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23 Jan, 15 tweets, 3 min read
A diferença entre o termo “trans” e “travesti” não está APENAS na força da palavra.

Eu não conheço a moça que gravou o vídeo, mas existem diversos equívocos e vou apontar alguns deles.

1. Travestis não são mulheres trans que foram marginalizadas.
2. Ao afirmar isso no vídeo, ela desconsidera o processo histórico do movimento social organizado de travestis no Brasil.

Ainda que não tenha sido com essa intenção, acredito que é necessário entender que a identidade travesti tem história. Ela não surge do “nada”.
Desde 1979, o movimento social organizado de travestis materializa a necessidade de organização e mobilização para pensar políticas públicas no Brasil.

São as travestis negras que estão nessa frente.
Sugiro leitura e estudo do ENTLAIDS. Onde estiveram como baluartes as travestis: Elza Lobão, Beatriz Senegal, Josy Silva, Monique Du Bavieur e Jovanna.

Produzir conteúdo é ter responsabilidade e ética. Porque depois que ele está no mundo, pode desinformar.
3. A identidade travesti extrapola a binariedade de gênero. Algumas meninas vão se identificar como:

- Apenas travestis, dentro de um binário;
- mulheres travestis,
- travestis como um terceiro gênero.

Ou seja: não está apenas na força da palavra, são múltiplas formas.
4. Faz anos que importantes ativistas trans e travestis, do Brasil, apontam que a identidade travesti é uma construção latino-americana.
Eu acredito que é importante esse conflito de ideias, mas existe um processo social, histórico e político sendo construído pelas travestis brasileiras.

Por isso, não podemos ignorar o que está sendo dito bem antes de nascermos, inclusive.
5. Existe um recorte racial muito presente quando estamos falando de travestis. Espero e desejo que esse ponto faça parte de um senso populacional produzido pela ANTRA.

Falar sobre travestilidade, é falar de raça e periferia.
6. Travesti não é apenas uma identidade política. Se algumas meninas se identificam como travestis dessa maneira, é uma maneira que elas encontraram de se identificar. Não é regra e nem é única. Por isso, sempre digo que a identidade travesti extrapola definições básicas.
7. As travestis foram sujeitos ativos durante o período da ditadura militar no Brasil.

Como também foram grupos importantes para disputar as narrativas dentro do próprio movimento LGBT.
Por fim, estou escrevendo isso aqui para dizer que não podemos afirmar que travestis são mulheres trans que foram marginalizadas. Não são. Tem história. Tem luta.

No mesmo sentido, são identidades que tem suas similaridades. Entretanto, não deixam de ter suas diferenças.
Acabei esquecendo de adicionar o nome da Jovanna Baby quando disse que desde 1979 o movimento social organizado de travestis vem pensando estratégias políticas.

Jovanna é um dos pilares dessas construção. Esteve - e segue - na linha de frente. O mesmo para Keila Simpson.
Não gosto de ficar falando sobre essa pauta porque acredito que nossas agendas/urgências são outras. Nossas prioridades são outras.

Espero, de verdade, não precisar voltar a falar sobre essa questão. Estou mais interessada em debater várias outras.
E quem conhecer a moça do vídeo, pode falar para ela que não tenho absolutamente nada contra ela, gente. Da mesma maneira que não me interessa qualquer tipo de rivalidade. Tenho certeza que ela não fez por mal. Desejo que ela continue produzindo vários conteúdos.
Vou bloquear qualquer pessoa que chegar aqui para falar, de maneira violenta, da moça do vídeo.

Discordar do vídeo que ela fez não nos dá permissão para tratá-la mal. Respeitem a menina e o trabalho dela. Não confundam as coisas.

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14 Sep 20
JK Rowling, mais conhecida como "autora de Harry Potter", é uma transfóbica assumida. Acabou de revelar que, em seu novo livro, terá um "homem que se veste de mulher para matar". Corroborando e reiterando um imaginário social de mulheres trans e travestis como criminosas.
O que essa mulher está fazendo é inadmissível! Usando o lugar de destaque e de grande repercussão que tem para criminalizar vidas trans/travestis. Sabe muito bem como operar com tecnologias e dispositivos que precarizam, mais ainda, identidades trans e travestis. Ela é perversa.
Não existe cancelamento de JK. O que ela está fazendo é criminoso. É um investimento no que Foucault chamaria de "biopolitica". Um processo de regulação do que se compreende enquanto travesti e pessoas trans. Ou melhor: uma projeção desses sujeitos como assassinos.
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2 Mar 20
Ontem no Fantástico foi exibida uma reportagem sobre "travestis e prisões". Em uma das falas, umas das meninas diz que se sente "mais livre" para ser uma travesti dentro do presídio. É triste compreender que esse é o projeto trasnfóbico que o Brasil construiu para as travestis.
A prisão não é um lugar para viver. Nela existe um processo de precarização das vidas e identidades. A maioria das travestis que estão detidas, segundo a reportagem, estão lá por crime de roubo. Percebam: é um projeto contínuo do que o Foucault chamaria de "fazer morrer".
Ou seja: a produção de regulações sobre a população das travestis, no Brasil, perpassa por algumas instituições de poder. É como se "para ser uma travesti" fosse construída a necessidade de passar por uma instituição de sequestro como a prisão, por exemplo.
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