Finalmente liberadas as gravações que a NASA fez das experiências realizadas com o tenente da Marinha John Smith para testar o comportamento humano em condições de isolamento por longos períodos de tempo, iguais ao que o homem terá que enfrentar na exploração do espaço.
O tenente Smith foi escolhido pelas suas perfeitas condições físicas e mentais. Foi colocado dentro de um simulador de voo com comida bastante para dois anos e os instrumentos que normalmente levaria numa missão, inclusive um computador.
Todos os dias Smith teria que fazer um relatório verbal para que seu estado fosse avaliado. O que segue são trechos das gravações feitas dos seus relatórios. Primeiro dia. “Meu nome é John Smith. Estou ótimo. Passei todo o dia me familiarizando com este meu pequeno lar.
Já desafiei o computador para uma partida de xadrez. Acho que nos daremos muito bem. (Risadas.) Só tenho uma queixa: esta comida em bisnagas não se parece nada com a comida de mamãe… (Risadas.) Dois mais dois são quatro. Encerro”.
Uma semana depois. “John Smith aqui. Continuo muito bem. Ainda não consegui vencer nenhuma partida de xadrez deste computador. Acho que ele está trapaceando. (Risadas.) Três vezes três é nove. Encerro”.
Um mês depois. “(Risadas.) Meu nome é John maldito Smith. Tudo bem. Um pouco entediado, mas tudo bem. Consegui finalmente ganhar uma do computador, embora ele negue. Vou ter que derrotá-lo de novo para convencer este cretino.
Calculei mal e já comi todas as bisnagas de torta de maçã. Agora só tem o maldito limão. Dois vezes três são, deixa ver. Seis. Quer dizer… Não. Está certo. Seis. Encerro”.
Dois meses. “Vocês sabem quem eu sou. John qualquer coisa. Não aguento mais a arrogância deste computador. Ele não é humano! Insiste que me deu xeque-mates inexistentes e se recusa a admitir que está errado. Tivemos uma briga feia hoje. Dois mais dois são… sei lá. Encerro”.
Quatro meses. “Alô. Tenho provas irrefutáveis de que o computador está tentando boicotar esta missão! Ouvi claramente ele dizer alguma coisa desagradável sobre mamãe. Canta Strangers in the Night em falsete e não me deixa dormir. Não me responsabilizo pelo que possa acontecer.
Estou muito bem, lúcido e bem disposto. Com licença que estão batendo na porta”.
Sexto mês. “Meu nome é Smith. Maggie Smith. Por hoje é só”.
Oitavo mês. “(Risadas)”
Nono mês. “Smith aqui. Aconteceu o inevitável. Matei o computador.
Estávamos com um problema, onde colocar as bisnagas vazias, e ele fez uma sugestão deselegante. Agora está morto. Não tenho remorsos. Ontem recebi a visita de um vendedor de enciclopédias. Não sei como ele conseguiu entrar aqui. Dois mais dois geralmente é nove. Encerro”.
Décimo mês. “Meu nome é Brown ou Taylor. Um mais um é umum. Dois mais dois, não. Iniciei um projeto importantíssimo. Com as bisnagas vazias e partes do computador, estou construindo uma mulher”.
Um ano. “Redford aqui. Sinto falta de um espelho para poder ver a minha barba, que está bem comprida. A mulher que fiz de bisnagas vazias e partes do falecido computador ficou ótima mas, infelizmente, nossos gênios não combinavam. Ela foi para casa de seus pais. Dois mais dois…”
Décimo-quarto mês. “Minha barba está tentando boicotar a missão! Faz um estranho barulho eletrônico e várias vezes já tentou me estrangular. Deve ser comunista. Começaram a chegar as enciclopédias que comprei. Tenho jogado xadrez comigo mesmo e ganho sempre”.
Décimo-quinto mês. “Aqui fala Zaratustra. Atenção. Encontrei pegadas humanas dentro da cabine. Estou investigando. Mandarei um relatório depois. Duas vezes três é demais. Encerro”.
No dia seguinte. “Grande notícia. Há outro ser humano dentro da cabine! Seu nome é Smith, John Smith, mas como o encontrei numa terça-feira o chamarei de 'Quinta'. Ele não fala, mas joga xadrez como um mestre. (Risadas). Talvez tenha que matá-lo”.
Neste ponto, os cientistas da NASA acharam melhor abrir a cápsula. Encontraram Smith com as mãos em volta do próprio pescoço gritando: “Trapaceiro! Trapaceiro!"
A pequena Capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria é uma das tantas joias arquitetônicas de Ouro Preto. O exterior despojado não prepara o visitante para a opulência barroca do interior.
O campanário fica afastado do corpo da igreja, como a “casinha” numa morada sem banheiro, e nada tem de imponente.
Os sinos da Capela de Padre Faria badalam em concerto com os outros sinos da região, cantando as horas e os eventos, e não soam nem melhor nem pior do que os outros. Mas os sinos da Capela do Padre Faria têm uma história diferente dos outros.
Dizem que o Antônio Maria foi visitar o Ary Barroso pouco antes desse morrer. Eram amigos, mas o Ary Barroso implicava com as músicas do Maria e, um notório vaidoso, tinha um pouco de ciúmes do sucesso do outro. Prostrado na cama, Ary pediu ao visitante, com voz sumida:
- Maria, canta “Aquarela do Brasil”.
O Antônio Maria olhou em volta embaraçado.
- O que é isso, Ary?
- Maria, canta “Aquarela do Brasil”.
Muito sem jeito, Antônio Maria começou a cantar. Afinal, era o pedido de um moribundo.
Cantou toda a música, acompanhando-se com uma discreta batucada de palmas.
O Ary ouviu tudo de olhos fechados, com a cabeça atirada pra trás. Quando Maria terminou, ainda de olhos fechados, disse:
Ele: tirolês. Ela: odalisca. Eram de culturas muito diferentes, não podia dar certo. Mas tinham só quatro anos e se entenderam. No mundo dos quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro.
Em vez de dançarem, pularem e entrarem no cordão, resistiram a todos os apelos desesperados das mães e ficaram sentados no chão, fazendo um montinho de confete, serpentina e poeira, até serem arrastados para casa, sob ameaças de jamais serem levados a outro baile de Carnaval.
Encontraram-se de novo no baile infantil do clube, no ano seguinte. Ele com o mesmo tirolês, agora apertado nos fundilhos, ela de egípcia.
RINGO - Pô, eu primeiro? Logo eu, o narigudo, o palhaço da turma? Mas vamos lá. Tudo começou na minha casa mesmo. Na minha garagem. Meu pai tinha me dado uma bateria. Depois que a velha morreu (câncer) o velho me dava o que eu pedisse. (...)
Mas eu não ia pedir qualquer coisa para aproveitar o descorneio do velho. Fiquei entre a bateria e uma lambreta. Escolhi a bateria e comecei a ensaiar na garagem. O velho me deu a maior força. (...)
Era aposentado pelo INPS mas dirigia um táxi, e tirou o táxi da garagem pra dar lugar pra minha bateria. E brigava com os vizinhos que reclamassem do barulho. Encarava mesmo. O velho era faixa. Faixão. (...)