JÚRI DA BOATE KISS: Após a instalação da sessão, a defesa dos réus indagou se o MP havia pesquisado a base de dados sobre segurança pública do RS para examinar dados pessoais de potenciais jurados. Tema interessante, claramente vinculado à LGPD e à proteção de dados pessoais.
Esse tipo de alegação tende a aumentar no processo penal e é preciso adotar parâmetros adequados para sua apreciação pelos tribunais. Para começar, a LGPD (art. 4º, III, "d") não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizado exclusivamente no âmbito de ações penais.
Porém, princípios gerais de proteção de dados e direitos mínimos do titular desses dados devem ser observados pela Justiça criminal, nas investigações e nos processos penais. Não esqueçamos que, em breve, o inciso LXXIX do art. 5º da CF assegurará o direito à proteção de dados.
Tais parâmetros seriam:
1. A existência de lei que autorize o acesso a dados pessoais pelo Estado;
2. A previsão em lei da autoridade competente para fazê-lo;
3. A previsão de uma finalidade legítima numa sociedade democrática;
4. Haver justa causa em concreto para o acesso.
Assim, o acesso pelo MP é justificado diante do evidente interesse público na formação de um tribunal do júri e, na sequência, de um conselho de sentença que seja integrado por jurados imparciais, idôneos, não suspeitos nem impedidos.
A publicação da lista de jurados serve para sua impugnação (art. 426 do CPP). Para ser jurado é preciso ter "notória idoneidade"(art. 436). Jurados podem estar impedidos por relações de parentesco (art. 448), dados inequivocamente pessoais. Também podem ser suspeitos (art. 106).
Todos os elementos para assegurar o acesso do MP a bases de dados estatais estão presentes. A perfilação ("profiling") de jurados justifica-se para o cumprimento do CPP (idoneidade, impedimentos, suspeição etc), na formação do conselho de sentença, o que se faz pelas recusas.
Além disso, o acesso direto a dados cadastrais pelo MP tem base nas leis orgânicas, a exemplo da Lei 8.625/93 e da Lei Complementar 75/93. Cabe ao MP, como "custos legis", velar pelo correto funcionamento dos órgãos do Estado (art. 129, II, CF), tendo em conta acusados e vítimas.
Não se trata de busca generalizada sobre uma massa indeterminada de indivíduos. Se aquelas pessoas estão na lista geral ou seus nomes formaram o tribunal de 25 pessoas, há justa causa para a pesquisa de seus dados, uma vez que são potenciais juízes.
Justifica-se assim o exame de vida pregressa desses potenciais juízes para garantir um tribunal isento, imparcial e desimpedido. Este é um direito dos acusados e também das vítimas. Recordemos que se pode até pedir o desaforamento de julgamentos por possível parcialidade do júri.
A constituição de tribunais independentes e imparciais é um direito humano previso na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, assim como nos Princípios de Bangalore. A pesquisa sobre jurados responde a tal necessidade.
A questão remanescente está na suposta falta de paridade de armas, argumento que apareceu na alegação defensiva ao juiz Orlando Faccini Neto. Os advogados também deveriam ter acesso aos dados dos jurados para subsidiarem suas recusas peremptórias ou as motivadas? É uma pergunta.
Se a reposta for sim, isto deveria ter previsão legal. Hoje não há tal lei, embora me pareça que deva existir um meio de assegurar esse conhecimento, em nome da ampla defesa. De todo modo, nenhum efeito essa questão terá sobre o julgamento em curso. É um tema para o Congresso.
Difícil, muito difícil, ver infração disciplinar numa conduta que só revela diligência por parte do MP.

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2 Dec
Justiça sem fronteiras. Começou hoje em Curitiba o julgamento de um atentado contra a liberdade imprensa cometido no Paraguai
O réu Flavio Acosta Riveros é acusado de matar o jornalista paraguaio Pablo Medina, do @ABCDigital, e sua assistente, Antonia Almada. Crime de mando. O duplo homicídio ocorreu em 2014, como represália ao jornalista, que denunciava o narcotráfico na fronteira entre os dois países.
