome.

Nos anos 70, o Estado tcheco passava por uma fase de aprofundamento do totalitarismo e da hiperburocratização.
O regime oferecia paz em troca da obediência passiva e aclamação da ortodoxia partidária, mas condenava ao ostracismo quem ousava questioná-la.

Muitos vivam uma vida dupla, apresentando-se como entusiastas do governo, ainda que, privadamente, estivessem descontentes.
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