Thread by @AnarcoFino

O depoimento da Frances Haugen, ex-funcionária da divisão de integridade cívica do Facebook, confirma o que todo mundo que estuda redes sociais sabe: que as empresas promovem conteúdo "divisivo" para inflar os números de acessos diários.

Basicamente, a empresa mudou a forma como a timeline é constituída, priorizando conteúdos que geram maior "engajamento" (comentários, curtidas, etc...) em detrimento de outros conteúdos. Basicamente, priorizando a promoção de conteúdos virais do que, por exemplo, a segurança.

E isso acabou sendo destacado por relatórios da própria empresa que deixaram claro que a “desinformação e conteúdo tóxico e violento estão extraordinariamente se destacando entre os compartilhamentos”.

E aqui entra um agravante: o algorítimo da plataforma (das plataformas), por meio daquilo que chamam de garante que cada usuário receba um tipo de conteúdo específico nas suas redes. Ou seja, aqui que viraliza para um não é o mesmo que viraliza para outro.

Não existe uma experiência unificada das plataformas, cada usuário é, digamos, o centro de um universo personalizado que gira ao seu redor. Quem joga MMORPGs conhece bem esse tipo de experiência.

Mas as coisas ainda piora, por meio daquilo que chamam de "Meaningful Social Interactions", o facebook garante que o ponto central desse universo, o usuário, receba conteúdo advindo de suas redes de relacionamentos.

Ou seja, se eu compartilho conteúdo crítico ao governo, mas tenho um parente próximo com um perfil político um pouco distinto (as vezes nem isso, basta que ele esteja em uma página indiretamente alinhada), ele poderá "receber" conteúdo político de apoio ao governo.

E esse é um ponto importante. Em perfis de teste que criei no passado, por exemplo, o simples fato do perfil estar em uma "página de bairro" passou a garantir que ele tivesse conteúdo político "pró-armas", "bandido bom é bandido morto" e "pró-bolsonaro" na sua timeline.

Em outro, por exemplo, simulei um pai que consumia notícias sobre bem estar infantil e conteúdos relacionados a pedofilia (e muita coisa homofóbica) passasse a ser sugeridas na timeline.

Tudo isso para dizer que a plataforma não apenas garante que os usuários recebam o conteúdo que lhes interessa, mas o conteúdo que mobiliza sentimentos como medo e raiva.

E se lembrarmos que o que chamamos de facebook é um ecossistema de pelo menos três grandes aplicativos (whatsapp e instagram) - fora que o login do facebook é amplamente utilizado em outras plataformas, entendemos o tamanho do buraco.

Eu digo, insisto e repito: as redes bolsonaristas não consomem o mesmo material que consumimos. E digo isso no plural pois o bolsonaro dos grupos evangélicos mais periféricos é bem diferente do bolsonaro dos "mais ricos" (para usarmos segmentos onde ele ainda tem apoio).

E não se enganem, twitter e youtube também se utilizam de estratégias semelhantes. Não é a toa que a beligerância seja um padrão comportamental por estas bandas.

Quem tiver interesse na integra do depoimento da Frances Haugen

Na segunda feira, 10h, eu vou fazer uma longa análise do depoimento da Haugen e das principais referências sobre o tema na twitch.

twitch.tv/ocalheiros