Lula escolheu começar mostrando face humana, conciliadora e cheia de empatia pelos mais pobres, pelos parentes de mortos na pandemia, sem rancor com seus adversários judiciais. Busca contraste com posição raivosa de Bolsonaro e manda afago a militares e policiais.
Primeira menção internacional do discurso vai para @alferdez, presidente da Argentina, que sempre falou em favor de Lula, visitou-o na cadeia e intercedeu pelo petista em visita ao Para Francisco. Bolsonaro e Fernández terão encontro em 26 de março, em Buenos Aires.
Lula menciona título de cidadão parisiense dado a ele pela socialista Anne Hidalgo no ano passado. Eu estava presente neste dia, e vi Lula dizer aos franceses que a Lava Jato era uma operação da CIA. Andava viciado na piada do "tesão de 30 anos".
No, digamos, "núcleo ideológico" do discurso, Lula faz ironia com terraplanistas e critica Olavo de Carvalho. Não bate de frente com Bolsonaro até aqui, mencionado sempre na diagonal.
Depois de acenar para militares e policiais, Lula agora faz elogio à imprensa e especificamente ao Jornal Nacional. Ex-presidente tempera críticas com elogios. Mantém a porta aberta e abre pontes. Novamente, contraste com críticas indiscriminadas de Bolsonaro à imprensa.
Lula eleva o nível de um debate político que foi rebaixado por Bolsonaro a ofensas rudes, ameaças brutas e termos vulgares. É um ganho para a cultura política e para a democracia no Brasil. Não é só uma questão de forma, mas de fundo. É preciso reconhecer e registrar o contraste.
É um dia apoteótico para Lula e para o PT. Ambos conseguiram reverter boa parte da desvantagem acumulada nos últimos anos, com Mensalão, Lava Jato e impeachment de Dilma. Se reviravolta será completa, ainda é cedo para dizer. Mas o petismo vive seu melhor momento em anos.
Lula tem hoje 75 anos. Se concorrer no ano que vem, será candidato aos 77 anos, um a menos que Biden, considerado por Trump um presidente velho demais. Em 2011, foi diagnosticado com câncer de laringe. No discurso de hoje, a voz falhou. Campanha no Brasil é puxada.
Lula ignorou o tema "corrupção" em seu discurso. Casos de corrupção envolvendo o PT são reais. São também o mote político de Bolsonaro. Conseguiria fazer uma campanha fingindo que o tema não existe?
Meu colega @JRoberto_Castro percebeu algo valioso: discursos de Lula vinham sendo "ignorados ou invalidados, justamente por virem dele. Desde que saiu da prisão, falava e muito pouca gente fora da esquerda prestava atenção". O momento mudou.
Detalhe lateral: Lula sempre foi criticado pelos erros de português e pelo jeito popular. Com Bolsonaro usando chinelo dentro do Palácio do Alvorada, tomando tang e falando em genitália o tempo todo, esse é um argumento que derreteu com o tempo.
"Não tenham medo de mim" foi forte e direto. "Sou radical porque quero ir à raiz dos problemas desse país. Porque quero criar um mundo justo e mais humano" e por aí vai. Lula quer de volta a parte do PIB brasileiro que acreditou em Bolsonaro.
Raro: um político se dizer político. Lula diz que é político, que quer ser reconhecido na rua, quer aparecer nas pesquisas, porque depende disso para existir como político. Contraste com o modelo em voga do outsider apolítico.
"Um país não pode encontrar soluções apenas dentro das suas fronteiras", diz Lula logo após ter dito que a Venezuela é assunto dos venezuelanos. Também criticou intervenção americana no Haiti. Lula mandou e manteve tropas brasileiras por 13 anos lá.
É verdade o que Lula fala sobre o Sucatão, antigo avião presidencial. Vim a bordo desse avião de Porto Príncipe para Brasília, em 2010 ou 2011. A turbina esquerda pegou fogo no meio do caminho. Usei a LAI para saber quantas vezes isso acontecia. Não me responderam.
Lula criticou Guedes (reformas liberais), privatizações de empresas públicas e autonomia do Banco Central. O petista pode até buscar interlocução com outros setores, mas, claramente, a conversa tem limites. José Alencar morreu em 2011.
Resumo da ópera: Lula goza de boa vontade. Emergiu como injustiçado, fez discurso ponderado e estendeu pontes a militares, imprensa e empresários. Ficou parecendo a figura madura do jardim de infância. Resta saber quanto dura o clima e qual serão as respostas dos outros lados.
