Bom dia. Postarei um fio sobre a agressividade desproporcional destilada nas redes sociais e que envolve agrupamentos políticos distintos. Os alvos nem sempre são os inimigos ou adversários, mas os que sugerem uma leitura crítica sobre a realidade e sobre as correntes políticas.
1) Não se trata de constatação estranha o fato das redes sociais acolherem ataques extremamente agressivos. Postagens amorais são frequentes revelando um total descontrole emocional.
2) Bolsonaristas são campeões dessa prática, mas outros agrupamentos políticos – mesmo aparentemente progressistas – têm seus cães de caça a postos para atacar os que não pensam como eles ou até os que sugerem uma reflexão mais crítica sobre seu próprio campo político.
3) William J. McGrath, historiador da Universidade de Rochester que se dedicou aos estudos da cultura política austríaca e da vida e teoria de Sigmund Freud, lançou em 1988 o livro “Política e Histeria”.
4) O livro é extremamente interessante e me fez refletir o quanto a histeria coletiva faz com que o raciocínio seja substituído pelos slogans e pela mera propaganda. O que sugeriu um link com o comportamento irracional que é percebido nas redes sociais brasileiras.
5) Para ter efeito, este tipo de estímulo à histeria precisa operar a política no campo do imaginário. O imaginário, lembremos, é a dimensão não organizada que procura criar alguma lógica na associação de imagens.
6) No imaginário, consciente e inconsciente interagem num esforço de interpretação. Não há uma ordem necessária nesse tipo de interpretação, mas sensações que indicam uma intuição ou flash por onde uma luz passa a iluminar a leitura sobre um acontecimento.
7) Talvez, valha a pena lembrar o alerta de Freud sobre o inconsciente quando afirma que se trata de “uma terra estrangeira interior”. Portanto, uma sociedade que é afetada por estímulos que atuam no campo do imaginário é uma sociedade excitada, pouco reflexiva
8) Nessa dimensão, como sugere Carlos Aveline ao resenhar o livro de McGrath, “os bodes expiatórios, políticos ou religiosos, são necessários para que o sentimento coletivo de frustração seja projetado sobre algum objeto externo, o que produzirá uma falsa sensação de alívio.”
9) Ingressamos, assim, no turbilhão da satisfação sadomasoquista: o sofrimento que tantos incautos sentem leva, pelo estímulo externo que opera sobre seu imaginário, ao ataque para que outros também sofram. Uma espécie de autossabotagem ao contrário.
10) Na autossabotagem, aquele que sofreu um trauma profundo pode alimentar a mesma cena que o traumatizou com outros, sem mesmo perceber.
11) É o caso do pai que foi abandonado por seu próprio pai aos 10 anos e começa a pensar em abandonar a família que constituiu na medida em que seu filho se aproxima da fatídica idade dos 10 anos. Um movimento circular de sofrimento sadomasoquista que projeta o sofrimento passado
12) Numa situação emocionalmente contaminada como essa, não há diálogo ou moderação possível. Foge do autocontrole ou do controle das pulsões. O que leva à descarga de emoções confusas que se projeta contra um Outro que se apresenta racionalmente à sua frente e pede reflexão.
13) Portanto, numa situação como a que estou descrevendo sob a luz de William McGrath, a intolerância dos grupos autorreferentes (tribos ou bolhas sociais) à crítica ou autorreflexão impede uma leitura objetiva e racional da realidade.
14) Émile Durkheim já havia nos explicado como funciona a lógica dos pequenos grupos. Forja-se uma aliança emocional tão potente que seus membros abandonam sua consciência individual (de racionalidade ou autonomia) para se entregarem aos valores coletivos.
15) Durkheim sugeria que, nessa situação, a consciência coletiva engloba e domestica a consciência individual: cada um é o todo. Refletir sobre o todo significa trair a tribo e, por esse motivo é que é preciso criar jargões e vestimentas
16) Na solidariedade mecânica, o nome que Durkheim dá para esse fenômeno, cria-se um ambiente de previsibilidade em relação ao comportamento dos membros do grupo. Basta olhar o visual de um punk para sabermos que seu comportamento seguirá um certo roteiro.
17) Carlos Aveline sugere que “líderes eficientes estimulam o respeito mútuo. Eles dão o exemplo da simplicidade voluntária, da atitude construtiva, da boa vontade e da cooperação.”
