Tenho acompanhado a história dos corpos de 215 crianças indígenas encontradas em uma escola missionária no Canadá. Escrevi uma longa reportagem há alguns anos sobre como essas escolas existiram no Brasil e deixaram traumas até hoje. Segue o fio 👇 bbc.com/portuguese/int…
Depois da descoberta da vala comum, o governo Canadense prometeu exumar os corpos para identificá-los. O país colocou as bandeiras em meio mastro. O Primeiro Ministro pediu que a Igreja Católica se desculpe. O Papa Francisco apenas “lamentou” g1.globo.com/mundo/noticia/…
No Canadá, os internatos funcionaram de 1890 a 1969, geridos pela Igreja Católica. Para “inserir os indígenas na sociedade canadense”, elas eram obrigadas a falar inglês e proibidas de falar a própria língua. Eram torturadas, havia abuso sexual, e pelo menos 6 mil morreram.
O governo canadense está agora agindo a respeito disso. Existiu uma Comissão da Verdade no país para investigar o tratamento aos povos nativos. Organizações indígenas querem que todos os internatos sejam investigadas para ver se encontram mais corpos. bbc.com/portuguese/int…
Aqui no Brasil, as escolas salesianas faziam exatamente a mesma coisa na Amazônia. O governo federal patrocinou essa política e jamais sequer pediu desculpas.
Eu descobri a história das escolas missionárias salesianas quando estava investigando um surto de suicídios entre os indígenas do Alto Rio Negro, no Município de São Gabriel da Cachoeira – o mais indígena do Brasil . apublica.org/2015/05/sao-ga…
Para tentar entender esse fenômeno, passei 20 dias em São Gabriel e conversei com todo tipo de gente: indígenas, não indígenas, mães daqueles que se mataram, pastores, padres, xamãs, funcionários da prefeitura, antropólogos, médicos, assistentes sociais.
Quem me chamou a atenção para a realidade das escolas salesianas foi uma senhora indígena Tukano, que ficava o dia todo na janela, pois vivia em uma cadeira de rodas. Dona Elza foi aluna de uma dessas escolas. ““Não deixavam a gente falar nossa língua, não”, diz a dona Elza.
Por ser apanhada falando Tukano, as freiras a fizeram andar uma tarde toda diante das outras alunas, carregando nas costas a placa: “Eu sou o diabo”. Outra vez foi pior. Roubou um pedaço de pão da cozinha, um pecado mortal, e teve as unhas cortadas até sangrar por uma irmã.
Tampouco podiam falar com os meninos, como eram acostumados nas aldeias. “A gente não podia nem olhar pra cima, na hora da missa, imagina isso. A gente tava acostumado tudo junto”, diz dona Elza, e ri da malvadeza das irmãs católicas
A Congregação Salesiana chegou ao rio Negro com carta branca e financiamento do governo federal para educar e catequizar os indígenas, integrando-os à “civilização brasileira”. As escolas funcionara de 1920 a 1980
Segundo estimativas da imprensa da época, havia mais de 200 padres e freiras salesianas, grande parte europeus, nas sete missões nos rios Negro, Uaupés, Içana e Tiquié. Segundo uma reportagem da Folha de S. Paulo de 1980, internatos chegaram a receber 4 mil crianças naquele ano.
Os padres passavam de aldeia em aldeia recolhendo crianças de 6 ou 7 anos para serem levadas aos internatos. A ideia era separá-las dos pais para salvá-las da herança “pecadora”, em quase tudo repleta do diabo. As malocas, símbolo da vida comunitária, foram destruídas .
Nos internatos a vigilância era constante até mesmo sobre os hábitos de higiene – desde usar banheiros até banhar-se de roupa nos rios. Os castigos eram comuns: palmatória, ficar de joelhos durante horas, comer sal. As meninas tinham os cabelos cortados e os meninos, raspados.
Recebiam uniformes numerados, com os quais eram identificados durante os quatro anos de formação, sempre nos moldes europeus: o corpo todo coberto, elas de vestidos de manga cumprida, eles de camisa e calça.
Despertavam às seis para ir à missa, assistiam às aulas durante toda a manhã e à tarde faziam esportes e trabalhavam duro na roça, limpando as igrejas, ou nas oficinas de carpintaria e costura.
Faziam, ainda, inúmeros exercícios em fila militar, às vezes segurando fuzis, para “formar o caráter”, como se vê nas filmagens reproduzidas aqui, do documentário Remições do rio Negro, dirigido por Erlan Souza e Fernanda Bizarria.
