Essa uma história fascinante sobre o mais escandaloso caso de apropriação cultural da história. 🌱
Quando eu fiz a invesigação, há mais de 15 anos, nem se usava o termo “apropriacao cultural”. Infelizmente eu não pude publicar, desconfio que porque a revista recebia belos anúncios da Coca Cola.
Segue o fio! 🧵
Eu me deparei com essa história quando cobria o movimento cocaleiro na Bolivia, nos idos de 2004. Fiz um perfil de Evo Morales antes dele virar presidente.
O lema dos cocaleiros era 'viva a coca! Morram os ianques!'
Os Estados Unidos se metiam em tudo por ali por causa da Guerra às Drogas. Financiavam o Exército boliviano para fazerem uma ação patética:
Os soldados invadiam a terra dos camponeses para destruir as plantações de coca com facões.
Eu vi com meus olhos.
Tudo isso porque os EUA queriam reprimir o consumo de cocaína, substancia extraída da folha de coca. E estabelecer controle militar na America Latina.
Para os camponeses, a folha de coca era um planta ancestral, remédio. P/ os gringos, uma planta de onde se tirava cocaina e só
“É ridículo eles matarem nossas platações quando usam a folha de coca na Coca Cola”, me disse um asssessor de Evo Morales.
Eu: OI???
Passei meses entrevistando especialistas, lendo livros, conversando com membros do futuro governo da Bolivia. A história é inacreditável – e pode ser lida também no Museo de la Coca, fundado pelo médico e pesquisador Jorge Hurtado em La Paz.
Em 1892 a Coca-Cola foi inventada como um xarope ou remédio. Como o nome diz, uma bebida gaseificada, como era moda na época, que trazia ingredientes “exóticos”: noz de cola da África e Folha de Coca dos Andes. Com a cafeína da noz de cola e cocaína, prometia “aliviar a fadiga”
“aliviar as preocupações do seu dia”
“satisfazer os sedentos e ajudar os exaustos”
O sucesso da Coca Cola se devia muito às propriedades que os indigenas do altiplano reconhecem na folha de coca: dar energia, aliviar mal de estômago, cansaço, mal de altitude e problemas respiratórios.
Na época, a cocaína era importada aos EUA e Europa e amplamente utilizada, aliás, como medicmamento e estimulante. Havia um vinho francês de coca, Vino Mariani que era bem popular. Entre os mais notórios cocainômanos estão Sigmundo Freud e Sherlock Holmes
Mas vale lembrar que a cocaína não é o único alcalóide da folha de coca com propriedades medicinais e de aliviar o cansaço e a fome. Há muitos outros.
Na virada do século, alguns estados dos EUA começaram a limitar o uso de cocaína. Em 1914, a cocaína passa a ser liberada apenas a pedido médico nos EUA. O inventor da Coca-Cola John Pembleton, passou a estudar maneiras de manter seu “ingrediente secreto”.
As folhas de coca continuaram sendo usadas, mas depois de um processo em que se retirava a cocaína dentre os muitos alcalóides que têm efeitos medicinais.
A seguir, como tudo que ‘pega’ dos EUA, politicos americanos decidiram que não bastava proibir o uso da cocaina no seu país, mas era preciso controlar o comercio da folha (e não só da cocaína) no mundo todo.
O lobby americano, entre outros, está por trás da Convenção Única sobre Drogas Narcóticas, em 1961, um tratado que proibiu o comércio internacional de várias substências, dentre elas a maconha, a cocaína, o ópio.
O tratado internacional também classificou a folha de coca como entorpecente, e proibiu seu comércio internacional. MAS FEZ UMA RESSALVA…
Wait for it
Segundo o tratado, a folha de coca tem seu comércio e exportação proibidos exceto “para preparação de um agente saborizante” que “não deve conter nenhum alcalóide”
Uma cláusula feita SOB MEDIDA para a Coca-Cola. 186 países são signatários do acordo.
Nos anos 60, a Coca-Cola já era umas das bebidas mais vendidas dos EUA. Hoje, mais de 1.8 bilhão de bebidas da corporação são consumidas todos os dias no mundo.
Como a Coca Cola consegue manter o saborizante de coca? As folhas de coca são importadas do Peru ou da Bolívia e são enviadas para uma empresa quimica em new Jersey, a Stepan Chemical Cmpany.
Essa empresa se encarrega de retirar a cocaína e preparar o ‘saborizante’ para ser enviado à Coca Cola.
A mega corporação então faz o seu prerarado e manda para produtoras no mundo todo. A história toda está neste livro de Mark Pendergast – eu entrevistei o autor na época
Na formula, não consta o nome da folha de coca como ingrediente. Consta apenas “saborizantes naturais”.
