Thread by @aquelerebelde

Eu tenho andado bastante pelo interior, conversado com prefeitos, vereadores, líderes comunitários e, como consequência natural do meu trabalho, acabo fazendo um levantamento informal sobre como a política acontece de fato. Chegando à conclusão de que o clientelismo é necessário.

Necessário ao menos no modelo de gestão e partilha de poder que o Brasil adota.

Mesmo sabendo das distorções que provoca, é o clientelismo que faz as coisas acontecerem, seja o asfaltamento de uma rua, a reforma de uma escola, a construção de um centro de saúde...

No nosso modelo é simplesmente impossível de fugir dessa dinâmica. Isso porque o poder não é exercido pela força, por quem "manda" sobre quem é "mandado", mas pela capacidade de prestar favores e a dinâmica de gratidão que vem à reboque.

Quando se tem nas mãos a possibilidade de intervir em diversas questões que afetam positivamente a vida de várias pessoas, é assim que o poder será exercido e é assim que ele continuará sendo exercido.

Porque a população tem necessidades muitas vezes urgentes que, no nosso modelo, são atribuições do poder público e só ele pode solucionar. O modelo de gestão que escolhemos é baseado em arrecadar recursos da sociedade para serem distribuídos por políticos.

E tudo isso é muito naturalizado pelas pessoas e pelos próprios políticos, que se enxergam como elos entre as suas bases eleitorais e os cofres públicos. Tanto a população, quanto o político compram a mesma ideia e pra eles isso é perfeitamente normal e justo.

E eles não estão errados. Do ponto de vista pragmático, esta é a regra tácita do jogo. Os recursos só vão parar lá na ponta por intermédio de alguém que tenha o poder de prestar o serviço de "lobista". Alguém que tenha acesso ao cofre, no caso. E quem faz esse leva e traz...

...é o parlamento. Os parlamentos brasileiros, desde as câmaras municipais até o congresso, servem unicamente pra isso: fazer lobby pelas bases eleitorais para destinar recursos a elas. É isso que, no imaginário da política, se considera "fiscalizar o poder executivo".

Claro que corrupção existe, mas na maior parte dessas relações de "troca", o dividendo é o voto, não uma eventual bufunfa embolsada. O deputado que leva recursos do governo pra um município de 10 mil habs, p. ex., vira rei. Vira rei porque terá o prefeito e toda máquina...

...da prefeitura pedindo voto pra ele na próxima eleição. E o prefeito, por sua vez, muito provavelmente será reeleito ou fará um sucessor porque, com aquele recurso, conseguiu sanar alguma pequena necessidade da população que a incomodava e ninguém tinha dado atenção antes.

São coisas simples... E, pro político, conseguir 200 mil reais pra um município de 10 mil habs vale muito mais dividendos que conseguir 2 milhões pra uma grande cidade, onde essa verba não terá impacto nenhum.

A maioria das reinvindicações é calçamento/asfaltamento de 3 km de estrada, um telhado novo pro ginásio da escola que tá cheio de goteira, um centro comunitário lá no jebejebe pro grupo de dança da comunidade poder realizar suas atividades, uma pracinha com brinquedos...

...uma quadra pra criançada jogar bola... As prefeituras não têm recursos próprios, não têm acesso a bons financiamentos, a folha de pagamento toma a maior parte dos orçamentos... Não tem espaço pra investimento e, muitas vezes, manutenção.

Tem município de 3 mil habs com 1000 km de estradas pra cuidar, p. ex. É simplesmente inviável. Se não tiver alguém pra trazer recurso de fora pra prefeitura, não tem como manter nem a infra mais elementar do município.

Tem muito hospital conveniado ao SUS que não consegue manter nem o próprio custeio. Se não for o deputado da região buscar dinheiro no governo, fica impossível manter o atendimento.

E é assim que a gestão pública acontece no Brasil. Essa é a gestão "profissional" (no bom sentido). O gestor que corre atrás de recurso pra manter a coisa funcionando, independentemente de como ela é estruturada. E mudar essa estrutura é virtualmente impossível...

...porque não só todo o sistema político é alicerçado nessa dinâmica de favores e gratidão, mas a nossa própria constituição sustenta todo esse modelo obrigatoriamente.

Se o gestor não cumprir, ele será processado... 🤷🏻‍♂️