Em 1958, em visita a comunidades no rio Uaupés, Juscelino Kubitschek escreveu: “Os salesianos fazem surgir no meio da selva virgem e secular o novo Brasil, criando uma geração nova (...). Aos salesianos os meus aplausos e meu propósito de auxílio e cooperação durante meu governo”
Além de disporem de uma mão de obra baratíssima – eram os índios que construíam as novas escolas, igrejas e missões –, “inseriam” os jovens indígenas na sociedade manauara como bons empregados.
“Hoje, em Manaus, a família que necessitar de uma empregada pode se dirigir à sede dos salesianos na cidade, que logo vai conseguir uma índia para trabalhar como doméstica em Manaus”, descreve reportagem da Folha de S.Paulo de março de 1980.
“Por causa desse cruel processo, os prostíbulos de Manaus estão repletos de índias que perdem sua virgindade nas casas de famílias ricas de Manaus e acabam sendo deixadas abandonadas nas ruas”, finaliza a reportagem da @folha .
Essa imagem, também do documentário “Remições do Rio Negro”, revela a extensão da violência que esses internatos representavam. Basta observar como se comportam os corpos livres.
Foi apenas nos anos 1980, já no final da ditadura, quando lideranças indígenas como Álvaro Tukano, e organizações como o Conselho de Povos Índios da América do Sul, passaram a denunciar a opressão salesiana, que os internatos foram substituídos por escolas públicas. /
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Vamos falar de militares que não foram punidos? Há anos que o Exército brasileiro trabalha arduamente para manter impunes seus soldados que matam e ferem civis. Quer conhecer alguns casos? Segue o fio 🧵
1.Evaldo Rosa e Luciano Macedo foram fuzilados com mais de 80 tiros por 9 soldados no dia 7 de abril de 2019. Até hoje o caso não foi a julgamento. apublica.org/2021/04/dois-a…
Como mostramos nessa reportagem, a Operação Militar que levou à morte de Evaldo era ilegal. O general que assinou a ordem jamais foi punido, embora procuradoras militares tenham pedido uma investigação apublica.org/2020/04/exclus…
Não é por nada não, mas daqui a pouco a @agenciapublica vai quebrar a banca de novo com uma tremenda investigação sobre abuso sexual. Fiquem de olho! 🧐
EXCLUSIVO. A Agência Pública ouviu capoeiristas que denunciam mestres de um dos maiores grupos do país, Cordão de Ouro, por abusos sexuais cometidos desde a década de 70. Os crimes teriam acontecido quando eram crianças ou adolescentes. apublica.org/2021/06/capoei…
Os relatos são parecidos: alunos em situação de vulnerabilidade social e que pretendiam seguir carreira na capoeira, eram assediados, sofriam abusos ou eram levados a acreditar que só viajariam e se tornariam professores se aceitassem entrar para o esquema de exploração sexual.
As revelações de abusos seriais de Samuel Klein e o fato de terem acontecendo por duas décadas sob um “pacto de silêncio” me fizeram pensar sobre como até pouco tempo nós – todos nós – normalizávamos a violência contra mulheres 👇
Resolvi compartilhar aqui uma fase ruim da minha vida, que aconteceu quando eu tinha 20 anos, ou seja, nos anos 2000. Eu havia acabado de sair da casa dos meus pais para morar sozinha, numa casinha de fundos na Vila Madalena. (+)
Eu estava “ficando” (se diz isso ainda?) com um conhecido, um amigo querido na verdade, carinha legal, artista, bem conhecido de todas as minhas amigas. E chegou uma hora em que decidi não ficar mais com ele. (+)
Em dia de julgamento sobre a parcialidade de Sérgio Moro, vale dar uma lida nesse estudo do Dieese (@dieese_online) sobre os impactos na economia causados pela Lava-Jato. Resumi aqui alguns pontos do estudo, que foi encomendado pela @CUT_Brasil 👇
Resumo:
- Lava Jato custou 4,4 milhões de empregos e 3,6% do PIB, segundo o Dieese
- Deixou-se de arrecadar R$ 47,4 bilhões de impostos e R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre a folha.
- Afetou principalmente os dois setores mais afetados: petróleo e gás e construção civil
Esse gráfico mostra claramente a redução de investimentos em exploração de produção da Petrobras a partir de 2014 (a queda no preço do petróleo também contribuiu, claro). R$ 172,2 bilhões deixaram de ser investidos no país de 2014 e 2017.
"É muito tempo e o Brasil e o mundo merecem uma resposta" sobre o assassinato de Marielle Franco, diz Anielle. "Eu não entendo a falta de respostas para algumas coisas"
"Esse caso eminentemente se transformou num caso político", diz o professor José Cláudio Souza Alves