Muita gente opinando sobre a Nicarágua, mas, calma, gente, vamos estudar História ou, pelo menos, ler artigos sérios a respeito. Primeiro, Ortega está longe de ser um modelo, mas apenas isso não explica a tensão existente lá (1/10).
Não vou nem aqui apelas às décadas da Ditadura da família Somoza, apoiada pelos EUA, e terminada pela Revolução Sandinista do final dos anos 1970. Nem as muitas intervenções anglo-americanas ou o colonialismo espanhol. Pensemos só dos anos 1980 pra cá (2/10).
Basicamente, depois de derrubada a Ditadura dos Somoza, o governo Reagan interferiu duramente contra o regime revolucionário e a favor da oligarquia do país. Se não sabe o que Irã-Contras, pare essa leitura e dê um Google (3/10).
Com o país sob embargo e com uma guerrilha financiada pelos EUA para derrubar o regime revolucionário, mesmo assim houve eleições no país. E em 1990 ganhou uma dissidente, Violeta Chamorro, com apoio das direitas, mas também de políticos que romperam com Ortega (4/10).
Chamorro iniciou um ciclo que passa por governos liberais e conservadores e dura até 2006. A Nicarágua vê seus índices de qualidade de vida caírem dramaticamente, corrupção e nada de muita democracia, ao contrário dos auspícios dos anos 1990 (5/10).
Ortega, pois, volta em 2006 por onde ele saiu em 1990: pelo voto. e governa desde então sob uma forma nacionalista, mantendo proximidade com a hierarquia católica e também com Rússia e, sobretudo, China que vai tocar a construção do Canal da Nicarágua (6/10).
A partir daí, tudo muda. A importância estratégica da Nicarágua aumenta e ter os chineses tocando o projeto do Canal, que rivalizaria com o Canal do Panamá, sob controle americano, traz o país e a região de novo para os holofotes (7/10).
Ortega ganha poder, mas ao mesmo tempo passa a sofrer um repeteco dos anos 1980: um cerco econômico com a oposição sendo, novamente, financiada de fora. Sim, de novo. As últimas eleições foram realizadas depois que muitos desses opositores foram, inclusive, presos (8/10).
Noves fora tudo, a economia da Nicarágua voltou a crescer depois de anos em 2021 e, no fim, o quórum das eleições deste ano foi semelhante ao de 5 anos atrás (e maior do que em 2006) com Ortega sendo votado pelos presentes (9/10).
Ortega, bateu os candidatos oposicionistas, embora os retirados da disputa por prisão ou exílio reclamem a falta de legitimidade disso. Difícil dizer que as eleições foram nulas. Ou se foram, como a "comunidade internacional" validou 2018 no Brasil ou 2021 no Equador (10/10)?
P.S.: O que eu estou propondo a vocês é um exercício de complexidade, não um endosso a A ou B.

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13 Nov
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