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Quero contar uma história. O dia 11 de maio de 2017 foi uma 5ª. Como repórter especial do @NexoJornal, acompanhei o depoimento de Lula ao juiz Sergio Moro no caso do tríplex. Saí da redação com o dia amanhecendo, depois de analisar as cinco horas de depoimento. 1/14
Hoje revisitei o texto escrito naquela madrugada. O depoimento não foi ao vivo. A 13ª Vara só liberou os vídeos depois do fim da conversa entre Moro e Lula. Por isso, atravessei a noite trabalhando. É importante rever a cobertura, à luz das críticas feitas à imprensa hoje. 2/14
Meu texto é público, obviamente, e está disponível para leitura no link abaixo. Cada um pode ler e tirar suas conclusões. A minha é a seguinte: não lembro de ter produzido um relato mais equilibrado sobre política brasileira em toda a minha vida. 3/14 nexojornal.com.br/expresso/2017/…
Minutos depois do discurso de Lula, Bolsonaro, grande antagonista político nas projeções para 2022, se pronuncia no Planalto. Presidente diz que criou o "maior programa social do mundo" e se antecipou na compra por vacinas, o que contraria relato dos próprio laboratórios.
Bolsonaro enaltece vacinas, não minimiza pandemia, não critica a China, não fala em mimimi, não chama brasileiros de maricas e alerta para o fato de que vacinados também podem contrair o vírus. Discurso do presidente bascula radicalmente. Fala em apoiar "vizinhos na Am do Sul".
Bolsonaro troca "atendimento precoce" por "atendimento imediato". Recomenda coquetel de remédios cuja eficácia não é comprovada e cita amostragem informal de funcionários públicos que teriam se salvado graças a produtos como a cloroquina.
O Brasil deve ter um tipo muito peculiar de caçador – o sujeito que compra 60 revólveres e pistolas, em vez de usar rifles e espingardas, como se faz em outras partes do mundo. Armas de cano curto são feitas para matar pessoas num alcance ideal de até 7 metros. Caça é conversa.
“No Reino Unido, você pode legalmente ter um rifle ou uma espingarda, mas você não pode ter uma arma curta”, me disse ontem, por telefone, o pesquisador americano Aaron Karp, um dos maiores estudiosos de dados sobre produção e comércio de armas no mundo.
“Na Índia, por exemplo, é possível que uma pessoa tenha até três armas, e é muito comum nesses casos a pessoa ter uma arma curta [pistola, revólver], um rifle e uma espingarda. E a Índia não faz distinções entre praticantes de tiro esportivo ou outros cidadãos”, disse.
Fiz oito perguntas ao chanceler @ernestofaraujo com o compromisso de publicar a íntegra de suas respostas, sem edição. O resultado foi publicado hoje e pode ser lido abaixo. Na sequência, faço alguns comentários sobre os bastidores. 1/6 nexojornal.com.br/entrevista/202…
Essa entrevista é resultado de mais de 60 dias de tratativas, período no qual o @ItamaratyGovBr tentou saber de antemão quais seriam as perguntas, para só então decidir se concederia a entrevista ou não. 2/6
Quando o ministro passou a fazer ataques à imprensa, aplaudindo o discurso em que o presidente Bolsonaro manda os jornalistas "à puta que o pariu", resolvi contar numa thread que Ernesto criticava a imprensa em público, mas vinha fugindo de entrevistas nos bastidores 3/6
Como jornalista, tive incontáveis pedidos de entrevista negados ao longo da carreira. Isso é normal. Mas a última negativa é digna de nota, porque revela a essência do atual governo brasileiro. Hoje faz 50 dias que pedi uma entrevista ao @ItamaratyGovBr. Veja só: 1/15
A proposta era simples: saber "qual o sentido da nova política externa brasileira", tal como havia sido chamada em seminário pelo presidente da @FunagBrasil, o sr. Roberto Goidanich. Se havia um conceito sobre "a nova ...", eu queria saber qual é. 2/15
A entrevista podia ser com o sr. Goidanich ou com qualquer outra autoridade do Itamaraty, incluindo o próprio chanceler @ernestofaraujo. Qualquer um que me explicasse o que é a "nova política externa brasileira", tal como anunciada. 3/15
Bolsonaro queria impedir que as empresas que participarão do leilão do 5G no Brasil usassem estruturas da chinesa Huawei. Voltou atrás, como mostra relatório com as regras do leilão, concluído ontem. Ernesto insiste em dizer que a liberação das vacinas não teve condicionantes.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, foi peça-chave na negociação vacinal com os chineses. Qual seria o papel de um ministro das Comunicações numa conversa sobre saúde e acesso a vacinas e outros insumos médicos? Faria deve visitar a Huawei na China em fevereiro.
Do lado do governo, não há problema nenhum em negociar e ceder. Diplomacia serve para construir essas pontes possíveis. O problema é Bolsonaro e Ernesto fingirem que não topam a China, agitando suas bases pela via de uma intransigência ideológica fajuta.