18) Pois bem, ciristas, identitários e bolsonaristas têm em suas referências de liderança personagens que destilam discurso beligerante. São líderes que se fazem pela negação do Outro, pelo combate ao Outro, pela autoafirmação a partir do Outro.
19) Aqui, portanto, temos uma explicação provável. Mas, e no caso dos lulistas? De onde viria tanta agitação mental e intolerância à reflexão e à crítica como se verifica com certa frequência nas redes sociais?
20) Se não são todos, ao menos uma parte relevante dos lulistas que se expressa nas redes sociais parece tomada por uma angústia com o passado recente (do impeachment de Dilma à prisão de Lula) que os desautoriza à luta política.
21) Numa situação de sofrimento social – como uma guerra ou uma pandemia -, a capacidade para se recompor e atuar racionalmente sobre a catástrofe é essencial para a superação da crise.
22) Mas, o que teria feito tantos seguidores e apoiadores de Lula não conseguirem se recompor emocionalmente para enfrentar a jornada seguinte? Sugiro que seja algo entre a bonança e o trauma.
23) Com o lulismo, a base social do PT se ampliou. Pela primeira vez, os grotões do país compreenderam o que o discurso petista – ou lulista – projetava como um outro país. Muitos se identificaram e se alinharam com Lula. Como líder e como sinal de uma nova Era.
24) De 2003 a 2015, ocorreram percalços nas gestões lulistas, mas o saldo positivo sempre foi repisado por lideranças petistas. O estímulo à construção de um imaginário de paz social e aproximação de um mundo idealizado foi constante a partir de 2006.
25) Essa descarga emocional de satisfação e tranquilidade se aproximou de uma leitura apolítica da história. Como se a história das disputas tivesse sido suspensa naquele período. “Toda oposição será perdoada” (desde que liderada pelo lulismo) caberia perfeitamente como slogan
26) A partir daí, essa visão idílica do Brasil desarmou corações e mentes. Não havia mais lugar para a malícia e o confronto nos embates políticos. De tal maneira que, a partir de 2013, o castelo começou a desmoronar.
27) A “Pax Social” deu lugar à virulência e violência dos empresários paulistas, da direita jovem (o que fez tantos lulistas se perguntarem que juventude era essa) e, mais adiante, ao tsunami político da extrema-direita.
28) Percebo em vários comentários nas redes sociais ou lives sobre política como essa parcela lulista anseia para a volta dos anos dourados. Ficam assustados em saber que mais de 10% dos brasileiros destilam valores de extrema-direita.
29) Essa parcela lulista se assusta que Bolsonaro tenha apoio de 25% dos conterrâneos. Nem mesmo percebem que este é um percentual inferior ao total dos alemães de extrema-direita, aos franceses de extrema-direita e ao que acontece em tantos outros países
30) Nesses países, a despeito desse contingente de fanáticos, os valores democráticos e até de esquerda avançam, se recompõem e se impõem gradativamente. Não percebem que essa é a realidade com a qual devem operar.
31) Caso contrário, a espera da “volta ao futuro” os transformará em lulistas passivos frente ao mundo real.
32) Assim, lulistas parecem traumatizados pelo fim do Paraíso que parecia instalado no Brasil. Algo desmoronou na lógica irracional de interpretação do mundo e de localização dos desafios políticos.
33) A história retornou e, com ela, os embates e contradições ferozes das forças políticas antagônicas. Agora, a morte de César, as guerras lideradas por Napoleão e os escritos do cônsul Maquiavel fazem mais sentido e se alinham com a disputa política no nosso país.
34) Mas, para alguns, é doído demais perceber que o mundo não se faz somente por um lado da moeda política. Ela se faz pelo conflito. E pelo confronto.
