Uma breve nota sobre a teoria marxista da dependência (TMD).

Muitos camaradas comentaram comigo sobre o último programa do Conexão Xangai e os comentários de @eliasjabbour e @moreira_uallace sobre a TMD. Antes de tudo, aquilo é um vídeo, com os limites de um vídeo.
Não faz muito sentido cobrar o máximo de rigor teórico, metodológico, diferenciações e citações num vídeo e particularmente num vídeo coletivo. Dito isso, sei que Uallace e Elias tem total capacidade de formular críticas bem melhores aos teóricos da TMD. Passando esse ponto.
O vídeo apresenta, ao meu ver, duas caricaturas. A primeira caricatura é a ideia de que a TMD busca explicar a dependência e subdesenvolvimento por fatores "externos" como o imperialismo, divisão internacional do trabalho etc. Aqui temos um erros grave na apresentação das ideias.
Nenhum dos grandes teóricos da TMD - Ruy Mauro, Theotônio dos Santos, Jaime Osório, Vânia Bambirra, Orlando Caputo etc. - pensa o "externo" e o "interno" como entes a priori e que depois vão estabelecer inter-relações de atrito ou cooperação. Repito: nenhum!
Como marxistas, pensam o capitalismo como uma totalidade constituída de outras totalidades em processo de contradição e desenvolvimento, negritando, sempre, que imperialismo não é algo externo as relações de produção dependentes e ao padrão de dominação política.
A ideia de "interno" e "externo" como entes auto constituídos é mais próximo de abordagens cepalinas e desenvolvimentistas. O único dos membros da TMD que pode apresentar esse elemento em sua abordagem é o André Gunder Frank. E Frank se afastou da TMD no decorrer de sua obra.
Convidado todas e todos a conferir, a título de exemplo, o "Capitalismo dependente latino-americano" de Vânia Bambirra e o "Subdesenvolvimento e Revolução" de Ruy Mauro Marini para confirmar o que eu digo (mas, lembrando, isso é só um pequeno exemplo, uma amostra).
A segunda questão, presente na fala de @eliasjabbour em particular, é a ideia de que para os teóricos da TMD, só existe possibilidade de superação do subdesenvolvimento com a revolução socialista. Aqui faço notar três pontos importantes e relacionados.
Primeiro, os membros da TMD não pensavam de forma igual. É importante lembrar que no exílio no Chile, Theotônio foi militar no Partido Socialista e Ruy Mauro no Mir. O que já marca bem as diferenças políticas entre eles. Na volta ao Brasil, Theotônio foi para o PDT de Brizola +
E Ruy Mauro ficou sem organização política. Na obra de Theotônio dos Santos, sem negar a necessidade da revolução socialista, a margem de enfrentamento a dependência via política econômica é bem maior que na obra de Ruy Mauro, por exemplo.
E mesmo não obra do Ruy Mauro, não temos nada como um "revolução socialista já" ou "revolução ou paralisia". Aliás, essa caricatura dos teóricos da TMD como ultra esquerdistas foi feita no Brasil por FHC e José Serra (!!!) e reproduzida por Guido Mantega, Bresser-Pereira e cia.
É até estranho pensar isso de intelectuais, militantes, com arguto senso político e de flexibilidade tática. Convidado, por exemplo, a ler "O reformismo e a contrarrevolução: estudos sobre o Chile" de Ruy Mauro para ver que não existia caricatura e esquerdismo na sua obra.
A segunda questão, é que a história, na América Latina, provocou o acerto de uma tese básica da TMD: sem ruptura com as relações de produção dependentes (revolução), mesmo com avanços pontuais, teremos o desenvolvimento do subdesenvolvimento.
Nenhum teórico da TMD negou a possibilidade de desenvolvimento de setores modernizados na economia ou de existir coisas como a Petrobras disputando até 2015 a vanguarda mundial do mercado do petróleo. Antes o contrário. Explicaram muito bem essa possibilidade.
O que eles colocam, e que está certo na prova da história, é que esses avanços pontuais de política econômica e estratégia de desenvolvimento, sem resolver a questão do poder, não são capazes de coordenar uma estratégia global, coerente e sistemática de superação da dependência.
A superação da subdesenvolvimento não é com mais desenvolvimento capitalista, mas com a superação das relações de dependência, mudando o papel do Brasil na divisão internacional do trabalho e no mercado mundial - mudança de posição que passa por enfrentamentos e lutas múltiplas.
Nenhum país da América da Latina, até hoje, superou a dependência (Cuba é uma exceção e tema para outro momento). Qual é a explicação? Os erros sequências de política econômica? Uma economia que "não aprende"? Basta então aplicar o receituário correto de macroeconomia e pronto?
Aí teríamos que perguntar: por que, então, sempre aplicamos as "políticas erradas"? Ou caímos no idealismo de reclamar de uma abstrata colonização mental, ou no politicismo de dizer que é a eterna falta de uma maioria social pró-desenvolvimento. Mas essas explicações não dizem +
por que estamos sempre no "colonialismo mental" e nem porque nunca formamos essa maioria social pró-desenvolvimento. É a famosa explicação circular que não remete às relações de produção e a dinâmica real de poder (política é economia concentrada!).
Por último, mas não menos importante, desconheço qualquer teórico da TMD que trate os fenômenos da Coreia do Sul e Japão pela chave do "desenvolvimento a convite", reduzindo tudo a um cenário geopolítico favorável frente a necessidade de combater a força dos comunistas na Ásia.
O debate sobre desenvolvimento a convite é bem mais dos teóricos do sistema-mundo, abordagem que não é a minha praia, mas foi a do Theotônio dos Santos, que buscou combinar a TMD com abordagens ala Immanuel Wallerstein e cia. E mesmo na obra de Theotônio, nunca vi nada parecido.
Aliás, e de novo, seria estranho para um marxista buscar compreender um fenômeno a partir de uma explicação de uma única "causa", negando a multiplicidade de contradições, conflitos e interesses que estão postos no real.
Evidentemente, não duvido que existam marxistas da TMD que caiam nessas "explicações" fáceis, mas como nos ensina Antonio Gramsci, na hora de criticar uma tradição, precisamos pegar seus pontos mais fortes e não seus teóricos mais débeis e de menor capacidade.
Duvido, por exemplo, alguém encontrar nos livros de Jaime Osório - para citar apenas um exemplo - uma explicação para o "desenvolvimento" sul-coreano que reduza a dinâmica geopolítica e um "desenvolvimento a convite".
Enfim, a TMD é uma tradição teórica muito rica, complexa, com brilhantes pensadores e pensadoras e tá longe de ser uma corrente teórica que não diz nada para o agora e grita "socialismo já ou nada" e muito menos colocar a culpa em "fatores externos" para nossa dependência.

