Thread by @mellziland

Há muito estudo por trás do surgimento do SARS-CoV-2 e o principal e mais provável mecanismo é por um evento zoonótico (ex.: 🦇➡️🧍). Mas e se eventos assim acontecem várias vezes? E se segue acontecendo CENTENAS de milhares de vezes por ano?

O fio da tarde!🧶👇

Olhando para nossa história, tivemos já pandemias de coronavírus: pelo SARS-CoV (2002), MERS-CoV (2012) e SARS-CoV-2 (2019). Essas pandemias são produtos de eventos que podem estar acontecendo muitas, mas muitas vezes ao ano.

E temos alertas sobre isso:

https://twitter.com/mellziland/status/1382151003290664960

Segundo um preprint recente, e tendo cuidado com as limitações do dado obtido, cerca de 400.000 pessoas estão provavelmente infectadas com coronavírus relacionados à SARS todos os anos, em transbordamentos que nunca se transformam em surtos detectáveis medrxiv.org/content/10.110…

É um desafio para a comunidade científica estimar a frequência do transbordamento (tradução para spillover) zoonótico. No preprint acima, os pesquisadores criaram um mapa detalhado dos habitats de 23 espécies de 🦇conhecidas por abrigar coronavírus relacionados ao SARS

Em seguida, esse mapa é sobreposto com dados sobre onde os humanos vivem para criar um mapa de potenciais pontos de infecção.

Cerca de 500 milhões de pessoas vivem em áreas onde podem ocorrer spillovers, incluindo o norte da Índia, Nepal, Mianmar e boa parte do Sudeste Asiático

Isso pode nos dar pistas de locais em que essa vigilância precisa ser frequente e fortificada. Outro estudo já tinha destacado coronavírus com muita semelhança ao SARS-CoV-2 na Ásia

https://twitter.com/mellziland/status/1403185540686561282

🦇 são criaturas que podem viver em aglomerados, tendo uma intensa troca entre eles. Esse mesmo estudo acima revelou a ocorrência de uma frequente troca de coronavírus entre eles, que pode gerar uma grande diversidade genética e novas versões de vírus

https://twitter.com/mellziland/status/1403185617694035968

Apesar de que esses testes de soroprevalência possam gerar alguns falsos-positivos, e que o dado está inserido num amplo intervalo de confiança, mas o dado é bastante preocupante porque mostra, novamente, que não estamos vendo grande (ou até pequena) parte do que está acontecendo

Mas por que, se temos todas essas infecções anualmente, não vemos mutios surtos? A maioria das infecções ocultas têm vida curta e não levam à transmissão, porque os vírus não são bem adaptados aos humanos. O problema é se a frequência delas se tornar alta, que pode propiciar isso

Ainda, existe o risco também de muitas das doenças que essas infecções possam ter gerado terem sido diagnosticadas como outra coisa, o que também adiciona um viés ao dado. Existe toda uma discussão sobre o acesso a saúde que pessoas de regiões rurais possuem, e isso é uma questão

Os autores concluem que, é muito provável que para praticamente qualquer patógeno zoonótico da vida selvagem, o transbordamento é mais frequente do que anteriormente reconhecido. E precisamos de mais investimento em ciência, vigilância genômica para monitorá-los

A reportagem da Science sobre o preprint em questão pode ser lida nesse link science.org/content/articl…

Outro artigo publicado na Trends in Ecology & Evolution do grupo @CellCellPress discute os cenários em que esse evento zoonótico envolvendo o SARS-CoV-2 possa ter acontecido

cell.com/trends/ecology…

Existem trabalhos que mostraram uma grande semelhança de coronavírus que infectam🦇com o SARS-CoV-2, destacando que o BaT-CoV RaTG13 apresenta 96,1% de semelhança no material genético, seguido pelo RpYN06 (94,48%), ambos muito parecidos com o SARS-CoV-2

https://twitter.com/mellziland/status/1403185553479286784

Apesar de os 🦇serem um fortíssimo candidato a reservatórios (animais em que o vírus infecta sem causar manifestações mais graves) do vírus, ainda desconhecemos possíveis outros.

Civetas foram um provável candidato para o surto de SARS-CoV em 2002-2003 por exemplo

Análises filogenéticas recentes identificaram que os SARSr-CoVs provavelmente divergiram de um coronavírus ancestral derivado de 🦇entre 1948 e 1982, sugerindo que os SARSr-CoVs têm circulado em espécies selecionadas de 🦇há algum tempo nature.com/articles/s4156…

É possível que a linhagem originária do SARS-CoV-2 esteja circulado despercebida em 🦇por décadas. Também é possível que um SARSr-CoV tenha evoluído para SARS-CoV-2 em 🧍após spillover de um animal, seguido pela rápida transmissão desta cepa adaptada a 🧍 pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32220310/

E os pangolins? 🧐🤔

Analisando seus SARSr-CoVs, nota-se uma semelhança ~85,5 -92,4% ao SARS-CoV-2 em seu mat. genético.

Ainda, possuem semelhanças intrigantes com o vírus em regiões que são críticas para a interação nossas céls. (via ACE2) pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32218527/

Especificamente, a região RBD do vírus é crítica para a interação com o ACE2 de nossas células. O RBD de um SARSr-CoV de pangolim tem 97,4% de semelhança com o do SARS-CoV-2, o que é muito intrigante pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32218527/ pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32380510/

Existe a possibilidade de o pangolin ter entrado de gaiato nessa história, ou seja, ser um hospedeiro intermediário entre o possível reservatório do vírus (🦇) e nós 🧍, mas ainda precisamos de mais análises para entender se sim, e como isso ocorreu/ocorre.

Mas não seria algo improvável. Algumas famílias de 🦇(Rhinolophid) compartilham algumas dietas com os pangolins na natureza. Poderia ser um ponto de infecção? Ainda precisamos entender melhor.

E por fim, temos fatores ecológicos que propiciariam esses spillovers. Urbanização, deflorestamento, redução de habitats selvagens forçam uma proximidade dessas espécies conosco, favorecendo contatos e exposições.

Apenas um aviso amigável:

https://twitter.com/mellziland/status/1389418867991224324

De qualquer forma, precisamos investir em ciência, em vigilância genômica, em conscientização e instrução de pessoas que moram próximas a ambientes de vida selvagem e não subestimar o potencial pandemico que essa família de vírus (e de outros ag. infecciosos) podem ter.

Esqueci de botar essa figurinha que é muito bacana e traz essa questão de como esses spillovers podem ter ocorrido (morcego pra humanos, como os pangolins podem ter participado...)

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