O caso de Flavio Acosta foi transferido pelo Paraguai ao Brasil após o STF negar sua extradição, em 2018. Antes, o seu tio Vilmar Acosta, conhecido por Neneco e considerado o mandante do crime, foi extraditado com autorização do STF. Neneco já foi julgado e condenado no Paraguai.
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2 Dec
FBI Document Says the Feds Can Get Your WhatsApp Data — in Real Time rollingstone.com/politics/polit… via @RollingStone
“(…) in a previously unreported FBI document obtained by Rolling Stone, the bureau claims that it’s particularly easy to harvest data from Facebook’s WhatsApp and Apple’s iMessage services, as long as the FBI has a warrant or subpoena.”
“Judging by this document, “the most popular encrypted messaging apps iMessage and WhatsApp are also the most permissive,” according to Mallory Knodel, the chief technology officer at the Center for Democracy and Technology.”
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2 Dec
O “pastafarianismo” não é uma religião. Este é o entendimento da Corte Europeia de Direitos Humanos no caso De Wilde vs. Países Baixos, cuja decisão de inadmissibilidade foi divulgada nesta quinta, 2 de dezembro. Image
Para a @ECHR_CEDH, vistas as circunstâncias nas quais o movimento foi fundado nos EUA em 2005,o “pastafarianismo” não é uma “religião” ou “crença” no sentido do art.9º da Convenção.É uma paródia criada para se opor à introdução do criacionismo no currículo escolar da Pensilvânia.
O caso chegou à Corte porque De Wilde, que se diz fiel à crença na suposta “Igreja do Monstro do Espaguete Voador”, ao realizar sua identificação civil, apresentou fotografia sua em que aparece com um escorredor sobre a cabeça, tal como preconiza a “doutrina” dessa pseudoigreja. Image
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1 Dec
Boas práticas na destinação de valores de corrupção transnacional. Na década passada, diplomatas do Chade nos EUA foram flagrados num esquema de corrupção com uma empresa canadense, que seria beneficiada com contratos para exploração de petróleo na África. news-medical.net/news/20211129/…
Depois de uma longa batalha judicial, o @UKSFO , do Reino Unido, conseguiu confirmar uma ordem de confisco civil de £4.4 milhões em propina. Esses valores foram destinados pelo SFO a ONGs e organizações internacionais no Chade, onde mais de 15O mil pessoas receberam assistência.
A diretora do @UKSFO comentou o uso dos recursos para financiar projetos humanitários e de assistência à saúde no Chade: “o dinheiro recuperado não foi para os bolsos de corruptos”.
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1 Dec
O Presidente do Tribunal Geral da União Europeia indeferiu as liminares pleiteadas contra a decisão do Parlamento Europeu de condicionar o acesso aos seus edifícios à apresentação de um certificado digital europeu de vacinação contra a Covid-19. Fonte: @EUCourtPress .
Os argumentos dos requerentes não demonstram a gravidade nem a dificuldade de reparação do prejuízo alegado, devido à limitação sanitária instituída em 27/10/2021 pela mesa diretora do Parlamento Europeu, que restringiu o acesso a suas sedes em Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo.
O Parlamento Europeu condicionou o acesso de visitantes, funcionários e eurodeputados aos seus edifícios à apresentação de um certificado de vacinação, à comprovação de infecção e recuperação da Covid-19 ou a um certificado equivalente.
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1 Dec
TJUE: Os presidentes de bancos centrais da União Europeia não gozam de imunidade em caso de fraude, decidiu o Tribunal do bloco numa questão prejudicial sobre os esforços da Letônia para processar um ex-dirigente de seu banco central acusado de corrupção. law360.com/articles/14442…
O caso chegou ao Tribunal de Justiça da União Europeia em reenvio prejudicial apresentado por um tribunal em Riga, capital da Letônia. Em junho de 2018, o Ministério Público letão acusou o governador do banco central da Letônia de vários crimes de corrupção.
O dirigente foi acusado pelo MP local de ter aceitado propina relacionada a um procedimento de supervisão de “due diligence” a respeito de um banco letão e de ter supostamente lavado o dinheiro proveniente desse suborno.
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