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More from @_makavelijones

28 Jan
Dica de livros

Como tem muita gente me pedindo dicas de livros de autores da Teoria Marxista da Dependência (TMD), segue duas indicações.

O primeiro livro é o “Ruy Mauro Marini: vida e obra” lançado pela Expressão Popular. Image
O livro contém uma ótima introdução contextualizando a obra de Marini e um relato do próprio falando de sua trajetória. Oferece um bom panorama histórico para quem deseja saber quem foi Marini.
O livro ainda contém o clássico ensaio “Dialética da dependência” e outros escritos geniais do autor, como “Sobre o Estado na América Latina” e “Socialismo e democracia”. É uma ótima introdução ao pensamento desse grande revolucionário.
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27 Jan
O vereador e policial civil Leonel Radde estava numa live me difamando, falando mentiras e destilando um suco de anticomunismo e baixarias (a partir dos 44 minutos). Soube do acontecimento, pedi para entrar ao vivo e confrontei o sujeito +
Ele fez uma AUTOCRÍTICA, pediu desculpas, me cobriu de elogios (desmentindo tudo que tinha falado) e admitiu de forma juridicamente neutra sua fala infeliz de conotação racista: soltou o clássico se "você se sentiu ofendido, se leu minha fala como racista, me desculpa" +
Aí, depois de tudo isso, o cara vai chorar na internet e falar o exato contrário do que falou na live. Então, note, temos DOIS DISCURSOS diferentes na live e outro discurso depois da live, me ameaçando de processo +
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26 Jan
Além de sectário e mentiroso, é um mentiroso burro. Como podem ver na data, meu post é do dia 09 de janeiro. A nota do PT é do dia 13 de janeiro, depois do meu post. Semana passada, no ato que teve em Recife, só falei do PDT e PCdoB pq o PT já soltou posição.
O post do PT provando a data da publicação, dia 13, 04 dias depois que eu postei isso. Ou seja, eu não menti, não omite e nem distorci nada.
Aliás, a nota do PT, para provar a data da publicação:
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25 Jan
Dúvida

considerando o número de votos necessários pra eleição de presidência da Câmara e que o bloco da esquerda/centro esquerda tem, no mínimo 100 votos (quase metade dos votos pra vitória), o programa de Baleia Rossi expressa essa força potencial da esquerda???
Muito se debate sobre fechar ou não com o candidato de Maia, "pragmatismo"/ ou marcar posição, mas eu acho engraçado é como esse bloco da esquerda/centro esquerda, teoricamente, tem quase 50% dos votos pra vitória, mas não conseguiu arrancar nada de concreto. N-A-D-A.
compromisso com auxílio emergencial? NÃO
Rever teto dos gatos? NÃO
brecar privatizações? NÃO
Pautar o impedimento? NÃO
programa de geração de empregos? NÃO

etc.

que pragmatismo é esse que não arranca nada de central tendo quase 50% dos votos pra vitória???
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29 Dec 20
Jornalista chinesa condenada a 4 anos de prisão na China.

Esse é o título de uma matéria que correu o mundo. Ontem não tive tempo de pesquisar sobre o tema. No Brasil, até gente de esquerda e marxistas - trotskistas, como quase sempre - saíram reproduzindo essa história.
Hoje, quando acordei, fui pesquisar. Fiz o procedimento básico: abri 9 sites diferentes sobre o tema e sai lendo. Globo, El País, Estadão, Veja, Folha de SP, Uol, The Guardian etc., tinham matérias quase todas iguais, vindas da agência de notícias AFP.
Mesmo com uma redação quase idêntica, existem algumas contradições. Em alguns sites, dizem que a condenação foi por "provocar briga e confusão" e que esse tipo penal existe no sistema chinês e em outros, dizem que isso é a declaração do advogado de defesa.
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28 Dec 20
A ideia de que o marxismo-leninismo (ML) é apenas "stalinismo" ou se refere apenas ou fundamentalmente ao marxismo soviético tem dois fundamentos: ignorância histórica ou desonestidade . Primeiro, que o termo não foi criação soviética, mas latino-americana. Aliado a isso +
O próprio Stálin falou de marxismo-leninismo pouquíssimas vezes na vida. Alguns falam de 3 e outros de 5 ou 6 vezes. Fora da URSS, ainda nos anos 30, vários comunistas, como os chineses, falavam de marxismo-leninismo com um sentido diferente que o soviético.
Com o mesmo nome, o que os chineses, vietnamitas, soviéticos e coreanos, para ficar apenas nesse exemplo, chamavam de marxismo-leninismo nunca foi a mesma coisa. Ainda cabe completar que autores tão diferentes entre si, em diversos momentos da vida, como (segue a lista) +
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