35) Esse aprendizado já era para ter se cristalizado na mente de todos os lulistas. Mas, infelizmente, parte deles continua atônita e revoltada. E se joga numa tarefa inglória: não se reorganiza contra os inimigos. E muitos se revoltam contra os que criticam seu mundo. (FIM)

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24 May
Bom dia. Outro dia, retruquei uma postagem de alguém que dizia que não gostava de gente que tocava no seu corpo enquanto conversava. Como estou assustado com essa onda puritana que vem dos identitários ("não me toque, não me rele"), contestei. Mas, acho que fui superficial Image
1) O primeiro argumento que quero apresentar é o da "descorporificação" que a internet promove. Retomo aqui as teses do canadense Arthur Kroker em seu livro "Data Trash", de 1993. A tese central de Kroker é que a internet recalca o corpo e as relações sociais. Image
2) O humano se resumiria, para Kroker, aos "dedos agitados". O corpo fica paralisado, as relações sociais ficam suspensas pela decisão de continuar na tela ou mesmo de reduzir a atenção ao olhar em várias telas ao mesmo tempo. Ora, isso não é exatamente relação social Image
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11 May
Bom dia. Postarei, em seguida, um fio sobre um tema que me incomoda nos últimos tempos: o raciocínio simplista, principalmente nas redes sociais. A leitura do livro de Franco Berardi (que soube da existência pelo Eduardo Brasileiro). Lá vai o fio:
1) O livro de Berardi trata de algo que o professor do Departamento de Ciência da Computação, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Valdemar Setzer, vem tratando há muito tempo: nossa percepção sobre o mundo está muito reduzido à lógica binária)
2) Na explicação Wikipedia: "Na programação de computadores, a lógica binária, ou bitwise operation, opera em padrões de bits ou números binários. É uma ação rápida e simples, diretamente suportada pelo processador, e é usada para manipular valores para comparações e cálculos"
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22 Apr
Bom dia. Decidi dar umas dicas para os lulistas fanáticos que aparece por aqui. Não são "lições", mas toques. Venho percebendo o pêndulo maníaco-depressivo que os acomete há alguns anos. Lá vai:
1) Do que trata esse pêndulo emocional que citei na introdução? Trata-se de falta de equilíbrio para se posicionar frente às adversidades e oportunidades abertas. Com Lula na jogada, os fanáticos acreditam que estamos próximos do Paraíso; sem Lula, próximos do inferno
2) Ora, do ponto de vista político, a história tem a forma de uma elipse: ela parece retornar, mas, na verdade, "volta" em outro patamar de disputa. Na prática, uma força política instiga a outra, de maneira que a vitória parcial recebe logo adiante uma resposta.
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20 Apr
Prometi um fio a respeito dos dados apresentados pela pesquisa INFÂNCIA E PANDEMIA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE desenvolvida pela Faculdade de Educação da UFMG. Lá vai:
1) A pesquisa foi coordenada por Isabel de Oliveira e Silva, Iza Rodrigues da Luz e Levindo Diniz Carvalho, pelo
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Infantil e Infância (NEPEI) da UFMG. Buscou compreender as formas pelas quais as crianças vivenciam a pandemia
2) Foram mais de 2 mil crianças de 8 a 12 anos de idade contatadas para responder um questionário de 21 questões e, depois, pouco mais de 30 delas selecionadas para uma entrevista em profundidade
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7 Apr
Bom dia. Quero explicitar minha profunda discordância com uma frágil ideia que é postada regularmente nas redes sociais que o governo atual tem um projeto. Parte desse projeto seria a promoção de mortes. Não há o menor sentido nessa observação. Vamos a um mini fio
1) Primeiro: parece doer na alma de certo segmento do campo progressista admitir que perdemos em 2018 para um dos mais incompetentes políticos que já nasceu em solo brasileiro. Para superar esse trauma, criam uma sombra de gigante
2) Não. Bolsonaro não tem projeto algum. Se analisarmos a composição instável de seu governo, perceberemos que ele isolou politicamente o atual ministro da defesa. Ou seja: rachou o campo militar. Os seus ministros "ideológicos" estão caindo de maduro, um a um.
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4 Apr
Bom dia. Ontem eu estava realmente irritado e desanimado com tanta notícia ruim em nosso país e total falta de engajamento nosso, cidadãos brasileiros. Acordei muito cedo neste domingo da ressurreição ou Domingo de Páscoa, e fui ler um livro que ganhei do Rogério de Campos Image
1) Um livro divertidíssimo. Rogério é diretor editorial da Veneta e foi o responsável pela chegada dos quadrinhos europeus ao Brasil na década de 1980 e dos livros anarquistas e vanguardistas da editora Conrad. Esse “O Livro dos Santos”, lançado em 2012, parece obra de ficção.
2) São pequenas histórias de 250 santos distribuídos em mais de 300 páginas, em edição de luxo, com capa dura. Acontece que as histórias de cada santo são tão inusitadas que fui consultar na internet para saber se eram reais. E... são !!!
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