Não tem como falar da união de terror e comédia sem citar a Família Addams. E mesmo que a história não tenha origem judaica, ela muitas vezes é tida como uma referência na infância de muitas famílias judias estadunidenses. E os motivos para tal não são poucos.
Charles Addams (ou Chas Addams, pseudônimo), em 1938, publicou a primeira história da família de seu sobrenome, inspirada na cidade em que cresceu. A história original é uma série de tirinhas publicada na New Yorker, piadas com base na inversão de valores da família tradicional.
A graça estava na família ser extremamente mórbida e nada convencional. Eram o oposto de uma família de classe média alta nos subúrbios dos EUA, mesmo sendo uma. As tirinhas não tinham muita relação uma com a outra além de retratarem uma mesma família, com piadas sempre banais.
E o ponto era exatamente esse: O que é o banal? Se todas aquelas famílias ricas podem fazer o que bem entendem, não importa o quão espalhafatoso ou exagerado seja, e ninguém fala nada, por que com os Addams seria diferente?
Essa estranheza se assemelhou a famílias judaicas, afinal, não importava o quanto elas tentassem se integrar na sociedade branca estadunidense, nunca conseguiam, e o judaísmo era tão incompatível com a branquitude como os costumes da família Addams são com os da alta sociedade.
Outro fator que ressoou foi que esse humor mórbido e escrachado se assemelha, em partes, com o humor judaico, de sempre rir do próprio sofrimento e fazer piadas com isso.
E se as associações eram um ponto de identificação, com os filmes de 1991 e 1993 isso se tornou maior. Embora a Família Addams tenha se tornado uma série de televisão na década de 60, os filmes da década de 90 são baseados nos quadrinhos originais.
O primeiro filme foi dirigido por Barry Sonnenfeld, um diretor judeu estreante, contribuindo assim para algumas referências judaicas na história. A primeira delas é que Mortícia chama seu marido Gomez de “Bubele”, um termo carinhoso em yiddish que significa algo como “querido.”
Yiddish é uma língua judaica falada por comunidades Ashkenazim, e muitos termos se tornaram comuns na linguagem de judeus estadunidenses.
Já no segundo filme, Vandinha e Feioso são enviados para um acampamento de verão, e embora isso não seja mencionado diretamente, o acampamento Chippewa é um lugar real, conhecido por ser popular entre judeus de classe alta.
Marc Shaim, um dos compositores do filme, também judeu, deixou sua influência nos filmes. O ritmo de Mamushka é fortemente inspirado em Hora, um estilo de dança Balcã e importante parte da tradição musical judaica Klezmer, especialmente em casamentos.
Outro exemplo é “Sunrise, Sunset”, de “Um Violinista no Telhado”, tocada no piano, na cena do casamento de Fester. Um Violinista no Telhado é um dos musicais judaicos mais conhecidos, e ainda faremos thread sobre.
Voltando ao campo de verão, Vandinha se apaixona por Joel Glicker, um garoto judeu que usa óculos grossos, é alérgico a tudo e tem uma mãe superprotetora. Se você achou que isso se parece com os estereótipos de Nice Jewish Boy e Jewish Mom, então você acertou.
David Krumholtz, ator que interpretou Joel, disse que o personagem “é um reflexo de Barry Sonnenfeld, Scott Rudin (produtor) e eu, porque somos todos Nice Jewish Boys”.
Várias pessoas que ajudaram na produção eram judeus, como Tully Alford, Judith Malina e Sally Jessy Raphael.
Já a série de 1964, era um comentário sobre o racismo nos Estados Unidos. Durante o período, judeus e pessoas negras se mudaram para vizinhanças brancas de gentios, e eram vistas com maus olhos por seus vizinhos.
A Família Addams é um exemplo óbvio da premissa de que “monstros” estão invadindo o território de pessoas brancas. Mas, no fim, não desejam nada de mal, só possuem costumes e tradições diferentes.
A Família Addams pode não ser judia, ou, ao menos, não explicitamente, mas sua mensagem ressoa com famílias judaicas e talvez por isso seja comum que, ao menos nos Estados Unidos, se ouça falar que a Família Addams é “um pouco judia”.
E mesmo que por metáfora e subtexto, essa é uma história importante sobre aceitar as diferenças, não importa o quão grotescas elas pareçam, e entender que seu vizinho, ao fim do dia, é tão humano e tão digno quanto você.
Apesar de não ser uma história judaica, Chas Addams e sua família são uma ótima representação do que é ser tratado como O outro, O esquisito, O monstro. E serve como um paralelo atemporal para questões urgentes, como antissemitismo e racismo.
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