A quem pergunta, a empresa alega “segredo industrial” (na época eu perguntei. Insistentemente.)
Membros do governo de Evo Morales, ligado ao movimento cocaleiro, e de alguns governos do Peru tentaram obter uma licença para exportar o chá de coca, bebida tradicional que tem as propriedades curativas da folha. Nada feito.
O chá típico dos indígenas do altiplano segue proibido, enquanto a Coca-Cola segue usando o sabor da folha de coca. SEM RECONHECER a origem.
Quer maior APROPRIAÇÃO CULTURAL que essa?
A história daria um filme. Daria uma série de Netflix. No meu caso, não deu em nada 🌱/
BÔNUS: A Folha publicou uma matéria sobre isso no comecinho dos anos 2000, antes do movimento cocaleiro eleger um presidente na Bolívia 👇 www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft25…
BONUS 3: Acabo de achar o registro da Stepan Company de importação de folhas de Coca junto ao governo americano. Ano: 2021 federalregister.gov/documents/2021…
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Como morrem as democracias
OU
Como Bolsonaro quer matar a democracia no Brasil, uma aulinha 🧶
Estou lendo o livro “Como morrem as democracias”, dos professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, uma leitura imprescindível porque traz um guia didático com dezenas de exemplos sobre como hoje em dia são construídas as ditaduras.
Os autores apontam que a maioria dos governos autoritários de hoje em dia não chega ao poder de forma violenta mas trabalham para minar o processo democrático. Como a sociedade não reage a tempo, eles conseguem. Voltar à normalidade democrática é muito + difícil do que impedi-los
Tenho acompanhado a história dos corpos de 215 crianças indígenas encontradas em uma escola missionária no Canadá. Escrevi uma longa reportagem há alguns anos sobre como essas escolas existiram no Brasil e deixaram traumas até hoje. Segue o fio 👇 bbc.com/portuguese/int…
Depois da descoberta da vala comum, o governo Canadense prometeu exumar os corpos para identificá-los. O país colocou as bandeiras em meio mastro. O Primeiro Ministro pediu que a Igreja Católica se desculpe. O Papa Francisco apenas “lamentou” g1.globo.com/mundo/noticia/…
No Canadá, os internatos funcionaram de 1890 a 1969, geridos pela Igreja Católica. Para “inserir os indígenas na sociedade canadense”, elas eram obrigadas a falar inglês e proibidas de falar a própria língua. Eram torturadas, havia abuso sexual, e pelo menos 6 mil morreram.
Vamos falar de militares que não foram punidos? Há anos que o Exército brasileiro trabalha arduamente para manter impunes seus soldados que matam e ferem civis. Quer conhecer alguns casos? Segue o fio 🧵
1.Evaldo Rosa e Luciano Macedo foram fuzilados com mais de 80 tiros por 9 soldados no dia 7 de abril de 2019. Até hoje o caso não foi a julgamento. apublica.org/2021/04/dois-a…
Como mostramos nessa reportagem, a Operação Militar que levou à morte de Evaldo era ilegal. O general que assinou a ordem jamais foi punido, embora procuradoras militares tenham pedido uma investigação apublica.org/2020/04/exclus…
Não é por nada não, mas daqui a pouco a @agenciapublica vai quebrar a banca de novo com uma tremenda investigação sobre abuso sexual. Fiquem de olho! 🧐
EXCLUSIVO. A Agência Pública ouviu capoeiristas que denunciam mestres de um dos maiores grupos do país, Cordão de Ouro, por abusos sexuais cometidos desde a década de 70. Os crimes teriam acontecido quando eram crianças ou adolescentes. apublica.org/2021/06/capoei…
Os relatos são parecidos: alunos em situação de vulnerabilidade social e que pretendiam seguir carreira na capoeira, eram assediados, sofriam abusos ou eram levados a acreditar que só viajariam e se tornariam professores se aceitassem entrar para o esquema de exploração sexual.
As revelações de abusos seriais de Samuel Klein e o fato de terem acontecendo por duas décadas sob um “pacto de silêncio” me fizeram pensar sobre como até pouco tempo nós – todos nós – normalizávamos a violência contra mulheres 👇
Resolvi compartilhar aqui uma fase ruim da minha vida, que aconteceu quando eu tinha 20 anos, ou seja, nos anos 2000. Eu havia acabado de sair da casa dos meus pais para morar sozinha, numa casinha de fundos na Vila Madalena. (+)
Eu estava “ficando” (se diz isso ainda?) com um conhecido, um amigo querido na verdade, carinha legal, artista, bem conhecido de todas as minhas amigas. E chegou uma hora em que decidi não ficar mais com ele. (+)